A Cidade é Nossa com Raquel Rolnik #7: Para lavar as mãos, primeiro é preciso de água

Lavar as mãos é primordial na prevenção do contágio por coronavírus. Só que, no Brasil, muitos não têm sequer água em casa. Além disso, o custo extra do maior consumo hídrico não pode ser assumido por famílias que enfrentarão dificuldades financeiras crescentes. Por isso o direito à água, essencial para a vida, precisa ser garantido neste momento de crise.

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Farra da Copa: agora querem meter a mão no FGTS

Há duas semanas foi aprovado no senado o Projeto de Lei de Conversão (PLV) 29/11, cuja origem é a Medida Provisória nº 540/11. O PL, que dispõe sobre questões tributárias, terminou incluindo a autorização para o uso de recursos do FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço) em obras da Copa do Mundo de 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016. Mais uma vez estamos diante da possibilidade de uma farra justificada em nome desses megaeventos.

O PL está agora na mesa da presidenta Dilma Roussef para sanção. Jorge Hereda, presidente da Caixa Econômica (que gerencia o FGTS), é contrário à medida. Com razão. Os recursos do fundo são hoje utilizados para financiar programas habitacionais, como o Minha Casa, Minha Vida, além de obras de saneamento. Não faz o menor sentido usar estes recursos em operações urbanas consorciadas de obras de mobilidade e transporte,  infraestrutura aeroportuária, empreendimentos hoteleiros e comerciais, como define o PL.

Para quem nunca ouviu falar, as operações urbanas consorciadas de obras de mobilidade e transporte podem ser, por exemplo, a utilização de áreas lindeiras à linha de transporte urbano para grandes empreendimentos imobiliários realizados pela iniciativa privada, muitas vezes desrespeitando, inclusive, o próprio planejamento local.

Vale lembrar que os projetos de mobilidade já contam com recursos do governo federal através do PAC da Mobilidade. Os estádios já estão sendo construídos ou reformados pela iniciativa privada com recursos do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Essa aprovação do uso dos recursos de FGTS, na surdina, só pode ser para financiar obras não incluídas na Matriz de Responsabilidades da Copa, que é o único documento oficial que prevê obras ligadas à Copa nas cidades. O resto são rumores.

Já se calcula que, num curto a médio prazo, se os programas habitacionais e de saneamento continuarem no ritmo que estão hoje, os recursos do FGTS não serão suficientes para mantê-los, ou seja, será necessário buscar outras formas de financiamento. Mas o grande problema dessa medida, além de ter sido aprovada de maneira oportunista numa Lei que nada tem a ver com a Copa e as Olimpíadas, é permitir o uso de um crédito que é dos trabalhadores brasileiros, com juros muito baixos, para financiar a farra da Copa.

A questão das chuvas na visão de nossos leitores

Nos últimos meses escrevi alguns textos sobre as chuvas que afetam determinadas regiões do país nesta época do ano. Falei sobre as iniciativas dos municípios para evitar mais tragédias, a situação das vítimas das chuvas do ano passado em Niterói e os desafios de São Paulo para mudar essa situação. Nesse período, recebi também comentários interessantes de leitores de diferentes cidades do Brasil.

Alexandre Pessoa, engenheiro da Fiocruz, ressaltou a importância do saneamento básico para equacionar esta questão no Rio de Janeiro. Segundo ele, o “o estado propõe no chamado Pacto pelo Saneamento obras de esgotamento sanitário junto com drenagem o chamado sistema unitário, que amplia os riscos sanitários e ambientais. O mais grave é que o Pacto Pelo Saneamento demanda diversas obras, mas estas não são fundamentadas nem por um Plano Diretor de Manejo de Aguas Pluviais e nem pela atualização do Plano Diretor de Esgoto Sanitario, datado ainda de 1997.”

