A Cidade é Nossa com Raquel Rolnik #40: É preciso suspender despejos e remoções

Hoje (08/06), o Senado iria votar o Projeto de Lei 827/20, que estabelece a suspensão das remoções e desocupações durante a pandemia. Por pressão da bancada ruralista, a votação foi adiada para a próxima semana, com uma audiência pública sobre o tema na sexta (11/06). Em meio à alta dos aluguéis e a queda da renda por conta da crise sanitária e econômica, muitas famílias têm perdido a sua moradia, desemparadas pela falta de políticas públicas — tendo como alternativa morar na rua ou em ocupações. Aprovar o PL 827 é uma medida humanitária, emergencial e de extrema importância. É sobre isso que fala o episódio 40 do “A Cidade é Nossa”, produzido por Raquel Rolnik e Amanda Mazzei, da equipe do LabCidade. Para ouvi-lo na sua plataforma de podcast favorita acesse: spotifyapple podcastsgoogle podcasts e overcast.

A Cidade é Nossa com Raquel Rolnik #20: Por que a campanha #despejozero durante a pandemia?

Amanhã (23/7), às 15 horas, o ato politico-cultural de lançamento será transmitido pelo link: https://www.youtube.com/watch?v=D4-in1ebFvA

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A Cidade é nossa com Raquel Rolnik #13: o desafio da leitura responsável dos mapas do avanço da pandemia

Avanço territorial do coronavírus exige leituras cuidadosas dos impactos em cenários e condições urbanas distintas, a partir de informações precisas e não suposições e estigmas.

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A Cidade é Nossa com Raquel Rolnik #5: Com pandemia, cidades proíbem despejos

Como é possível uma família, uma pessoa, permanecer em casa se ela é despejada ou removida?

Em várias cidades da Europa e dos Estados Unidos, movimentos importantes surgiram para que fossem suspensas provisoriamente as ordens de reintegração de posse, de execução hipotecária e de despejo, em função do coronavírus.

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Sessenta candidatos contra violação de direitos nas remoções forçadas

Mais de 60 candidatos e candidatas à Presidência da República, Senado, Câmara dos Deputados e Assembleias Legislativas de 10 estados do Brasil já assinaram a carta-compromisso para proteger  indivíduos e famílias contra as remoções forçadas. O documento foi elaborado  pela Rede contra Remoções, um coletivo de movimentos e instituições que defendem o direito à moradia.

Desde que foi lançada, há duas semanas, a carta-compromisso já conta com a adesão de candidatos e candidatas de oito partidos (26 do PSOL,  24 do PT, 4 do PCdoB, 2 da REDE, 1 do  PSB, 1 do  PSDB, 1 do PDT, 1 do PPL), e embora mais da metade (36) sejam de São Paulo, onde a iniciativa teve início, hoje já engajam candidatos e candidatas das seguintes unidades federativas: Bahia, Pernambuco, Minas Gerais, Santa Catarina, Distrito Federal, Espírito Santo, Paraná, Piaui, Rio de Janeiro e Goiás.

Mônica Bento/ Folhapress

O tema das remoções forçadas tem pouca visibilidade, a não ser quando em função da violência ou de situações trágicas, como foram os casos do Pinheirinho, em São José dos Campos, ou da Cracolândia, em São Paulo. Este ano, com o desabamento do edifício Wilton Paes de Almeida, no Largo do Paissandu, região central da capital, se tornaram conhecidas as histórias de algumas das famílias que estavam no prédio porque haviam sido removidas à força de favelas ou ocupações, revelando trajetórias habitacionais que são basicamente perambular entre ocupações e alugueis precários.

 De acordo com levantamento realizado pelo Observatório de Remoções, só em São Paulo e região do ABC, entre 2010 e 2016 quase 300 mil famiíias foram removidas ou ameaçadas de remoção. Além disso desde 2017, na capital paulista, outras 14 mil famílias foram forçadas a sair de suas casas, sem que uma alternativa de moradia tenha sido oferecida.

Parte das remoções são decorrentes de obras públicas, que quase nunca incluem, no próprio projeto da obra, uma solução habitacional definitiva para as famílias e indivíduos atingidos. Resultado: estas  acabam recebendo um atendimento provisório, quando recebem, geralmente insuficiente para cobrir os custos de moradia em condições adequadas. Em situações de reintegração de posse, promovidas por particulares ou pelo poder público, nem os juízes consideram  a situação e destino dos atingidos ao proferir sua sentença, nem o governo oferece qualquer tipo de proteção, apesar do direito à moradia ser um direito constitucional e sua proteção uma obrigação das várias instituições do Estado.

Dentre os compromissos constantes da carta-compromisso, estão os de evitar ao máximo as remoções, o que absolutamente não acontece hoje. Pelo contrário: muitas obras públicas são projetadas para literamente passar em cima de áreas ocupadas por assentamentos populares, já que isto barateia – quando não elimina! – os custos de desapropriação. Muitas vezes algumas remoções são inevitáveis. Neste caso é fundamental que se apresente proposta de atendimento definitivo de moradia para essas famílias e que estas propostas sejam discutidas e acordadas com os atingidos.

É fundamental que os atingidos participem ativamente da definição de um atendimento que atenda as suas necessidades específicas. E este é um outro problema hoje, porque não temos nas prefeituras, governos estaduais e federal, um leque de possibilidades de atendimento habitacional definitivo.

O que se oferece – e quando se oferece – é a compra da casa própria via hipotecário, solução  inadequada para as familias extremamente pobres e vulneráveis, que são justamente as maiores vítimas das remoções. Estas, além de não se adequadrem no perfil do financiamento, raramente encontram soluções para compra próxima a seus lugares originais de moradia, que também são os lugares aonde encontram suas condiçoes de sobrevivência.

Outros compromissos que constam do documento são evitar o uso da violência, criar espaços de mediação, garantindo acesso à justiça e condições de igualdade nos processos judiciais.

