A Cidade é Nossa com Raquel Rolnik #39: Favelas sem água (e outras emergências) na RMSP

7 em cada 10 entrevistados que moram em favelas na Região Metropolitana de São Paulo relatam algum tipo de dificuldade para ter acesso a água, segundo pesquisa do Laboratório Justiça Territorial (LabJuta) da UFABC em parceria com movimentos sociais. Situação que, para muitos, piorou no último ano pandêmico. É preciso políticas públicas emergenciais para garantir este direito básico, que se torna ainda mais importante com o coronavírus e a necessidade de se fazer higienização constante das mãos, de alimentos e objetos. É sobre isso que fala o episódio 39 do “A Cidade é Nossa”, produzido por Raquel Rolnik e Amanda Mazzei, da equipe do LabCidade. Para ouvi-lo na sua plataforma de podcast favorita acesse: spotifyapple podcastsgoogle podcasts e overcast.

ALERTA! CORREÇÃO: 7 a cada 10 dos 591 moradores de favelas que responderam a pesquisa (qualitativa) apontaram a falta de água.

Confira a pesquisa e outras informações aqui.

A política habitacional da prefeitura e do governo do Estado, hoje, produz ocupações

Em entrevista à rádio USP, a urbanista Raquel Rolnik fala com a jornalista Sandra Capomaccio sobre a tragédia anunciada produzida pela política de habitação atual.

Sandra Capomaccio: A ocupação irregular foi o motivo do incêndio?

Raquel Rolnik: Evidente que não. Os ocupantes são as vítimas, não a causa. A questão fundamental e estruturadora é a existência de uma quantidade enorme de prédios vazios, abandonados, colocando em risco seu entorno, e que são uma afronta às necessidades imensas de moradias que existem em São Paulo. Esse é um exemplo claro de um imóvel público que foi abandonado, ou melhor, que, ao invés de ter sido destinado a uma função social, a uma necessidade pública, é mantido vazio, subutilizado em função de expectativas de remuneração/rentabilidade que hoje ele não tem. E existem centenas como este, públicos e privados, vazios por anos.

As pessoas invadem estes prédios por não ter onde ir, e agora a prefeitura diz que encontrou lugares para estas pessoas. Como é isso?

Na verdade não temos uma política habitacional que dê conta de necessidades diversificadas. Temos hoje uma presença grande de populações refugiadas, por exemplo. O país assina convenções para receber estas pessoas, o que é ótimo, mas não se prepara minimamente para recebê-los. E a moradia para quem acaba de chegar, seja migrante, imigrante ou refugiado, é transitória, de passagem, o que não existe como programa de governo. E há situações de idosos, sozinhos, que não precisariam ter que comprar casa própria, mas sim ter um aluguel acessível  como alternativa. As ocupações são fruto de uma política habitacional que remove gente de favelas, de áreas desapropriadas – acabamos de ver isso na região na Luz -, e oferece apenas uma bolsa-aluguel. São cerca de 30 mil pessoas hoje que recebem R$ 400 de bolsa-aluguel. O único lugar em São Paulo possível para este aluguel é viver em ocupações. Ou nas favelas mais precárias das franjas da cidade. A política habitacional da prefeitura, hoje, produz ocupações.

Temos hoje algum projeto habitacional que conseguiu reformar estes prédios?

Sim, nós já temos esta experiência em São Paulo. Isto foi feito na gestão  da ex-prefeita Luiza Erundina pela primeira vez com um prédio na Mooca. O governo do Estado, através da CDHU, também já teve um programa para começar a fazer isto, mas foi interrompido. Na gestão da ex-prefeita Marta Suplicy foram reformados vários prédios, tanto para programas de casa própria como de locação social. A gestão Haddad desapropriou e pagou vários para poder reformá-los – e, ao perder a eleição para Dória, o programa foi interrompido. Creio que temos hoje pelo menos dez  edifícios que foram reformados e hoje tem moradores que vivem com qualidade. Isso foi experimentado.

É possível ocorrer novamente outra tragédia?

