Eleições 2018: nossas cidades pedem socorro

Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Com estas palavras, o Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU) e o Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) iniciam o texto de uma Carta Aberta aos Candidatos nas Eleições de 2018 pelo Direito à CidadeResultado do “Seminário Nacional de Política Urbana: por cidades humanas, justas e sustentáveis”, que em julho reuniu arquitetos e urbanistas em São Paulo, o documento é extenso, contendo 53 propostas, estruturadas em três  eixos: um projeto nacional baseado (1) na territorialização das políticas, (2) governança urbana inovadora e (3) democratização da gestão.  

No campo da territorialização, o que temos hoje são iniciativas num formato único, desconectadas entre si, e específicas para a construção de casas, transporte coletivo, e saneamento, por exemplo. No lugar disso, políticas e programas que considerem a diversidade e a especificidade de cada região, a integração em cada território, que ofereçam assistência técnica gratuita para projetos de construção de habitações de interesse social.  

Em relação ao tema da governança, o documento reforça a necessidade da descentralização na definição e na execução das políticas, propõe o fortalecimento do Ministério das Cidades e o restabelecimento do Conselho Nacional das Cidades.  

Em relação ao tema da gestão, o documento assinala que  é preciso avançar no sentido de garantir que os governos locais sejam mais  fortes, autônomos, transparentes e democráticos, ampliando os mecanismos de controle social por parte da sociedade.  

O documento afirma também a necessidade de revisão da Lei de Licitações, especialmente na incorporação por parte desta legislação de poder contratar obras sem que os projetos tenham sido previamente detalhados. Desde as obras para preparação das 12 capitais que sediaram a Copa do Mundo 2014 e as Olimpíadas 2016, o Estado recorre ao regime direto de contratação de empreiteiras. Dessa forma, o poder público pode  contratar obras, sem que haja apresentação prévia de um projeto detalhado.

Incluída em nome da “celeridade” nos processos de contratação públicos, tema de fato relevante, a adoção deste mecanismo entrega para as empreiteiras as definições do que se fará nas cidades. A Carta Aberta aposta na direção contrária: cidades planejadas e projetadas, de forma solidária e inclusiva, como um dos pilares da necessária construção democrática do país.

Confira em detalhes as 53 propostas da Carta Aberta:

1. Projeto nacional baseado na territorialização das políticas públicas

  • Assegurar investimentos massivos em infraestrutura urbana e em serviços públicos e sociais nas periferias;
  • Criar uma política habitacional por meio de programas diversos, inclusive locação social;
  • Fomentar o uso da Lei de Assistência Técnica Pública e Gratuita para o Projeto e Construção de Habitações de Interesse Social;
  • Retomar os programas de urbanização de favelas;
  • Investir em segurança pública associada às políticas de desenvolvimento urbano inclusivo;
  • Investir na ampliação, integração e qualificação da rede de transporte público de massa de forma integrada à produção de moradia social;
  • Criar o Fundo Nacional de Desenvolvimento Urbano Integrado visando articular os recursos para as regiões metropolitanas;
  • Valorizar os centros históricos, adotando políticas ambientais e culturais que preservem seu patrimônio; estimulando o uso de imóveis e terrenos ociosos; promovendo a mobilidade urbana não-motorizada e a qualificação dos espaços públicos;
  • Democratizar o acesso ao crédito imobiliário para possibilitar a atuação de pequenos empreendedores tecnicamente habilitados;
  • Promover o apoio técnico para o planejamento das cidades médias em processo de crescimento demográfico;
  • Fomentar a produção da agropecuária familiar e a pesca para fortalecer as pequenas cidades;
  • Enfatizar a dimensão ambiental no planejamento urbano e territorial a partir dos ecossistemas nacionais e suas especificidades;
  • Investir na ampliação e qualificação da rede ferroviária e hidroviária visando maior integração do território nacional.

2. Governança urbana inovadora

  • Garantir a autonomia técnica do Ministério das Cidades;
  • Restabelecer o Conselho Nacional das Cidades;
  • Descentralizar a definição e execução das políticas públicas para o desenvolvimento urbano, a partir de uma política nacional que possibilite a incorporação de políticas regionais e locais para garantir a sua efetividade;
  • Revisar a Lei de Licitações com o objetivo de garantir uma maior transparência na contratação de obras públicas;
  • Cumprir as metas previstas da Agenda 2030, especialmente o Objetivo 11 (“tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis”).