Quem assinou a carta-compromisso

(até 28 de agosto de 2018)

PRESIDÊNCIA        

Guilherme Boulos – PSOL

SENADO

São Paulo
Daniel Cara – PSOL
Eduardo Suplicy – PT
Jilmar Tatto – PT
Silva Ferraro – PSOL

Pernambuco
Eugênia Lima – PSOL

GOVERNO ESTADUAL     

Bahia
Marcos Mendes – PSOL

São Paulo
LiseteArelaro – PSOL

DEPUTADA(O) FEDERAL 

Bahia
Hamilton Assis – PSOL
Kenno Ferreira – PSOL
Neto (Paulo Moraes Neto) – PSOL
Paulo Ribeiro – PSOL
Silvio Humberto – PSB

Espírito Santo
Ines Simon – PT

Minas Gerais
Padre João – PT

Pernambuco
Ivan Moraes Filho – PSOL

Piauí
Neide de Jesus Carvalho – PT

Rio de Janeiro
Marcelo Freixo – PSOL

Santa Catarina
Lino Peres – PT

São Paulo
Alencar Santana Braga – PT
Douglas Belchior – PSOL
Duda Alcantara – REDE
Ivan Valente – PSOL
José De Filippi Júnior – PT
Juliana Cardoso – PT
Luiza Erundina – PSOL
Mandado Cidadanista (Célio Turino) – PSOL
Maria Ap Marques de Simoni – PT
Marinalva Brito – PT
Nilto Ignácio Tatto – PT
Paulo Teixeira – PT
Rui Falcão – PT
Samia Bonfim -PSOL
Silvio Cabral (Mandato Coletivo) – PSOL

DEPUTADA(O) ESTADUAL

Bahia
Aladilce Souza – PC do B
Hilton Coelho – PSOL
Jhonatas Monteiro – PSOL
Marcelino Galo – PT
Maria del Carmen – PT
Professor Euvaldo – PSOL

Distrito Federal
Alinne de Souza Marques – PPL

Goiás
Dra. Cristina – PSDB

Minas Gerais
Leleco Pimentel – PT

Paraná
Goura – PDT

São Paulo
Adriano Diogo – PT
Anita de Gusmão Damião – PSOL
Carina Vitral Costa – PCdoB
Erica Maluguinho- PSOL
Juninho – PSOL
Leci Brandão – PCdoB
Lucas Landin – PSOL
Luiz Turco – PT
Marcia Lia – PT
Maria da Penha Souza – PT
Marina Helou- REDE
Rebuliço Barba – PT
Renato Simoes – PT
Simão Pedro – PT
Toninho Vespoli – PSOL
Vanderlei Siraque – PCdoB

Íntegra da carta-compromisso

Às candidatas e aos candidatos à presidência da república, ao senado, à câmara dos deputados, aos governos estaduais e às assembleias legislativas nas eleições de 2018.

CONSIDERANDO QUE:

  1. O desabamento do edifício Wilton Paes de Almeida, no Largo do Paissandu, em São Paulo, no dia 1º de maio de 2018, escancarou a situação de emergência habitacional;
  2. Verifica-se uma ofensiva no sentido da criminalização dos movimentos de moradia;
  3. Outras tragédias envolvendo incêndios, remoções com uso de violência e outras violações de direitos já haviam ocorrido antes do desabamento, caracterizando as remoções e os despejos como um problema histórico e sistemático em todo o país;
  4. As famílias que se encontravam no edifício que desabou haviam sido submetidas anteriormente a processos de remoções e despejos;
  5. Entre 2010 e 2016, ao menos 288 mil famílias foram removidas ou ameaçadas de remoção apenas em São Paulo e no ABC Paulista, sendo que 81% dessas remoções ocorreram motivadas por obras públicas;
  6. Somente entre janeiro de 2017 e abril de 2018, ao menos 14 mil famílias foram removidas de suas casas na Região Metropolitana de São Paulo e outras 30 mil estão ameaçadas de remoção sem perspectiva de atendimento habitacional definitivo. Sendo, nesse período, 75% das remoções causadas por processos de reintegração de posse;
  7. Tornam-se cada vez mais recorrentes os casos de famílias que já passaram por mais de uma remoção, evidenciando a situação de insegurança permanente vivida pelas famílias mais vulneráveis.

ASSUMO, perante a população brasileira, caso seja eleita(o), o compromisso de trabalhar em defesa do direito constitucional à moradia digna cumprindo as normas internacionais que regem a matéria e especialmente defender as seguintes propostas referentes aos casos de ameaças de remoção:

  1. Não promover projetos públicos, ou em parceria com a iniciativa privada, que promovam remoções;
  2. Apresentar proposta de atendimento habitacional definitivo junto com o projeto de intervenção que apresentar necessidade de remoção, garantindo a participação das comunidades atingidas e o amplo acesso à informação, respeitando os modos de vida e as especificidades de cada contexto;
  3. Assegurar o atendimento habitacional definitivo para todas as famílias, no caso de inevitabilidade de remoção; e quando a justificativa da remoção for a segurança das famílias, que o atendimento habitacional seja feito de acordo com as necessidades e capacidade de pagamento dos atingidos;
  4. Garantir que o atendimento habitacional provisório só aconteça no caso de remoções de populações em risco emergencial. Em quaisquer outros casos o atendimento deve ser sempre definitivo. Caso não haja o atendimento definitivo no momento da remoção, garantir moradia digna até o atendimento definitivo;
  5. Atender as necessidades habitacionais independente da origem das pessoas nessas situações;
  6. Priorizar as famílias que já moram em áreas sujeitas a intervenções, reformas ou projetos que visam suas transformações futuras;
  7. Garantir a construção de contra laudos nos casos de áreas de risco e o atendimento definitivo aos moradores em áreas de proteção de mananciais;
  8. Nunca usar a violência, respeitando em todos os casos a dignidade do ser humano;
  9. Incorporar o princípio da equidade no atendimento habitacional, tratando cada caso de forma a respeitar suas especificidades;
  10. Atenção e atendimento prioritário a mulheres, crianças e pessoas com deficiência;
  11. No caso de remoção, comunicar obrigatoriamente aos conselhos municipais de habitação, da criança do adolescente e dos idosos;
  12. Assegurar acesso à assistência jurídica e à assistência técnica em habitação de interesse social gratuitas para todas as pessoas e famílias atingidas;
  13. Assegurar mecanismos de controle e de acesso à terra e à moradia bem localizada e com infraestrutura para famílias de baixa renda, destinando imóveis ociosos à moradia popular para que, enfim, cumpram sua Função Social;
  14. Atuar de forma que sejam constituídas instâncias de tratamento dos conflitos fundiários urbanos e rurais no âmbito dos poderes executivo, legislativo e judiciário, garantindo que as partes estejam no mesmo pé de igualdade nas negociações e que o direito coletivo prevaleça sobre o direito individual, respeitando os princípios da não remoção e da promoção da segurança da posse;
  15. Dialogar permanentemente com as diferentes instâncias e órgãos do poder público, em especial o sistema judiciário (Defensoria, Ministério Público) de modo a tratar de forma adequada as situações de conflito fundiário, assumindo a responsabilidade de evitar as remoções;
  16. Garantir o acesso universal aos serviços públicos essenciais: água potável, saneamento, energia elétrica, saúde, educação, cultura, lazer, entre outros;
  17. Assegurar a instalação de infraestrutura, equipamentos e serviços públicos, mesmo em áreas sob disputa judicial, como garantia de defesa da vida, saúde e da segurança das famílias;
  18. Dialogar com os movimentos sociais de moradia e acesso à terra, encontrando soluções em conjunto com esses atores. Não criminalizar a luta por moradia digna;
  19. Assegurar políticas de regularização fundiária e segurança habitacional para as populações vulneráveis (favelas, assentamentos precários e outros).