É possível, até porque várias ocupações, consolidadas, que estão há anos em processos de auto organização e mutirões, pedem a religação da energia elétrica, da água. Isso é sistematicamente negado, mesmo em edifícios de propriedade pública. Isso expõe a população a perigos e a possíveis desastres. Além disso, temos no Plano Diretor uma política com instrumentos que dizem: imóveis que não cumprem função social devem ser penalizados, até inclusive a desapropriação, com pagamentos de títulos da dívida pública.  Descobrimos, por exemplo, com o trabalho que está sendo feito pelo Fórum Mundaréu da Luz na região da Cracolândia , só em um raio de 1 km em torno das quadras 36, 37 e 38, aonde centenas de pessoas estão sendo removidas sem ter para onde ir, que só com os edifícios vazios já notificados pela prefeitura por não cumprir sua função social, seria possível produzir 1000 unidades habitacionais, mais do que suficiente para reassentar quem está lá, sem jogar ninguém na rua! Assim a pessoa pode ser removida, como está ocorrendo agora nos Campos Elíseos, com uma bolsa-aluguel de R$ 400, e uma outra alternativa de moradia, a não ser ocupar um edifício abandonado.

Ouça a entrevista na Rádio USP aqui.

 

Quantas são e onde estão as moradias adequadas no Brasil?

Uma das dificuldades de se medir exatamente quais são as necessidades habitacionais do país é a ausência de dados oficiais, universais e produzidos periodicamente sobre a condição urbana dos locais onde as moradias estão inseridas.  O IBGE divulgou recentemente uma novidade do censo de 2010 que são os dados sobre a presença, no entorno dos domicílios, dos chamados “melhoramentos urbanos”.

Pela primeira vez, o órgão buscou informações sobre as características das ruas onde estão os domicílios urbanos. Basicamente, o IBGE procurou saber se as ruas têm nome, se há iluminação pública, arborização, pavimentação, calçadas, guias, rampas de acesso a cadeirantes, bueiros ou bocas de lobo, e também se existe esgoto a céu aberto e lixo acumulado nas ruas.

Analisando os resultados e cruzando estas informações com a renda dos moradores, já era de se esperar que, quanto maior a renda, maior a presença dessas melhorias no entorno. Enquanto na faixa de renda per capita de até ¼ do salário mínimo, menos da metade das ruas têm calçadas e apenas 20% possuem bueiros e bocas de lobo, na faixa de renda superior a 2 salários mínimos per capita  esses mesmos itens estão presentes em 85% das ruas onde estes domicílios estão localizados.

As desigualdades regionais também aparecem claramente nos novos dados divulgados pelo IBGE. O Sudeste e o Centro-Oeste são as regiões com melhores condições no entorno dos domicílios e a região Norte é a que apresenta as condições mais precárias. Na Amazônia, por exemplo, 32% dos domicílios apresentam esgoto a céu aberto, enquanto que no Centro Oeste este índice é de 2,9% e, no Sudeste, de 4,2%.

Outra importante novidade é que o IBGE, também pela primeira vez, estabeleceu critérios de adequação dos domicílios baseados nas condições de saneamento ambiental — se os domicílios estão ou não ligados à rede de água, se possuem ou não soluções de esgoto e coleta de lixo.

Desde 1991, venho participando de pesquisas, com distintas instituições e financiadores, que procuram justamente dimensionar a condição dos domicílios para além das condições físicas da própria casa. Nestas pesquisas, procuramos saber quantos domicílios do país estão ligados simultaneamente à rede de água e de coleta de esgoto, e possuem coleta de lixo, eletricidade, têm banheiro dentro da casa e não mais do que duas pessoas por cômodo. A pergunta fundamental que nos colocamos, usando a base de dados do censo, é: que percentual de domicílios, por município, apresenta todas estas condições simultaneamente?

Nossas pesquisas demonstraram que, em 1991, apenas 23% do total de domicílios no Brasil apresentavam todas as condições de adequação que estabelecemos. Consistentemente, este índice vem aumentando 10 pontos percentuais por década: em 2000, foi de 33% e agora, em 2010, chegou a 43%. Isso significa que menos da metade dos domicílios do país têm uma condição adequada de infraestrutura. E não estamos falando de arborização, pavimentação, calçadas, bueiros, nem, muito menos, de proximidade de áreas verdes, escolas e equipamentos de saúde e culturais.