3. Democratização da gestão dos territórios, em especial

  • Fortalecer o governo local das cidades, que deve prevalecer, sem prejuízo do desenvolvimento regional e nacional;
  • Restabelecer e ampliar os mecanismos de participação popular nas decisões afetas às políticas públicas que tenha ação direta sobre o direito à moradia, ao transporte público de qualidade e à cidade;
  • Disponibilizar as informações de banco de dados georreferenciados e em formato aberto, democratizando o acesso e possibilitando a análise pela sociedade.

Sessenta candidatos contra violação de direitos nas remoções forçadas

Mais de 60 candidatos e candidatas à Presidência da República, Senado, Câmara dos Deputados e Assembleias Legislativas de 10 estados do Brasil já assinaram a carta-compromisso para proteger  indivíduos e famílias contra as remoções forçadas. O documento foi elaborado  pela Rede contra Remoções, um coletivo de movimentos e instituições que defendem o direito à moradia.

Desde que foi lançada, há duas semanas, a carta-compromisso já conta com a adesão de candidatos e candidatas de oito partidos (26 do PSOL,  24 do PT, 4 do PCdoB, 2 da REDE, 1 do  PSB, 1 do  PSDB, 1 do PDT, 1 do PPL), e embora mais da metade (36) sejam de São Paulo, onde a iniciativa teve início, hoje já engajam candidatos e candidatas das seguintes unidades federativas: Bahia, Pernambuco, Minas Gerais, Santa Catarina, Distrito Federal, Espírito Santo, Paraná, Piaui, Rio de Janeiro e Goiás.

Mônica Bento/ Folhapress

O tema das remoções forçadas tem pouca visibilidade, a não ser quando em função da violência ou de situações trágicas, como foram os casos do Pinheirinho, em São José dos Campos, ou da Cracolândia, em São Paulo. Este ano, com o desabamento do edifício Wilton Paes de Almeida, no Largo do Paissandu, região central da capital, se tornaram conhecidas as histórias de algumas das famílias que estavam no prédio porque haviam sido removidas à força de favelas ou ocupações, revelando trajetórias habitacionais que são basicamente perambular entre ocupações e alugueis precários.

 De acordo com levantamento realizado pelo Observatório de Remoções, só em São Paulo e região do ABC, entre 2010 e 2016 quase 300 mil famiíias foram removidas ou ameaçadas de remoção. Além disso desde 2017, na capital paulista, outras 14 mil famílias foram forçadas a sair de suas casas, sem que uma alternativa de moradia tenha sido oferecida.

Parte das remoções são decorrentes de obras públicas, que quase nunca incluem, no próprio projeto da obra, uma solução habitacional definitiva para as famílias e indivíduos atingidos. Resultado: estas  acabam recebendo um atendimento provisório, quando recebem, geralmente insuficiente para cobrir os custos de moradia em condições adequadas. Em situações de reintegração de posse, promovidas por particulares ou pelo poder público, nem os juízes consideram  a situação e destino dos atingidos ao proferir sua sentença, nem o governo oferece qualquer tipo de proteção, apesar do direito à moradia ser um direito constitucional e sua proteção uma obrigação das várias instituições do Estado.

Dentre os compromissos constantes da carta-compromisso, estão os de evitar ao máximo as remoções, o que absolutamente não acontece hoje. Pelo contrário: muitas obras públicas são projetadas para literamente passar em cima de áreas ocupadas por assentamentos populares, já que isto barateia – quando não elimina! – os custos de desapropriação. Muitas vezes algumas remoções são inevitáveis. Neste caso é fundamental que se apresente proposta de atendimento definitivo de moradia para essas famílias e que estas propostas sejam discutidas e acordadas com os atingidos.

É fundamental que os atingidos participem ativamente da definição de um atendimento que atenda as suas necessidades específicas. E este é um outro problema hoje, porque não temos nas prefeituras, governos estaduais e federal, um leque de possibilidades de atendimento habitacional definitivo.

O que se oferece – e quando se oferece – é a compra da casa própria via hipotecário, solução  inadequada para as familias extremamente pobres e vulneráveis, que são justamente as maiores vítimas das remoções. Estas, além de não se adequadrem no perfil do financiamento, raramente encontram soluções para compra próxima a seus lugares originais de moradia, que também são os lugares aonde encontram suas condiçoes de sobrevivência.

Outros compromissos que constam do documento são evitar o uso da violência, criar espaços de mediação, garantindo acesso à justiça e condições de igualdade nos processos judiciais.