São Paulo, 15 de agosto de 2018

Copa do Mundo na Rússia: das violações que não se comentam

Aleksei Kravets, que mora na região de Adler, em Sochi, chora ao ver sua casa ser demolida. Foto: Mikhail Mordasov/ Human Rights Watch

Assim como outros países que já sediaram a Copa do Mundo de Futebol da FIFA e os Jogos Olímpicos, a Rússia vive um frenesi midiático. Para além das seleções, craques e técnicos que disputam o torneio, fala-se como nunca do país e de suas cidades, dos estádios e infraestruturas existentes ou construídos especialmente para sediar o megaevento esportivo.

Mas não se fala dos custos humanos e violações que ocorreram durante o processo de preparação das cidades para as competições. Para a construção de estradas, vias elevadas e novos estádios, muitas famílias perderam suas casas sem compensação adequada, num evidente desrespeito aos preceitos do direito à moradia, tal como estão estabelecidos nos marcos legais internacionais dos quais a Rússia é signatária.

Assim como ocorreu no Brasil e na África do Sul, estas violações estão relacionadas a disputas em torno da titularidade da terra e dos direitos de seus ocupantes. Embora em escala bem menor – estamos falando de dezenas de casos na Rússia e de milhares no Brasil e na África do Sul –, as desapropriações sem compensação adequada foram todas de moradores que, embora habitassem há décadas o local que ocupavam, não tinham suas casas registradas em uma instituição reconhecida pelo governo.

Muitas famílias que viviam em fazendas coletivas no período da União Soviética continuaram habitando – e ampliando – suas casas quando o regime comunista se desintegrou e, com o tempo, tais moradias acabaram sendo incorporadas às cidades em expansão. Este é o caso, por exemplo, das famílias da região de Adler, em Sochi, que perderam suas casas para a construção da Olympics Road, quando a cidade recebeu as Olimpíadas de Inverno em 2014. Assim como ocorreu durante os megaeventos no Brasil, exigências legais foram suprimidas em nome do cumprimento de prazos de inauguração, o que comprometeu o direito de defesa das pessoas que foram impactadas pelas obras.

Outro caso ocorrido na Rússia neste contexto foi o dos estudantes moradores de residências universitárias que, muitas vezes sem ter outra opção de habitação, tiveram que deixar seus apartamentos para que estes fossem ocupados pela Guarda Nacional e pelos militares encarregados dos jogos. Para viabilizar esta desocupação, o Ministério da Educação reduziu em um mês o calendário letivo, sem considerar, porém, que muitos trabalham na mesma cidade onde estudam. Em São Petesburgo, parte das poucas moradias sociais de aluguel que ainda pertence ao State Housing Fund também foi esvaziada com o mesmo propósito, diminuindo a oferta de moradia de aluguel barata em um contexto de mercado imobiliário inflacionado.

Além das violações relacionadas à moradia, muitas foram também as denúncias de uso de trabalho análogo ao regime de escravidão na construção de estádios e infraestruturas, envolvendo milhares de trabalhadores, principalmente imigrantes. Esta mesma denúncia tem sido feita ao Qatar, que está conduzindo uma série de empreendimentos para receber os Jogos Olímpicos no ano de 2022.

O fato é que estes grandes jogos, capazes de encantar multidões no planeta e vender bilhões de produtos, não são capazes de implantar de fato uma conduta fair play para além dos campos de futebol, quadras, ginásios. Ou seja, um jogo 100% ético, aonde ninguém tenha seus direitos violados em nome dos espetáculos.

Ocupações crescem também na extrema periferia de São Paulo

A verdadeira explosão no número de ocupações em imóveis vazios na área central, tema que emergiu no debate público a partir do incêndio e desabamento de um edifício ocupado, tem acontecido também nas extremas periferias de São Paulo, sobretudo nas zonas leste, norte e sul da cidade. Os motivos são, primeiro, um aumento vertiginoso nos preços de terrenos desde 2006, impulsionado pelo boom imobiliário e aumento da disponibilidade de crédito na cidade, desacompanhado de qualquer política fundiária e medida de regulação.

Entre 2006 e 2013, embora os salários e rendimentos dos mais pobres tenham crescido na cidade, os preços de imóveis e aluguéis cresceram em um ritmo muito mais intenso. Em seguida, principalmente a partir de 2014/ 2015, um agravamento da crise econômica, com crescimento do desemprego e diminuição da trajetória de melhoria das condições salariais, agravou ainda mais este descompasso.

Resultado: cada vez mais gente não tem a mínima condição de pagar aluguel.

Mas se em São Paulo essa já é uma característica histórica, as políticas públicas de moradia infelizmente contribuem para que o problema não apenas não seja resolvido, ou enfrentado, mas piorado. As estratégias de atendimento às famílias que mais precisam são escassas, e o programa  Minha Casa, Minha Vida, única alternativa presente na cidade,  está completamente interrompido, especialmente na modalidade voltada para as faixas de renda mais baixas.

E o quadro se agrava mais com a operação de remoções conduzida pelos governos municipal e estadual. Sabemos, por exemplo, que as ocupações precaríssimas que estão nos terrenos da franja norte da cidade, sobretudo a região de Taipas, Brasilândia, são em sua maioria constituídas por pessoas que foram removidas dos assentamentos em que viviam para a construção do Rodoanel, e que  não receberam nenhum tipo de oferta de moradia definitiva digna. 

Outras ocupações precaríssimas de terrenos vazios também podem ser observadas nos extremos norte e sul da cidade.