Além disso, assim como nos dados do IBGE sobre o entorno dos domicílios, estas pesquisas mostram também que a desigualdade regional com relação às condições dos domicílios ainda é muito grande. Nos mapas abaixo, vemos que, em 2000, as cidades que estavam na melhor situação — entre 60% e 87% de seus domicílios (representados pela cor mais escura) com infraestrutura adequada — estão fortemente concentradas na região Sudeste, com avanço em direção ao Centro Oeste.  O mesmo se verifica no mapa de 2010: a faixa mais escura (agora correspondendo a 60% a 90% dos domicílios com infraestrutura adequada), que corresponde a cidades onde os domicílios estão em melhores condições, continua concentrada no Sudeste. Os mapas também mostram claramente o sério problema de inadequação dos domicílios localizados em municípios das regiões Norte e do interior do Nordeste.

De forma geral, percebemos que, por um lado, há uma região chegando perto da universalidade, com base nos critérios de adequação adotados pela pesquisa, mas outras estão ainda muito longe de alcançar bons índices. Outra questão importante é que, a análise do mapa nesta escala pode enganar, pois mesmo na região Sudeste há precariedade, muito relacionada à renda. Além disso, olhar todos esses dados não esgota a discussão sobre as condições dos domicílios, que não podem se resumir apenas às condições de infraestrutura, devendo incluir também questões como o acesso a transporte e equipamentos públicos, que a base de dados do censo hoje não nos permite aferir. Ainda faltam elementos, portanto, para que possamos afirmar com certeza quantas e onde estão as moradias adequadas em nosso país.

Texto originalmente publicado em Yahoo!Blogs.

Eu sou você amanhã: a experiência chilena e o ‘Minha Casa, Minha Vida’

Acabo de retornar de uma visita ao Chile, onde fui conhecer a política habitacional do país e os processos de reconstrução pós-terremoto de fevereiro de 2010. O Chile foi um dos primeiros países do então terceiro mundo a adotar, durante a ditadura de Pinochet, no final dos anos 1970, as fórmulas neoliberais propostas pela Escola de Chicago em vários domínios das políticas, reduzindo, em tese, a intervenção do Estado, promovendo a participação do mercado e focalizando subsídios públicos aos grupos de extrema pobreza. Setores como a educação e serviços públicos foram privatizados, e políticas públicas, como as de habitação, foram reformadas.

Implementada sistematicamente durante mais de três décadas, inclusive durante os governos da Concertación (coalizão de centro-esquerda), o modelo de política habitacional adotado pelo Chile é quase igual à fórmula do programa “Minha Casa, Minha Vida”: subsídios públicos individuais permitem às famílias de menor renda comprar no mercado produtos ofertados por construtoras privadas. O modelo se completa com disponibilidade de crédito: quanto menor é a renda, maior é o subsídio e menor é a parcela de crédito que entra para viabilizar a compra.

Este modelo praticamente pôs fim à produção informal de habitação no Chile e criou, ao longo do período, mais de um milhão de soluções habitacionais, transformando-se em grande referência de política habitacional, louvada por organismos e consultores internacionais. Hoje, no entanto, além das manifestações estudantis maciças denunciando a privatização da educação, que produziu um ensino caro e de baixa qualidade, o Chile vive o dilema do que fazer com os seus “com teto”.

As centenas de milhares de casas e apartamentos da supostamente exitosa política habitacional chilena produziram um território marcado por uma segregação profunda, onde o “lugar dos pobres” é uma periferia homogênea, de péssima qualidade urbanística e, muitas vezes, também, de péssima qualidade de construção, marcada ainda por sérios problemas sociais, como tráfico de drogas, violência doméstica, entre outros. Para se ter uma ideia, vários conjuntos habitacionais já foram demolidos (!) e muitos outros se encontram em estudo para demolição.

Deixada para o mercado a decisão de onde e como deveria ser produzida, encarada como um produto que se compra individualmente, como um carro ou uma geladeira, a cidade que resultou é simplesmente desastrosa. Nada nos leva a supor, que, em menos de dez anos, não estaremos enfrentando no Brasil o mesmo cenário com o programa “Minha Casa, Minha Vida”.

Originalmente publicado no Yahoo!Blogs.