Segundo Alexandre, “o sistema adequado para o RJ seria o separador absoluto, ainda regulamentado em diversas legislações no país. Para isso, seria necessário priorizar o saneamento no estado e nao há atalhos”. Já Celem Mohallem, presidente do comitê da bacia hidrográfica do rio Sapucaí, em Minas Gerais, diz que concorda com Alexandre e conta que está em estudo em sua região “a implantação de um plano de drenagem nas áreas urbanas usando recursos do Fundo Estadual de Recursos Hídricos – Fhidro.”.

Celem destacou ainda o sistema de alerta de cheias que foi implementado na bacia do Sapucaí com recursos da Copasa e assessoria da Universidade Federal de Itajubá. “O sistema se baseia em 18 estações fúlvio-pluviométricas e um programa de manchas de inundação, que no caso de Itajubá, nos dá condições de previsão das possíveis áreas atingidas com até 8 horas de antecedência. No caso das cidades de Sta. Rita e Pouso Alegre o tempo é maior. Por 3 anos o sistema já foi testado e se mostrou plenamente eficiente.”, afirma.

Já Sergio Gollnick, de Santa Catarina, afirma que ainda hoje existem 1.200 famílias em abrigos improvisados na cidade e critica a burocracia do governo federal no repasse de verbas. Segundo ele, “dos quase 700 milhões que foram anunciados pelo Governo Federal, pouco chegou ao destino, interrompidos pela “burrocracia” dos técnicos da Caixa Econômica Federal ou de disputas político partidárias”.

Ana Carolina, de Belo Horizonte, compara a morosidade do poder público para resolver a questão das chuvas com a rapidez na aprovação de medidas que facilitarão as obras para a Copa do Mundo. “Os subsídios para hoteis e estádios de futebol – esses sim! – são rapidamente aprovados e liberados! Pensar naqueles que já estão desabrigados e nos desabrigados que infelizmente ainda estão por vir, parece realmente não fazer parte da agenda de nossos gestores nos 03 níveis de governo, independente da filiação partidária”, afirma.

Jorge Carvalho, de Niterói, diz que as pessoas que foram vítimas das chuvas do ano passado “por puro desespero e falta de alternativa, voltaram paras os mesmos lugares onde perderam familiares e amigos na ocasião da catástrofe” e que a “única obra de contenção de encostas está sendo feita para salvar o anexo do museu do MAC (o Maquinho), este construído em área de risco, na área que tem o solo mais instável do município segundo geólogos”.

Marcelo Soares resumiu muito bem essa história que já estamos vendo se repetir: “todo ano a chuva tem data marcada pra pegar os governos de surpresa.”

Acesso a condições básicas de moradia adequada ainda é um desafio no Brasil

Um dos desafios que está colocado para os nossos governantes nos próximos anos é o saneamento básico. Comparando as regiões metropolitanas do Brasil, as situações com relação a essa questão são bem diferentes. Antes de tudo, precisamos entender que o saneamento apresenta diferentes dimensões: a água tratada, o esgoto coletado e, finalmente, o tratamento do esgoto que é coletado.

Com relação à água tratada, pode-se dizer que estamos chegando perto da universalização em nossas regiões metropolitanas. Em quase todas elas temos percentuais de domicílio com acesso à água tratada acima de 90%. Mas quando falamos de esgoto, esse número diminui.

Claro que há situações melhores que outras, como, por exemplo, as regiões metropolitanas de são Paulo e de Belo Horizonte, que apresentam mais de 80% de domicílios com coleta de esgoto. Mas mesmo o Rio de Janeiro, que é também uma região metropolitana rica, tem esgoto coletado em menos de 70% dos seus domicílios. No Recife, são 30%.

Isso significa que ainda temos muitos domicílios que sequer estão ligados à rede de esgoto. E em situações como a de Belo Horizonte e São Paulo enfrenta-se também um outro tipo de problema, a falta de tratamento de boa parte do esgoto. Dados de 2004 mostram que apenas 63% do esgoto coletado em São Paulo é tratado. Isso significa que o que não é tratado vai parar nos rios e córregos.