De acordo com o Observatório de Remoções da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU/USP), apenas no ano de 2017, 14 mil famílias foram removidas de suas casas, e há pelo menos outras 30 mil ameaçadas de despejo por morar no perímetro de obras públicas. Como resultado, a população mais pobre está ameaçada de viver permanentemente na transitoriedade.

É o caso de algumas famílias que estão na ocupação Douglas Rodrigues, na Vila Maria, famílias que já passaram por oito remoções, e que hoje, estando a ocupação novamente sob ameaça, caso esta se concretizar , sofreriam a nona remoção. É um quadro de vulnerabilidade extrema, porque moradia é também um lugar basicamente a partir do qual as pessoas, sobretudo as mais carentes, estabelecem uma rede de proteção e sobrevivência.

Esse assunto foi tema da minha coluna “Cidade para Todos”, na Rádio USP.  Ouça aqui.

Leia também: Ocupações irregulares são regra, não exceção e Como surge uma ocupação.

Casas sem gente, gente sem casa: entendendo o problema, pensando soluções

O desabamento do Edifício Wilton Paes de Almeida, no dia primeiro de maio de 2018, escancarou uma emergência habitacional. Como se não bastasse o corte nos investimentos públicos destinados ao setor, em São Paulo, apenas no ano de 2017, pelo menos 14 mil famílias foram removidas de suas casas, e há pelo menos outras 30 mil ameaçadas por morar no perímetro de obras públicas, segundo aponta o Observatório de Remoções da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU/USP).

Para cada família que é forçada a sair de seu lar, a prefeitura concede uma bolsa-aluguel de R$ 400. Atualmente, diz a Secretaria Municipal de Habitação, 30 mil delas recebem o benefício. Mas o valor costuma ser insuficiente para custear o aluguel de um imóvel na região central, onde a maioria das pessoas já está estabelecida. Assim, quando escolhem permanecer no mesmo bairro ou região, por conta do seu trabalho e da escola em que suas crianças estão matriculadas, as famílias acabam indo parar numa ocupação ou numa favela.

De acordo com o Censo 2010, São Paulo tem mais de 30 mil imóveis nos distritos centrais que poderiam ser destinados à habitação social. Dentre os imóveis que pertencem ao poder público, como era o caso do edifício Wilton Paes de Ameida, muitas vezes eles se originaram de dívidas que organizações privadas não conseguiram honrar, e isso chega via INSS, ou massa falida de empresas como a Rede Ferroviária Federal. O problema é que a venda ou doação desses imóveis muitas vezes implica para o gestor estar sujeito a questionamentos por parte do Tribunal de Contas ou do Ministério Público: como é possível vender barato uma coisa que vale muito mais? Como é possível doar um bem que na verdade se destinava ao pagamento de uma dívida? É um emaranhado grande que faz com que estes imóveis, quando colocados à venda, jamais atinjam o preço no qual foram estabelecidos. Além disso, há uma enorme dificuldade de doá-los para programas sociais.

No caso de São Paulo, para imóveis privados, desde 2010 há uma lei que prevê penalidades, dentre as quais a desapropriação, mediante indenização em títulos da dívida pública, para os proprietários que os mantiverem vazios ou subutilizados. Em fevereiro de 2018, de acordo com artigo de Fábio Custódio, à época mestrando da FAU, em co-autoria com sua orientadora Paula Santoro, 1.384 imóveis foram notificados. Destes, 645 estão localizados na região central. Entretanto, apesar de o próprio Plano Nacional de Habitação prever que apenas com o uso de imóveis notificados seria possível produzir 110 mil moradias, este instrumento em si não é capaz de produzir moradia. É o que aponta uma outra pesquisa da FAU, esta coordenada pela professora Luciana Royer: uma parte destes imóveis notificados jamais poderiam ser reformados e virar moradia.

Estamos falando aqui de Brasil. E principalmente de São Paulo. Mas é importante olharmos para as experiências de países que têm condições muito semelhantes às nossas, em termos de história e capacidade técnica, e que têm enfrentado as dificuldades com iniciativas criativas e muito potentes. Um deles é a Colômbia. Lá, igual aqui, há dispositivos para que imóveis vazios sejam convocados para fazer parte de programas de moradia. Este instrumento, que não é generalizado, se chama declaratoria de desarrollo prioritario, e o governo só convoca os imóveis quando já tem os fundos suficientes para reformar ou construir determinado tipo de moradia. Aqui, pelo contrário, se espera oito, nove anos para desapropriar. A saída da Colômbia seria uma forma de fazer com que o nosso instrumento, que é a notificação de ocupação compulsória, consiga estar mais ligado a uma política de produção de moradias.

Outra experiência relevante é a carteira de imóveis e terras públicos, vinculada ao Ministério de Vivienda e Ordenamiento Territorial do Uruguai, inclusive à cidade de Montevidéu. Essa carteira reúne imóveis de propriedade do governo central ou da cidade, e, com eles identificados, e identificadas as suas possibilidades concretas de produzir moradia, é feito um chamamento para que cooperativas (e o Uruguai tem um modelo cooperativista de produção de moradia muito grande, antigo, estruturado) possam fazer propostas de projetos. E isso já está associado ao Fondo Nacional de Viviendas, um fundo que destina recursos financeiros inclusive para a reabilitação de moradias.

No caso de Nova Iorque, que também enfrenta um quadro de emergência habitacional, a cidade convocou os proprietários de apartamentos vazios a entrarem em contato com famílias que estão procurando moradia. Os aluguéis destes imóveis são parcialmente subsidiados por um fundo público de aluguel da prefeitura, e isso é muito diferente da bolsa-aluguel que a Prefeitura de São Paulo oferece, porque as pessoas ficam perdidas no meio da cidade tentando descobrir onde podem morar. No caso nova-iorquino, não: é gestão municipal que está mobilizando um estoque, inclusive privado, e pagando esses proprietários para que, com subsídios públicos, e a participação das próprias famílias, os imóveis ser destinados à moradia de aluguel.

Erguido em estilo neoclássico em 1945, o Edifício Riskallah Jorge está no bairro de Santa Ifigênia, região central de São Paulo. Ficou em estado de abandono e, por reivindicação dos movimentos sociais, reformado pela Prefeitura de São Paulo, por meio do Programa de Arrendamento Residencial (PAR), com unidades habitacionais destinadas à população com renda entre três e seis salários mínimos.

Mas voltando a São Paulo: já há famílias morando nos imóveis reformados por meio de parcerias entre a Prefeitura e cooperativas de movimentos sociais, o programa de locação social, ou iniciativa do governo do Estado, o que comprova o sucesso dessas iniciativas. Mas este processo se estendeu por 10, 15 anos. Por que? Por conta da ausência de política adequada.