Se a solução para o déficit habitacional fosse apenas dinheiro, seria fácil

Segundo o Departamento de Indústria da Construção da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), o Brasil precisa de R$ 3 trilhões para construir 23 milhões de moradias até 2022 e, assim, suprir seu déficit habitacional. A informação é de matéria da Folha Online publicada hoje.

Se a solução para o déficit habitacional no Brasil fosse apenas dinheiro para construção de casas, até que seria fácil, já que o crédito disponível no mercado para aquisição/construção de moradia vem aumentando significativamente nos últimos anos.

A questão, no entanto, é bem mais complicada que isso. Infelizmente, o modelo atual de desenvolvimento urbano no Brasil não tem a mínima capacidade de gerar áreas urbanizadas com qualidade urbanística e acessíveis para a população que mais precisa.

Leia abaixo a matéria:

País precisa de R$ 3 trilhões para suprir deficit habitacional

CAROLINA MATOS

DE SÃO PAULO

O Brasil precisará de R$ 3 trilhões até 2022 para construir as 23 milhões de moradias necessárias para suprir seu deficit habitacional, de acordo com o Deconcic (Departamento da Indústria da Construção) da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).

A estimativa foi apresentada em São Paulo em entrevista a jornalistas para apresentação da 19ª Feicon Batimat (Feira Internacional da Construção) que acontece de 15 a 19 de março na capital paulista.

Além disso, o Deconcic prevê que, no mesmo período, sejam investidos R$ 2 trilhões em infraestrutura, em recursos tanto públicos quanto privados. O Brasil, de acordo com o departamento da FIESP, está abaixo da média mundial em qualidade geral de infraestrutura, com nota 3,8. A média global é 4,3, em uma escala que vai até 7.

“Não sabemos planejar, infelizmente. Vamos ter que aprender urgentemente para fazer uma Copa e uma Olimpíada brilhantes”, diz Maria Luiza Salomé, diretora do Deconcic.

Ninguém vai morar em área de risco porque quer ou porque é burro

Na última terça-feira participei do Jornal da TV Cultura, falando sobre o problema das chuvas que atingem várias regiões do nosso país nesta época do ano. Depois da apresentação de uma reportagem que mostrava deslizamentos de encostas e perdas de vidas em várias cidades, a primeira pergunta do apresentador Heródoto Barbeiro foi: “isso tem solução?”

Segue abaixo a minha resposta:

“Tem solução, sim. Evidentemente algumas medidas são paliativas. Há formas de intervenção para melhorar a estabilidade dos terrenos, drenar melhor a água, conter encostas, ou seja, melhorar a condição de segurança e a gestão do lugar para que, mesmo numa situação de risco, se possam evitar mortes.

Mas a questão de fundo é que  ninguém vai morar numa área de risco porque quer ou porque é burro. As pessoas vão morar numa área de risco porque não têm nenhuma opção para a renda que possuem. Estamos falando de trabalhadores cujo rendimento não possibilita a compra ou aluguel de uma moradia num local adequado. E isso se repete em todas as cidades e regiões metropolitanas.

Não adiantam nada as obras paliativas aqui e ali se não tocarmos nesse ponto fundamental que é: quais são os locais adequados, ou seja, fora das áreas de risco, que serão abertos ou disponibilizados para que a população de menor renda possa morar?”.

Quem quiser assistir a edição completa do telejornal, pode acessar o site da TV Cultura no seguinte link: http://www.tvcultura.com.br/jornal-da-cultura/programa/jc20110111

A questão das chuvas na visão de nossos leitores

Nos últimos meses escrevi alguns textos sobre as chuvas que afetam determinadas regiões do país nesta época do ano. Falei sobre as iniciativas dos municípios para evitar mais tragédias, a situação das vítimas das chuvas do ano passado em Niterói e os desafios de São Paulo para mudar essa situação. Nesse período, recebi também comentários interessantes de leitores de diferentes cidades do Brasil.

Alexandre Pessoa, engenheiro da Fiocruz, ressaltou a importância do saneamento básico para equacionar esta questão no Rio de Janeiro. Segundo ele, o “o estado propõe no chamado Pacto pelo Saneamento obras de esgotamento sanitário junto com drenagem o chamado sistema unitário, que amplia os riscos sanitários e ambientais. O mais grave é que o Pacto Pelo Saneamento demanda diversas obras, mas estas não são fundamentadas nem por um Plano Diretor de Manejo de Aguas Pluviais e nem pela atualização do Plano Diretor de Esgoto Sanitario, datado ainda de 1997.”