Numa perpesctiva mais ampla, é muito interessante pensarmos também na pergunta: quantas casas no Brasil têm tudo? Sendo que “tudo”, aqui, significa água tratada na torneira, esgoto coletado, lixo coletado, luz elétrica, banheiro dentro de casa, ou seja, tudo aquilo que é básico. Não estamos falando nem de tratamento de esgoto e destinação final do lixo, apenas do básico. A resposta é: mais ou menos um terço de todos os domicílios do Brasil.

As diferenças de uma região para outra, neste caso, também são grandes. Em estados como o Distrito Federal, Minas Gerais e São Paulo, os domicílios em situação adequada chegam a 80%. Mas isso nas áreas urbanas. São Paulo, por exemplo, tem quase 85% dos seus domicílios nas áreas urbanas com uma situação adequada, mas nas áreas rurais – onde estão quase 300 mil domicílios – essa proporção cai para 40%.

A situação das moradias no Brasil, portanto, é mais precária no meio rural que no urbano, especialmente em estados com tradição mais escravocrata. O único estado onde a situação dos domicílios no meio rural é melhor que no urbano é Santa Catarina, onde a proporção de domicílios adequados é de 40% e 24%, respectivamente.

Mas é importante esclarecer que esses dados são baseados no senso de 2000 e que, nos últimos anos, entre 2001 e 2008, houve um aumento de investimentos em saneamento de quase 3 mil%. Esses indicadores, portanto, devem melhorar quando tivermos os resultados do próximo senso.

Ainda assim, é absolutamente chocante que em alguns estados, como o Maranhão, por exemplo, apenas 10% dos domicílios tenham situação adequada. Temos números muito parecidos no Pará e também no Mato Grosso, que é um estado bem mais rico.

Podemos concluir, portanto, que a situação dos domicílios no Brasil, do ponto de vista das condições adequadas, ainda deixa muito a desejar. E este continua sendo um dos desafios dos próximos governantes.

O Brasil terá ganhos sociais com a Copa e as Olimpíadas?

No último dia 5, a Folha Online publicou uma interessante matéria na qual compara os investimentos que estão sendo feitos para a Copa do Mundo de 2014 com os recursos investidos em habitação e saneamento básico por nove dos doze estados que sediarão os jogos.

Segundo a reportagem, o orçamento previsto pelos governos do Amazonas, Bahia, Mato Grosso, Minas Gerais, Pernambuco, Rio de Janeiro e Distrito Federal apenas para as suas arenas – que são públicas (as de São Paulo, Curitiba e Porto Alegre são privadas) – é de R$ 4,8 bilhões, cerca de oito vezes os investimentos feitos em habitação – R$ 589 milhões – por estes estados juntos em todo o ano de 2009.

O orçamento previsto por estes estados para a Copa equivale ainda a cerca de quatro vezes o que foi investido no ano passado em saneamento básico – R$ 1,26 bilhão – e gestão ambiental – R$ 1,17 bilhão – e corresponde a 13 anos de investimentos em esporte e lazer.

Vale lembrar que estados como Pernambuco e Rio de Janeiro tiveram milhares de famílias desalojadas este ano por conta das chuvas. O empréstimo que o governo pernambucano contrairá com o BNDES para a construção da Arena Capibaribe (R$ 464 milhões) seria mais do que suficiente para a renovação ou reconstrução das casas das famílias atingidas no estado.

Commonwealth Games 2010 – Nova Dehli – Um estudo realizado pelo Housing and Land Rights Network sobre os Commonwealth Games de 2010 – que serão realizados na cidade de Nova Delhi, na Índia, em outubro – questiona os argumentos que defendem os megaeventos esportivos como grandes dinamizadores econômicos, especialmente em países em desenvolvimento.

Segundo o estudo, estes países estariam mais sujeitos a impactos negativos sobre suas finanças, gerando grandes endividamentos. A capital indiana adotou a prática constante de cortar gastos sociais para cumprir os prazos e compromissos dos jogos e já comprometeu seus próximos dois orçamentos anuais.