No cenário atual, é necessário primeiro tornar disponíveis os prédios vazios, depois mobilizar os financiamentos dirigidos para a reabilitação, e finalmente fazer com que tudo isso se encontre numa obra concreta. E isso por que? Porque não temos um programa ou fundo de financiamento habitacional específico para reformas. O Minha Casa, Minha Vida, por exemplo, foi totalmente montado para financiar a construção de novas unidades habitacionais, e é até possível destinar recursos para a reforma, mas é um trâmite muito burocrático, lento, dispendioso de energia.

Esse assunto foi tema da minha coluna “Cidade para Todos”, na Rádio USP. Ouça aqui.

A política habitacional da prefeitura e do governo do Estado, hoje, produz ocupações

Em entrevista à rádio USP, a urbanista Raquel Rolnik fala com a jornalista Sandra Capomaccio sobre a tragédia anunciada produzida pela política de habitação atual.

Sandra Capomaccio: A ocupação irregular foi o motivo do incêndio?

Raquel Rolnik: Evidente que não. Os ocupantes são as vítimas, não a causa. A questão fundamental e estruturadora é a existência de uma quantidade enorme de prédios vazios, abandonados, colocando em risco seu entorno, e que são uma afronta às necessidades imensas de moradias que existem em São Paulo. Esse é um exemplo claro de um imóvel público que foi abandonado, ou melhor, que, ao invés de ter sido destinado a uma função social, a uma necessidade pública, é mantido vazio, subutilizado em função de expectativas de remuneração/rentabilidade que hoje ele não tem. E existem centenas como este, públicos e privados, vazios por anos.

As pessoas invadem estes prédios por não ter onde ir, e agora a prefeitura diz que encontrou lugares para estas pessoas. Como é isso?

Na verdade não temos uma política habitacional que dê conta de necessidades diversificadas. Temos hoje uma presença grande de populações refugiadas, por exemplo. O país assina convenções para receber estas pessoas, o que é ótimo, mas não se prepara minimamente para recebê-los. E a moradia para quem acaba de chegar, seja migrante, imigrante ou refugiado, é transitória, de passagem, o que não existe como programa de governo. E há situações de idosos, sozinhos, que não precisariam ter que comprar casa própria, mas sim ter um aluguel acessível  como alternativa. As ocupações são fruto de uma política habitacional que remove gente de favelas, de áreas desapropriadas – acabamos de ver isso na região na Luz -, e oferece apenas uma bolsa-aluguel. São cerca de 30 mil pessoas hoje que recebem R$ 400 de bolsa-aluguel. O único lugar em São Paulo possível para este aluguel é viver em ocupações. Ou nas favelas mais precárias das franjas da cidade. A política habitacional da prefeitura, hoje, produz ocupações.

Temos hoje algum projeto habitacional que conseguiu reformar estes prédios?

Sim, nós já temos esta experiência em São Paulo. Isto foi feito na gestão  da ex-prefeita Luiza Erundina pela primeira vez com um prédio na Mooca. O governo do Estado, através da CDHU, também já teve um programa para começar a fazer isto, mas foi interrompido. Na gestão da ex-prefeita Marta Suplicy foram reformados vários prédios, tanto para programas de casa própria como de locação social. A gestão Haddad desapropriou e pagou vários para poder reformá-los – e, ao perder a eleição para Dória, o programa foi interrompido. Creio que temos hoje pelo menos dez  edifícios que foram reformados e hoje tem moradores que vivem com qualidade. Isso foi experimentado.

É possível ocorrer novamente outra tragédia?

É possível, até porque várias ocupações, consolidadas, que estão há anos em processos de auto organização e mutirões, pedem a religação da energia elétrica, da água. Isso é sistematicamente negado, mesmo em edifícios de propriedade pública. Isso expõe a população a perigos e a possíveis desastres. Além disso, temos no Plano Diretor uma política com instrumentos que dizem: imóveis que não cumprem função social devem ser penalizados, até inclusive a desapropriação, com pagamentos de títulos da dívida pública.  Descobrimos, por exemplo, com o trabalho que está sendo feito pelo Fórum Mundaréu da Luz na região da Cracolândia , só em um raio de 1 km em torno das quadras 36, 37 e 38, aonde centenas de pessoas estão sendo removidas sem ter para onde ir, que só com os edifícios vazios já notificados pela prefeitura por não cumprir sua função social, seria possível produzir 1000 unidades habitacionais, mais do que suficiente para reassentar quem está lá, sem jogar ninguém na rua! Assim a pessoa pode ser removida, como está ocorrendo agora nos Campos Elíseos, com uma bolsa-aluguel de R$ 400, e uma outra alternativa de moradia, a não ser ocupar um edifício abandonado.

Ouça a entrevista na Rádio USP aqui.

 

Observatório de Remoções: conflitos fundiários, lutas e histórias de vida

observatorioremocoes

Por Equipe do Observatório de Remoções*

Tendo como paradigma a experiência “Por um observatório das Remoções no Município de São Paulo”, que reuniu, em 2012, diversas pesquisas em andamento no LabHab (Laboratório de Habitação e Assentamentos Humanos) e no LabCidade (Laboratório Espaço Público e Direito à Cidade), da FAUUSP, iniciamos um projeto de mapeamento de processos que envolvem despejos e remoções, visando também o apoio a comunidades afetadas e o intercâmbio de informações com outros observatórios nacionais e internacionais.

A iniciativa do projeto Observatório de Remoções está sendo desenvolvida pelos laboratórios já mencionados, em parceria com o LABJSV (Laboratório Justiça Socioambiental e Populações Vulneráveis), da UFABC, na capital e na região do ABC.

Por que mapear remoções? – Grandes projetos de infraestrutura viária e de mobilidade, centros comerciais, parques públicos, operações urbanas e equipamentos esportivos, ou mesmo projetos de contenção e redução de riscos ambientais, quando implementados, ocultam diversos impactos sociais, o que pode nos fazer pensar que foram erguidos sobre vazios urbanos.

Esses espaços, no entanto, não eram vazios. Pelo contrário, são carregados de histórias das pessoas e de suas famílias que, removidas de seus locais de moradia (favelas, cortiços, loteamentos precários, ocupações etc.), forçosamente abrem o espaço, até então por elas habitado, para que esses empreendimentos possam ser viabilizados, valorizando regiões da metrópole.