Quem assinou a carta-compromisso

(até 28 de agosto de 2018)

PRESIDÊNCIA        

Guilherme Boulos – PSOL

SENADO

São Paulo
Daniel Cara – PSOL
Eduardo Suplicy – PT
Jilmar Tatto – PT
Silva Ferraro – PSOL

Pernambuco
Eugênia Lima – PSOL

GOVERNO ESTADUAL     

Bahia
Marcos Mendes – PSOL

São Paulo
LiseteArelaro – PSOL

DEPUTADA(O) FEDERAL 

Bahia
Hamilton Assis – PSOL
Kenno Ferreira – PSOL
Neto (Paulo Moraes Neto) – PSOL
Paulo Ribeiro – PSOL
Silvio Humberto – PSB

Espírito Santo
Ines Simon – PT

Minas Gerais
Padre João – PT

Pernambuco
Ivan Moraes Filho – PSOL

Piauí
Neide de Jesus Carvalho – PT

Rio de Janeiro
Marcelo Freixo – PSOL

Santa Catarina
Lino Peres – PT

São Paulo
Alencar Santana Braga – PT
Douglas Belchior – PSOL
Duda Alcantara – REDE
Ivan Valente – PSOL
José De Filippi Júnior – PT
Juliana Cardoso – PT
Luiza Erundina – PSOL
Mandado Cidadanista (Célio Turino) – PSOL
Maria Ap Marques de Simoni – PT
Marinalva Brito – PT
Nilto Ignácio Tatto – PT
Paulo Teixeira – PT
Rui Falcão – PT
Samia Bonfim -PSOL
Silvio Cabral (Mandato Coletivo) – PSOL

DEPUTADA(O) ESTADUAL

Bahia
Aladilce Souza – PC do B
Hilton Coelho – PSOL
Jhonatas Monteiro – PSOL
Marcelino Galo – PT
Maria del Carmen – PT
Professor Euvaldo – PSOL

Distrito Federal
Alinne de Souza Marques – PPL

Goiás
Dra. Cristina – PSDB

Minas Gerais
Leleco Pimentel – PT

Paraná
Goura – PDT

São Paulo
Adriano Diogo – PT
Anita de Gusmão Damião – PSOL
Carina Vitral Costa – PCdoB
Erica Maluguinho- PSOL
Juninho – PSOL
Leci Brandão – PCdoB
Lucas Landin – PSOL
Luiz Turco – PT
Marcia Lia – PT
Maria da Penha Souza – PT
Marina Helou- REDE
Rebuliço Barba – PT
Renato Simoes – PT
Simão Pedro – PT
Toninho Vespoli – PSOL
Vanderlei Siraque – PCdoB

Íntegra da carta-compromisso

Às candidatas e aos candidatos à presidência da república, ao senado, à câmara dos deputados, aos governos estaduais e às assembleias legislativas nas eleições de 2018.

CONSIDERANDO QUE:

  1. O desabamento do edifício Wilton Paes de Almeida, no Largo do Paissandu, em São Paulo, no dia 1º de maio de 2018, escancarou a situação de emergência habitacional;
  2. Verifica-se uma ofensiva no sentido da criminalização dos movimentos de moradia;
  3. Outras tragédias envolvendo incêndios, remoções com uso de violência e outras violações de direitos já haviam ocorrido antes do desabamento, caracterizando as remoções e os despejos como um problema histórico e sistemático em todo o país;
  4. As famílias que se encontravam no edifício que desabou haviam sido submetidas anteriormente a processos de remoções e despejos;
  5. Entre 2010 e 2016, ao menos 288 mil famílias foram removidas ou ameaçadas de remoção apenas em São Paulo e no ABC Paulista, sendo que 81% dessas remoções ocorreram motivadas por obras públicas;
  6. Somente entre janeiro de 2017 e abril de 2018, ao menos 14 mil famílias foram removidas de suas casas na Região Metropolitana de São Paulo e outras 30 mil estão ameaçadas de remoção sem perspectiva de atendimento habitacional definitivo. Sendo, nesse período, 75% das remoções causadas por processos de reintegração de posse;
  7. Tornam-se cada vez mais recorrentes os casos de famílias que já passaram por mais de uma remoção, evidenciando a situação de insegurança permanente vivida pelas famílias mais vulneráveis.