Segundo Alexandre, “o sistema adequado para o RJ seria o separador absoluto, ainda regulamentado em diversas legislações no país. Para isso, seria necessário priorizar o saneamento no estado e nao há atalhos”. Já Celem Mohallem, presidente do comitê da bacia hidrográfica do rio Sapucaí, em Minas Gerais, diz que concorda com Alexandre e conta que está em estudo em sua região “a implantação de um plano de drenagem nas áreas urbanas usando recursos do Fundo Estadual de Recursos Hídricos – Fhidro.”.

Celem destacou ainda o sistema de alerta de cheias que foi implementado na bacia do Sapucaí com recursos da Copasa e assessoria da Universidade Federal de Itajubá. “O sistema se baseia em 18 estações fúlvio-pluviométricas e um programa de manchas de inundação, que no caso de Itajubá, nos dá condições de previsão das possíveis áreas atingidas com até 8 horas de antecedência. No caso das cidades de Sta. Rita e Pouso Alegre o tempo é maior. Por 3 anos o sistema já foi testado e se mostrou plenamente eficiente.”, afirma.

Já Sergio Gollnick, de Santa Catarina, afirma que ainda hoje existem 1.200 famílias em abrigos improvisados na cidade e critica a burocracia do governo federal no repasse de verbas. Segundo ele, “dos quase 700 milhões que foram anunciados pelo Governo Federal, pouco chegou ao destino, interrompidos pela “burrocracia” dos técnicos da Caixa Econômica Federal ou de disputas político partidárias”.

Ana Carolina, de Belo Horizonte, compara a morosidade do poder público para resolver a questão das chuvas com a rapidez na aprovação de medidas que facilitarão as obras para a Copa do Mundo. “Os subsídios para hoteis e estádios de futebol – esses sim! – são rapidamente aprovados e liberados! Pensar naqueles que já estão desabrigados e nos desabrigados que infelizmente ainda estão por vir, parece realmente não fazer parte da agenda de nossos gestores nos 03 níveis de governo, independente da filiação partidária”, afirma.

Jorge Carvalho, de Niterói, diz que as pessoas que foram vítimas das chuvas do ano passado “por puro desespero e falta de alternativa, voltaram paras os mesmos lugares onde perderam familiares e amigos na ocasião da catástrofe” e que a “única obra de contenção de encostas está sendo feita para salvar o anexo do museu do MAC (o Maquinho), este construído em área de risco, na área que tem o solo mais instável do município segundo geólogos”.

Marcelo Soares resumiu muito bem essa história que já estamos vendo se repetir: “todo ano a chuva tem data marcada pra pegar os governos de surpresa.”

Acesso a condições básicas de moradia adequada ainda é um desafio no Brasil

Um dos desafios que está colocado para os nossos governantes nos próximos anos é o saneamento básico. Comparando as regiões metropolitanas do Brasil, as situações com relação a essa questão são bem diferentes. Antes de tudo, precisamos entender que o saneamento apresenta diferentes dimensões: a água tratada, o esgoto coletado e, finalmente, o tratamento do esgoto que é coletado.

Com relação à água tratada, pode-se dizer que estamos chegando perto da universalização em nossas regiões metropolitanas. Em quase todas elas temos percentuais de domicílio com acesso à água tratada acima de 90%. Mas quando falamos de esgoto, esse número diminui.

Claro que há situações melhores que outras, como, por exemplo, as regiões metropolitanas de são Paulo e de Belo Horizonte, que apresentam mais de 80% de domicílios com coleta de esgoto. Mas mesmo o Rio de Janeiro, que é também uma região metropolitana rica, tem esgoto coletado em menos de 70% dos seus domicílios. No Recife, são 30%.

Isso significa que ainda temos muitos domicílios que sequer estão ligados à rede de esgoto. E em situações como a de Belo Horizonte e São Paulo enfrenta-se também um outro tipo de problema, a falta de tratamento de boa parte do esgoto. Dados de 2004 mostram que apenas 63% do esgoto coletado em São Paulo é tratado. Isso significa que o que não é tratado vai parar nos rios e córregos.