A avaliação dos impactos sociais dos deslocamentos, contudo, sequer é considerada como uma externalidade negativa decorrente da implementação de projetos em grande escala, como deveria. Exemplos práticos desse entendimento são os processos públicos de licenciamento que não dão conta dos efeitos sociais decorrentes da remoção de centenas ou milhares de famílias para a implantação de uma grande obra.

O processo de remoção é marcado, no mais das vezes, pela desinformação, pela violação de direitos e pela tentativa de desmobilização do grupo de moradores que em geral busca, legitimamente, alternativas de resistência. Entre as estratégias de desmobilização utilizadas pelos empreendedores destacam-se a falta de informação sobre o processo e o não reconhecimento das ocupações, favelas, loteamentos e comunidades como coletividades, muitas vezes por meio de informações e atendimentos desencontrados entre famílias que vivem no mesmo território.

Em geral, a notícia da remoção chega à ocupação por vias informais e pouco confiáveis: pelo boato, pela imprensa, marcada por informações inconsistentes e imprecisas dos agentes púbicos, que nem sempre explicam as causas materiais da remoção – a obra urbanística, a contenção do risco, a proteção ambiental –, como também não dão conta de esclarecer as causas formais e processuais da remoção, como a ordem judicial, a desapropriação, o licenciamento, o laudo pericial, entre outros elementos.

A informação fragmentada e incompleta, a indefinição de papéis e atribuições do poder público em um processo que implica a remoção de famílias – não importam quantas – é uma das mais graves violações de direitos. A falta ou precariedade de informação constitui-se como importante entrave ao empoderamento dos envolvidos e, consequentemente, os enfraquece na disputa pelo território através de planos alternativos ou por melhores condições de remoção, isto é, com o menor rompimento possível de vínculos com o lugar da moradia e com a garantia de efetivação de outros direitos.

Vale acrescentar que os procedimentos são distintos a depender do empreendedor – se público, privado ou parceria público-privada (PPP). Tais procedimentos, que atendem a interesses distintos, nem sempre resultam no conhecimento da posse ocupada pela moradia; tampouco reconhecem sua justa indenização.

As ocupações urbanas são também objetos de nosso mapeamento. Convergente com a disputa pelo solo urbano e a especulação sobre o valor dos aluguéis, que ocasionou um massivo número de despejos individuais, é notório o aumento do número de ocupações compostas por famílias que não mais conseguem pagar o aluguel. Nesse contexto, percebemos também o agravamento no tratamento dispensado pelo poder Judiciário, que se nega ao debate sobre a função social da propriedade e delega à polícia militar a tarefa do despejo forçado, marcado pela violência e pelo autoritarismo.

Em junho deste ano, aliás, pelas coalizões de movimentos de moradia que atuam em São Paulo, foi apresentada ao poder público municipal, estadual e também ao Judiciário uma lista com mais de 40 ocupações de grupos de sem-teto na capital, sobretudo no centro, exigindo a abertura de diálogo e o atendimento habitacional.

O Observatório de Remoções – O projeto está estruturado a partir de quatro frentes de trabalho: ações colaborativas, mapeamento, articulação e multiplicação de metodologia. As ações colaborativas e de mapeamento serão realizadas na cidade de São Paulo e na região do ABC, mas as atividades de articulação e multiplicação de metodologias ultrapassam esse recorte territorial, visando compartilhar iniciativas, fomentar pesquisas e contribuir com políticas públicas locais e regionais.

Está em fase de produção uma plataforma de mapeamento colaborativo destinada a receber denúncias e informes de remoções, que será hospedada no site do Observatório:observatorioderemocoes.com/mapeamento-participativo.

Projetada para receber informações de forma simples e prática, a plataforma é voltada a denúncias tanto de moradores e líderes comunitários atingidos por remoções quanto de advogados, movimentos de luta por moradia ou qualquer pessoa que deseje colaborar. A partir do mapeamento atualizado das ocupações, favelas, loteamentos e comunidades em situação de ameaça ou iminência de remoção, será possível a realização de estudos e análise crítica, divulgação da situação ou até mesmo a formulação de planos alternativos para negociação e resistência. Enquanto a plataforma está sendo elaborada, divulgamos no mesmo endereço o mapeamento que vem sendo realizado pelos pesquisadores do Observatório.

Como mencionado, um dos objetivos do Observatório de Remoções é o apoio às ocupações atingidas por remoções e despejos forçados para compreensão dos seus impactos, tendo em vista a perspectiva de defesa dos direitos e o diálogo com as demandas dos moradores dentro dos processos de resistência, junto aos movimentos sociais que já atuam nesses espaços. Esperamos que esse processo facilite também a interlocução entre os moradores, para que os espaços e momentos de resistência encontrem canais de diálogo mais fluidos e alternativos por toda a cidade. Entendemos como forma de resistência a compreensão dos direitos, a construção de alternativas de projetos urbanísticos e o fim dos processos autoritários e especulativos que encobrem violações de direitos sociais, fragilizam as famílias e facilitam as remoções.

Esperamos mapear e denunciar violações de direitos em processos e ameaças de remoções, tornando públicas e visíveis as ações dos diversos atores envolvidos, como maneira de contribuir para uma análise crítica e coletiva sobre as formas de viver e estar na cidade, os procedimentos do Estado e as políticas públicas habitacionais e urbanas.

*O Observatório de Remoções é um projeto de pesquisa-ação coordenado pelas professoras Raquel Rolnik (LabCidade FAUUSP), Karina Leitão (LabHab FAUUSP), e pelo professor Francisco Comaru (LABJSV UFABC). Saiba mais no site do projeto.

Vila Itororó: pressa em retirar os últimos moradores não faz nenhum sentido!

Mais uma vez a procuradoria geral do Estado de São Paulo insiste em remover as últimas famílias da Vila Itororó, no bairro da Bela Vista, antes da entrega dos apartamentos onde elas serão definitivamente realocadas. Em 2006, um decreto de utilidade pública determinou o despejo dos moradores do local com o objetivo de transformar o espaço em um centro cultural e gastronômico. A maior parte das 71 famílias já deixou a Vila em dezembro de 2011, mas ainda restam algumas. O despejo está marcado para as 6h desta quarta-feira.