É regra que o orçamento previsto antes dos eventos ultrapasse as estimativas de gastos. Os Jogos Olímpicos de 1972 e 1976 já eram exemplo disso com o déficit gerado de cerca de US$ 1 bilhão para Munique e para Montreal.

A própria experiência brasileira do Pan do Rio, em 2007, também comprova que os investimentos reais sempre superam os valores estimados e demandam aportes extras, onerando os cofres públicos: a prefeitura declarou um gasto de mais de R$ 1,2 bilhão, contra os R$ 186 milhões previstos inicialmente.

Lições para o Brasil – Como já mencionei outras vezes, o Brasil tem condições de aprender com as experiências do passado e aproveitar os Jogos Olímpicos de 2016 e a Copa do Mundo de 2014 para realizar investimentos que significarão ganhos sociais para a população depois dos eventos.

Mas não é bem o que temos visto neste início de preparação para os jogos. Exemplos disso são os atrasos em obras de mobilidade urbana e a aprovação, pelo senado, de resolução que autoriza o endividamento de estados e municípios, fora dos limites previstos em lei, com obras da Copa e das Olimpíadas, sem que uma pauta mínima de investimentos sociais tenha sido incluída no portfólio dos investimentos das cidades.

Limpar a Baía de Guanabara, sanear lagoas para jogos e instalar redes de esgoto são desafios do Rio 2016

Um dos principais desafios para a preparação da Olimpíada no Rio é o saneamento ambiental. Uma das razões é viabilizar os próprios jogos, já que uma parte das competições ocorrerá em lagoas, como a Rodrigo de Freitas e a de Jacarepaguá.

As competições precisam ocorrer em lagoas limpas e, à exceção da Rodrigo de Freitas, que já passou por várias intervenções e tem condições de ficar completamente despoluída em breve, nas demais será preciso intervir.

Mas não é só isso. Uma das principais sedes dos jogos, que é a região oeste, na Barra da Tijuca, não tem sistema de esgoto. A ocupação da região começou sem sistema de esgoto e os próprios condomínios faziam suas estações de tratamento, cada um a sua. Mas a urbanização da região foi adensando e surgiu uma briga nos anos 80, entre a população que estava lá e a Companhia de Saneamento do Estado do Rio de Janeiro (Cedae), para que um sistema público de esgoto fosse implementado.

Finalmente, nos anos 80, fez-se um projeto para construir um sistema de esgoto, que só começou a ser implantado em 2001 e atende hoje menos que 50% dos domicílios da Barra. Essa área precisa ser completamente saneada, o que beneficiará a população da região.

Também temos no Rio, no campo do saneamento ambiental, outro tema recorrente. Você com certeza já ouviu falar do projeto de despoluição da Baía de Guanabara… É um projeto que foi lançado em 95. Hoje, depois de vários investimentos, temos por volta de 30% de melhora, de acordo com os dados oficiais.

O que está previsto neste projeto? Para sanear a Baía de Guanabara, várias sub-bacias têm que ser trabalhadas, inclusive a própria Baixada Fluminense, que também não tem nada de sistema de tratamento de esgoto até hoje, e a Baixada de Jacarepaguá.

São vários subsistemas que precisam não só de um sistema de coleta, mas de estações elevatórias para que o esgoto possa ser lançado no emissário da Barra da Tijuca, construído mais recentemente, e nos outros emissários que atendem bairros já saneados.

De acordo com as previsões, com um investimento em torno de 2 bilhões de reais o Rio chegaria em 2016 com mais ou menos 50% a 60% de melhora em relação ao que temos hoje.

É um desafio complexo, de gestão difícil, pois envolve vários municípios da região metropolitana. O esgoto não é apenas uma questão municipal, é um problema regional, há uma companhia estadual no meio disso tudo e ainda uma grande dependência de recursos da União.

Desses 2 bilhões, pelo que entendi, 650 milhões já estão garantidos. Mas e o resto? Ainda temos um belo caminho pela frente para imaginarmos um Rio de Janeiro totalmente saneado antes dos jogos olímpicos.