Numa perpesctiva mais ampla, é muito interessante pensarmos também na pergunta: quantas casas no Brasil têm tudo? Sendo que “tudo”, aqui, significa água tratada na torneira, esgoto coletado, lixo coletado, luz elétrica, banheiro dentro de casa, ou seja, tudo aquilo que é básico. Não estamos falando nem de tratamento de esgoto e destinação final do lixo, apenas do básico. A resposta é: mais ou menos um terço de todos os domicílios do Brasil.

As diferenças de uma região para outra, neste caso, também são grandes. Em estados como o Distrito Federal, Minas Gerais e São Paulo, os domicílios em situação adequada chegam a 80%. Mas isso nas áreas urbanas. São Paulo, por exemplo, tem quase 85% dos seus domicílios nas áreas urbanas com uma situação adequada, mas nas áreas rurais – onde estão quase 300 mil domicílios – essa proporção cai para 40%.

A situação das moradias no Brasil, portanto, é mais precária no meio rural que no urbano, especialmente em estados com tradição mais escravocrata. O único estado onde a situação dos domicílios no meio rural é melhor que no urbano é Santa Catarina, onde a proporção de domicílios adequados é de 40% e 24%, respectivamente.

Mas é importante esclarecer que esses dados são baseados no senso de 2000 e que, nos últimos anos, entre 2001 e 2008, houve um aumento de investimentos em saneamento de quase 3 mil%. Esses indicadores, portanto, devem melhorar quando tivermos os resultados do próximo senso.

Ainda assim, é absolutamente chocante que em alguns estados, como o Maranhão, por exemplo, apenas 10% dos domicílios tenham situação adequada. Temos números muito parecidos no Pará e também no Mato Grosso, que é um estado bem mais rico.

Podemos concluir, portanto, que a situação dos domicílios no Brasil, do ponto de vista das condições adequadas, ainda deixa muito a desejar. E este continua sendo um dos desafios dos próximos governantes.

Guia e folheto mostram como é possível respeitar o direito à moradia em situações de risco iminente

O folheto e o guia abaixo – que produzimos na Relatoria da ONU para o Direito à Moradia Adequada – mostram que é, sim, possível respeitar o direito à moradia mesmo em situações de risco iminente.

Saiba mais visitando: http://www.direitoamoradia.org

FOLHETO

Para ver na tela do computador, clique aqui. Para baixar o arquivo, clique aqui.

GUIA

Para ver na tela do computador, clique aqui. Para baixar o arquivo, clique aqui.

Há também versões deste material em inglês, espanhol, francês e árabe.

Dia do Habitat lembra importância de plano urbano para enfrentar falta de moradia e mudanças climáticas

Comemora-se na próxima segunda-feira, 5, o Dia Mundial do Habitat. O tema deste ano, proposto pela ONU, é “Planejando o nosso futuro urbano”, com o intuito de destacar a necessidade de políticas públicas para minimizar os problemas enfrentados pelos moradores das cidades, praticamente os mais vulneráveis.

Para Raquel Rolnik, relatora especial da ONU para o direito à moradia adequada, “a rápida expansão de assentamentos informais e a vulnerabilidade particular da população de baixa renda à falta de direitos humanos e aos efeitos das mudanças climáticas são os grandes desafios”.

“Desastres provocados por condições climáticas extremas não são apenas o resultado de eventos naturais, mas refletem a falta de planejamento urbano e de políticas de desenvolvimento para garantir moradia adequada”, afirma a relatora.

Cerca de um bilhão de pessoas ao redor do mundo vivem em condições de moradia precária, em favelas ou assentamentos urbanos informais, muitos localizados em áreas sob risco de enchente ou deslizamentos de terra.

Aos cidadãos de baixa renda costumam ser destinadas as áreas mais perigosas dentro das cidades, e eles sofrem com a carência de infra-estrutura básica e serviços para protegê-los de desastres naturais. “Cidades com falta de infraestrutura de proteção são geralmente mais suscetíveis a desastres relacionados às mudanças climáticas”, afirma Raquel. “Várias têm registrado recordes no número de mortes e feridos devido a enchentes nos últimos anos.”