Os apartamentos para onde irão estas famílias estavam previstos para serem entregues em dezembro passado, mas não ficaram prontos. O novo prazo é abril. De acordo com informações de uma moradora, a secretaria municipal de cultura, que está diretamente envolvida no projeto, afirma que não tem pressa, e a secretaria estadual de cultura está plenamente de acordo com que os moradores só saiam da Vila Itororó quando puderem ir para suas casas definitivas, em fase final de construção.

Por que então o procurador geral do Estado não define o adiamento do prazo para que as famílias possam mudar para suas moradia definitivas conforme o que preconizam os elementos do direito à moradia adequada em relação às remoções? A pressa da procuradoria não faz o menor sentido e implica em violação do direito à moradia adequada.

Leia mais sobre a Vila Itororó aqui no blog:

13/12/12: Últimos moradores da Vila Itororó podem ser despejados amanhã sem alternativa de moradia adequada.

O Lado B da política habitacional do município de São Paulo

Ao longo da última década, o setor habitacional do município de São Paulo foi crescentemente se estruturando e avançou em vários aspectos, como por exemplo, na produção de um cadastro de todas as favelas e loteamentos irregulares, disponível online (HABISP); na contratação de projetos específicos  para a realização de cada intervenção nos assentamentos precários e para a construção de conjuntos habitacionais, e, especialmente, na elaboração de um Plano Municipal de Habitação, que trata do tema no longo prazo, a partir de uma leitura da situação atual, contendo metas, recursos etc.

Entretanto, existem aspectos dessa política habitacional que ainda precisam avançar muito mais e já dispomos de instrumentos jurídicos e urbanísticos na cidade para isso. Um dos aspectos que mais preocupa são as remoções. Milhares de famílias estão sendo removidas em função de projetos de infraestrutura, realocação de áreas de risco, e até mesmo no âmbito da urbanização de favelas. Porém não existem informações e transparência nestes processos nem para as famílias atingidas, nem para o público em geral. Além disso, não há uma base de dados que informe quantas famílias são removidas, para onde são conduzidas, qual o volume de recursos destinado a estas família, quantas recebem bolsa aluguel, por quanto tempo, qual o prazo entre a atenção emergencial da bolsa e a solução definitiva… Enfim, nada disso está disponível.

Tanto na USP como na Relatoria da ONU para o Direito à Moradia Adequada, recebemos muitas notícias e denúncias de remoções forçadas. Foi pensando na necessidade de dar visibilidade a estes processos que os Laboratórios de Direito à Cidade (Lab Cidade) e de Habitação e Assentamentos Humanos (Lab Hab) da FAU USP, em parceria com a Defensoria Pública do Estado de São Paulo, o SAJU da Faculdade de Direito da USP, o Escritório Modelo da PUC SP, o Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos, e movimentos de moradia como a CMP, a UMM e FLM, se uniram para desenvolver o Observatório das Remoções, que será lançado nesta quinta-feira (27), às 17h, no auditório da Defensoria Pública do Estado de São Paulo. Leia aqui o convite.

Na ocasião, serão apresentados os primeiros resultados do mapeamento realizado a partir de informações veiculadas na imprensa, coletadas em pesquisas realizadas nos laboratórios envolvidos no projeto, e também a partir de denúncias recebidas pela Defensoria Pública e pela Relatoria Especial da ONU para o Direito à Moradia Adequada.

Outro importante evento acontece hoje, às 19h, na Câmara dos Deputados. Trata-se de um debate sobre duas propostas de substitutivo ao Plano Municipal de Habitação, uma elaborada pelo Executivo, outra pela bancada do Partido dos Trabalhadores (PT). Além das questões sobre as alterações no zoneamento da cidade que já comentei aqui no blog, também está em jogo neste debate o tema das remoções, infelizmente ausente do PMH. É fundamental que esta questão seja inserida neste debate, de forma clara, já que este é um dos pontos frágeis do Plano.

Serviço:

Debate substitutivos ao PMH
Dia 25/9, às 19h
Local: plenário da Câmara Municipal

Lançamento Observatório das Remoções Forçadas
Dia 27/9, às 17h
Local: auditório da Defensoria Pública do Estado de São Paulo
Clique aqui para mais informações.

Mais despejos, mais famílias sem teto

Nas últimas semanas tenho recebido por e-mail várias denúncias de despejos ou ameaças de despejo. Uma delas é de uma ocupação na Avenida São João, no centro de São Paulo. A reintegração de posse do imóvel, que está abandonado há 20 anos, foi marcada pela Justiça para o dia 11 de setembro. Segundo os moradores, em reunião com os proprietários e com a Prefeitura, nenhuma alternativa viável foi oferecida às 85 famílias que hoje ocupam o imóvel. Uma nova reunião deverá ser realizada no dia 5.

Ontem, também no centro de São Paulo, a polícia fez uma reintegração de posse de um imóvel na Avenida Ipiranga. Segundo reportagem da Folha de São Paulo, das 130 famílias que ocuparam o prédio 90 montaram acampamento na Av. São João. Elas dizem que a única alternativa oferecida pela prefeitura foram albergues distantes do centro, onde a maioria dos moradores trabalha e onde ficam as escolas em que as crianças estão matriculadas.

Em Minas Gerais, no município de Timóteo, cerca de 600 famílias estão ameaçadas de despejo nos bairros Limoeiro, Macuco e Recanto Verde. Em julho, a Justiça determinou a reintegração de posse dos terrenos, que pertencem ao município. A decisão chegou a ser suspensa, mas um juiz decretou novamente a desocupação da área. Parte da área ocupada, de acordo com a Defensoria Pública, é destinada à habitação de interesse social. Hoje, o despejo é iminente. Os advogados populares que defendem os moradores propõem a criação de uma comissão com participação das famílias e de todos os entes públicos envolvidos para que se encontre uma saída pacífica para a situação.

Não se faz uma reintegração de posse sem que sejam oferecidas alternativas de moradia adequada às famílias. Essa responsabilidade cabe não apenas ao Executivo, mas também ao poder Judiciário.

Fortaleza: no olho do furacão da Copa

Semana passada, nos dias 15 e 16, estive em Fortaleza a convite de associações de moradores, entidades de defesa de direitos humanos e ativistas pelo direito à moradia para visitar comunidades que estão sendo afetadas por obras relacionadas à Copa do Mundo de 2014. Nos dois dias de visita, tive a oportunidade de conversar com moradores de nove comunidades e ver de perto a situação em que se encontram. Na sexta-feira, visitei quatro comunidades ameaçadas de remoção por conta das obras do VLT (o veículo leve sobre trilhos, apelidado em Fortaleza de “vai levando tudo”). No sábado, visitei ainda a comunidade do Poço da Draga e o bairro do Serviluz, que serão afetados por projetos de urbanização da orla – o Acquário do Ceará e a Aldeia da Praia, respectivamente; e também as comunidades Jangadeiro e João XXIII e a Trilha do Senhor. Além das visitas, participei de uma audiência pública na Câmara Municipal de Fortaleza e de um debate no auditório da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará.