Para a relatora, a moradia para os pobres deveria ser colocada com urgência no centro do planejamento urbano para garantir a sustentabilidade das cidades. “E as comunidades afetadas precisam ser consultadas e autorizadas a participarem do processo de tomada de decisão, como estabelecido nos tratados de direitos humanos”, lembra.

Também precisa ser garantido o acesso a terras bem localizadas e a preços acessíveis, para evitar futuras expansões desordenadas e o estabelecimento da população pobre em áreas distantes das oportunidades de renda ou desenvolvimento humano.

Ao celebrar o Dia Mundial do Habitat, a relatora convida todos os Estados a refletirem sobre como melhorar o planejamento urbano de uma maneira a garantir que o direito à moradia adequada da população mais vulnerável esteja protegido dos efeitos das mudanças climáticas.

*Press-release da Relatoria Especial da ONU para o Direito à Moradia Adequada

Impacto das mudanças climáticas será mais severo para pessoas de baixa renda

Press-release da Relatoria Especial da ONU para o Direito à Moradia Adequada

A relatora especial da ONU para o direito à moradia adequada, Raquel Rolnik, apresentou nesta segunda-feira, 15, relatório sobre o impacto das mudanças climáticas no acesso à moradia, perante o Conselho de Direitos Humanos, em Genebra.

O documento afirma que o impacto das mudanças climáticas será especialmente severo para as pessoas de baixa renda e moradores de países sem recursos e tecnologia para proteger suas populações. “Temos um bilhão de favelados no mundo e há uma confluência perversa entre essa situação e os lugares mais expostos a desastres ambientais, como deslizamentos de terra e inundações”, disse Raquel.

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Estamos perdendo a chance de mudar o paradigma da política habitacional

Mercado ÉticoHenrique Andrade Camargo, do Mercado Ético

Ela é uma das maiores autoridades mundiais em moradia. Tanto que se tornou relatora especial para o Direito à Moradia da Organização das Nações Unidas (ONU). Sem meias palavras, Raquel Rolnik, arquiteta e urbanista da Universidade de São Paulo (USP), condena a política habitacional do governo Lula. Para ela, o Ministério das Cidades, onde trabalhou de 2003 a 2007, age de forma esquizofrênica e só pensa em resultados rápidos e quantitativos. A qualidade, como no plano Minha Casa Minha Vida, foi totalmente descartada. “Corre-se o risco de se criar guetos de pobres, com violência e sem acesso ao trabalho e à educação”. A alternativa que ela defende é a criação de um modelo de gestão democrática para além dos requisitos formais. O objetivo é incorporar a totalidade dos habitantes e moradores em uma condição de cidadania.

Leia a seguir a entrevista que Raquel Rolnik concedeu ao Mercado Ético em seu laboratório na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.

Mercado Ético – A senhora deixou o governo por causa de uma política habitacional que chamou de esquizofrênica. Isso melhorou ou piorou desde sua saída?

Raquel Rolnik – Piorou muito. O Ministério das Cidades não caminhou para uma participação democrática, política e popular. O que cresceu foi o pragmatismo de resultados rápidos. Por um lado isso é bom, porque é muito importante ver resultados concretos nessa área. Mas isso não pode vir em detrimento à constituição de um novo modelo de desenvolvimento urbano. Acabamos por ter mais do mesmo.

A grande questão é o enfrentamento e a ruptura do paradigma e do modelo de desenvolvimento, que são excludentes e reproduzem a concentração de renda e poder. Também corresponde a uma concentração de processos decisórios. Toda trajetória de desenvolvimento urbano visa construir a possibilidade da gestão democrática. E uma democracia para além dos requisitos formais, cujo objetivo é incorporar a totalidade dos habitantes e moradores em uma condição de cidadania.

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Crianças vítimas de despejo, como ator de ‘Quem Quer ser um Milionário?’, são milhares a cada ano

Press-release da Relatoria Especial da ONU para a Moradia Adequada.

A mídia internacional divulgou nesta quinta, 15, que Azharuddin Ismail, ator de 9 anos que estrelou o premiado “Quem Quer ser um Milionário?” ficou sem casa após ter o barraco onde morava destruído por autoridades.