É importante lembrar que Fortaleza tem mais de 600 comunidades que surgiram a partir de ocupações de baixa renda. Os moradores destas comunidades, sem garantia da segurança da posse, constantemente veem ameaçado o seu direito de permanecer onde estão. Quando se trata de comunidades localizadas em áreas muito bem servidas de infraestrutura, perto do centro e de áreas de maior renda, a situação é de uma vulnerabilidade ainda maior. Ou seja, a combinação da insegurança da posse com o fato de serem comunidades de baixa renda localizadas em frentes de expansão imobiliária tem feito dessas comunidades focos preferenciais para a passagem de obras como a do VLT ou mesmo de projetos de urbanização que retiram a população desses lugares.

Nas conversas que fiz com os moradores das comunidades, dois pontos, em especial, me chamaram a atenção: a falta de informação e de canais de diálogo com o poder público e a forma como estão sendo feitos os reassentamentos. Ouvi muitos relatos especialmente sobre os locais de reassentamento. Segundo os moradores, em geral, estão sendo oferecidas alternativas de moradia em locais muito distantes do original.

Uma senhora que tem um filho com deficiência – que, portanto, precisa de tratamento médico constante e de fisioterapia – disse que o conjunto habitacional que o poder público apresentou como alternativa à atual moradia fica num lugar muito distante do atual, sem transporte público fácil. Muitos idosos também se disseram preocupados com esta questão. Morando há décadas na mesma comunidade, muitos não sabem, por exemplo, como darão continuidade a seus tratamentos de saúde se tiverem que morar em locais distantes, onde não existem postos de saúde, nem rede de transporte público. Também ouvi relatos sobre conjuntos habitacionais que estão sendo construídos em aterros sanitários ou em locais onde funcionaram lixões, como é o caso de um conjunto que ficará muito próximo do antigo lixão do Jangurussu.

A falta de informações, de conhecimento dos projetos e de canais de diálogo com o poder público é também uma constante em todas as comunidades. Sem nenhuma conversa prévia, de repente, um morador acorda de manhã cedo e vê pessoas medindo e marcando sua casa, sem saber o que se passa.

Além disso, mudanças recentes no plano diretor municipal dificultaram ainda mais a situação dessas comunidades. Com essas mudanças, propostas pelo Executivo, foram retirados das áreas de Zeis (Zona Especial de Interesse Social) os imóveis vazios próximos às áreas onde estão comunidades que foram definidas como Zeis para que pudessem ser urbanizadas e consolidadas. Ou seja, nestas áreas, agora, será ainda mais difícil transformar imóveis vazios em habitação de interesse social. E nas proximidades de muitas das comunidades que hoje estão sendo removidas existem muitos terrenos e imóveis vazios que poderiam ser reutilizados e servir de alternativa de moradia a essas pessoas.

Apesar do quadro preocupante, fiquei feliz em ver que existe uma pluralidade de atores sociais – organizações, movimentos populares, ONGs, associações de moradores, universidades, defensores públicos, parlamentares etc – articulados em torno dessa questão, tentando de alguma forma encontrar saídas para as comunidades que já estão sendo ou que serão afetadas. Uma das comunidades que visitei na sexta-feira, a Aldaci Barbosa, por exemplo, obteve uma grande vitória junto ao Governo do Estado: discutindo o projeto, que previa a remoção de toda a comunidade por conta das obras do VLT, os moradores conseguiram alterar vários pontos e com isso o número de famílias a serem removidas foi bastante reduzido.

Não tive a oportunidade de conversar com a Prefeitura de Fortaleza e com o Governo do Estado do Ceará. Tentei agendar reuniões com antecedência, mas não tive sucesso. Infelizmente, o que eu vi na capital cearense se enquadra no mesmo padrão de violação de direitos que vem ocorrendo em outras cidades-sede da Copa do Mundo que já tive oportunidade de visitar.

ONU questiona o Brasil sobre violações do direito à moradia em obras da Copa e das Olimpíadas

Na semana passada, Estados integrantes do Conselho de Direitos Humanos da ONU recomendaram ao Brasil que não permita que as obras de preparação do país para a Copa de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016 gerem violações do direito à moradia ao provocarem remoções forçadas. A discussão se deu no âmbito da participação do país na Revisão Periódica Universal (UPR), um mecanismo criado pela Assembleia Geral da ONU em conjunto com o Conselho para avaliar, a cada quatro anos, a situação dos direitos humanos em cada país. O tema do direito à moradia no contexto dos megaeventos foi um dos principais objetos das recomendações que a ONU enviará ao Brasil.

Esta foi a segunda vez que o Brasil se submeteu à revisão. Na ocasião, o país apresenta seu relatório e organizações da sociedade civil também apresentam relatórios independentes. Os países debatem e, posteriormente, o Conselho faz suas recomendações. Aliás, vale a pena lembrar que, em março de 2010, este órgão aprovou uma resolução sobre megaeventos esportivos e direito à moradia, na qual “clama os Estados, no contexto dos megaeventos, a promover o direito à moradia adequada e a criar um legado habitacional sustentável”.

Além disso, faz quase 1 ano e meio que enviei uma carta ao governo brasileiro sobre as denúncias que eu estava recebendo de pessoas e comunidades ameaçadas de remoção por conta de obras da Copa e das Olimpíadas. E faz mais de um ano que o governo me enviou uma resposta, dizendo que criaria um grupo de trabalho sobre o tema, a fim de monitorar a situação. O fato é que nada foi feito até agora e as denúncias continuam chegando.

A questão das remoções forçadas foi um dos temas mais debatidos na UPR, mas não o único. Muitos outros, por sinal, foram também objeto de recomendações do Conselho: a superlotação do sistema prisional, a violência contra a mulher, o tráfico de pessoas, a proteção de povos indígenas, pessoas com deficiência, crianças e idosos, entre outros.

Leia mais sobre este assunto:

Folha Online: ONU questiona Brasil sobre grandes obras

BBC Brasil: ONU pede ao Brasil que obras da Copa e dos Jogos Olímpicos beneficiem os pobres