Segundo Ismail, ele estava dormindo quando um policial o acordou e o mandou sair do barraco. Imagens do despejo forçado, que aparentemente afetou outras 16 casas, mostram a destruição causada pelos tratores que demoliram as moradias. A mãe de Ismail disse que não havia recebido nenhum aviso prévio sobre o despejo.

A Relatora Especial da ONU para a Moradia Adequada gostaria de aproveitar essa oportunidade para lembrar aos governos, agências, instituições financeiras internacionais, corporações, locadores e proprietários das graves consequências de despejos forçados. E conclama os Estados a cumprirem com suas obrigações internacionais e usarem todos os meios necessários para proteger, promover e realizar o direito à moradia adequada.

Infelizmente, Ismail é apenas uma das milhares de crianças afetadas por despejos forçados no mundo todo ano. O choque e a indignação despertados por notícias de sua situação devem nos lembrar dos graves impactos que despejos forçados têm na vida dessas crianças e de suas famílias. Despejos forçados são rotineiramente realizados de forma ilegal e em desrespeito a tratados internacionais de defesa dos direitos humanos. A prática é disseminada e afeta pessoas tanto em países desenvolvidos quanto em desenvolvimento.

Raquel Rolnik
Relatora Especial da ONU para a Moradia Adequada

Relatora da ONU fala sobre política habitacional do Brasil

Press-release da Relatoria Especial da ONU para a Moradia Adequada.

A relatora especial da ONU para o direito à moradia adequada, Raquel Rolnik, se pronunciou nesta quarta (29/04) sobre a situação do direito à moradia no Brasil, em audiência pública convocada pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados. Rolnik abordou a política habitacional do governo federal e o muro planejado para circundar favelas do Rio de Janeiro, entre outros assuntos.

O relator é um profissional independente escolhido pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU para avaliar a situação do direito à moradia nos países membros. Em junho do ano passado foi nomeada para o posto uma brasileira, a professora da FAU-USP Raquel Rolnik, para um mandato de três anos. O relator anterior, no período de 2000 a 2008, foi o indiano Miloon Kothari.

Leia abaixo declarações de Rolnik sobre os temas debatidos na audiência pública.

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Só crédito não resolve a habitação

IstoÉ 09Por João Loes, da IstoÉ

A arquiteta e urbanista Raquel Rolnik, 52 anos, professora da Universidade de São Paulo (USP), é referência mundial quando o assunto é habitação. Diretora de Planejamento da Cidade de São Paulo (1989 a 1992) na gestão de Luiza Erundina e secretária nacional de Programas Urbanos do Ministério das Cidades (2003 a 2007), ela foi convidada pela Organização das Nações Unidas (ONU), em maio do ano passado, para ser relatora especial para o Direito à Moradia da instituição. No Brasil, não poupa críticas ao avaliar as escolhas do governo referentes ao déficit habitacional. “Os investimentos se concentraram na ampliação do crédito.

E 91% da população que compõe o déficit habitacional no Brasil ganha entre zero e três salários mínimos. Essas pessoas não têm renda suficiente para ter crédito”, diz ela. Às vésperas do anúncio do pacote habitacional do governo Lula, que promete movimentar R$ 70 bilhões e construir um milhão de casas até 2010, a urbanista permanece cética. “No Brasil, um plano de ampliação do crédito imobiliário teria um agravante. Como não há política efetiva para o uso consciente do solo urbano, é bem possível que o crédito financie a construção de imensas e novas periferias”, diz a urbanista, que é casada e mãe de duas filhas.

ISTOÉ O pacote habitacional do governo Lula deve estabelecer como meta a construção de um milhão de casas até o final de 2010. Ele contempla as principais questões habitacionais brasileiras?

Raquel Rolnik – Estou preocupada com o pacote. E o que me preocupa é a tendência, já demonstrada pelo governo, de focar toda a política habitacional na ampliação da concessão de crédito. Esse modelo vem mostrando fraqueza desde o estouro, nos Estados Unidos, da bolha de crédito subprime (empréstimos de alto risco que culminaram na atual crise econômica).

Fica a lição: tratar a moradia como mercadoria, como ativo financeiro não dá certo. No Brasil, um plano de ampliação pura e simples do crédito imobiliário teria um agravante. Como não há política efetiva para o uso consciente do solo urbano, é bem possível que se financie a construção de imensas e novas periferias em torno das grandes cidades.

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