ASSUMO, perante a população brasileira, caso seja eleita(o), o compromisso de trabalhar em defesa do direito constitucional à moradia digna cumprindo as normas internacionais que regem a matéria e especialmente defender as seguintes propostas referentes aos casos de ameaças de remoção:

  1. Não promover projetos públicos, ou em parceria com a iniciativa privada, que promovam remoções;
  2. Apresentar proposta de atendimento habitacional definitivo junto com o projeto de intervenção que apresentar necessidade de remoção, garantindo a participação das comunidades atingidas e o amplo acesso à informação, respeitando os modos de vida e as especificidades de cada contexto;
  3. Assegurar o atendimento habitacional definitivo para todas as famílias, no caso de inevitabilidade de remoção; e quando a justificativa da remoção for a segurança das famílias, que o atendimento habitacional seja feito de acordo com as necessidades e capacidade de pagamento dos atingidos;
  4. Garantir que o atendimento habitacional provisório só aconteça no caso de remoções de populações em risco emergencial. Em quaisquer outros casos o atendimento deve ser sempre definitivo. Caso não haja o atendimento definitivo no momento da remoção, garantir moradia digna até o atendimento definitivo;
  5. Atender as necessidades habitacionais independente da origem das pessoas nessas situações;
  6. Priorizar as famílias que já moram em áreas sujeitas a intervenções, reformas ou projetos que visam suas transformações futuras;
  7. Garantir a construção de contra laudos nos casos de áreas de risco e o atendimento definitivo aos moradores em áreas de proteção de mananciais;
  8. Nunca usar a violência, respeitando em todos os casos a dignidade do ser humano;
  9. Incorporar o princípio da equidade no atendimento habitacional, tratando cada caso de forma a respeitar suas especificidades;
  10. Atenção e atendimento prioritário a mulheres, crianças e pessoas com deficiência;
  11. No caso de remoção, comunicar obrigatoriamente aos conselhos municipais de habitação, da criança do adolescente e dos idosos;
  12. Assegurar acesso à assistência jurídica e à assistência técnica em habitação de interesse social gratuitas para todas as pessoas e famílias atingidas;
  13. Assegurar mecanismos de controle e de acesso à terra e à moradia bem localizada e com infraestrutura para famílias de baixa renda, destinando imóveis ociosos à moradia popular para que, enfim, cumpram sua Função Social;
  14. Atuar de forma que sejam constituídas instâncias de tratamento dos conflitos fundiários urbanos e rurais no âmbito dos poderes executivo, legislativo e judiciário, garantindo que as partes estejam no mesmo pé de igualdade nas negociações e que o direito coletivo prevaleça sobre o direito individual, respeitando os princípios da não remoção e da promoção da segurança da posse;
  15. Dialogar permanentemente com as diferentes instâncias e órgãos do poder público, em especial o sistema judiciário (Defensoria, Ministério Público) de modo a tratar de forma adequada as situações de conflito fundiário, assumindo a responsabilidade de evitar as remoções;
  16. Garantir o acesso universal aos serviços públicos essenciais: água potável, saneamento, energia elétrica, saúde, educação, cultura, lazer, entre outros;
  17. Assegurar a instalação de infraestrutura, equipamentos e serviços públicos, mesmo em áreas sob disputa judicial, como garantia de defesa da vida, saúde e da segurança das famílias;
  18. Dialogar com os movimentos sociais de moradia e acesso à terra, encontrando soluções em conjunto com esses atores. Não criminalizar a luta por moradia digna;
  19. Assegurar políticas de regularização fundiária e segurança habitacional para as populações vulneráveis (favelas, assentamentos precários e outros).

São Paulo, 15 de agosto de 2018

São Paulo merece mais parques

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Foto: Flickr Virada Sustentável. Alguns direitos reservados.

Na esteira dos movimentos dos moradores de São Paulo por mais e melhores espaços públicos, crescem também as mobilizações pela criação de novos parques e manutenção de áreas ameaçadas, resultando inclusive na criação de uma articulação, a Rede Novos Parques SP.

São organizações de moradores em todas as regiões da cidade, desde a Zona Leste (Parque da Vila Ema e da Mooca), à Zona Oeste (Parque Linear Água Podre), passando pela zona Zona Sul (Parque dos Búfalos) e Zona Norte (Parque da Brasilândia), só para dar alguns exemplos.

É verdade que alguns casos chamaram mais atenção da mídia, como o do Parque Augusta, localizado na região da Consolação, área central da cidade. Mas as lutas pelos parques estão presentes em áreas muito distintas da cidade, do ponto de vista da renda, da história e perfil social de seus moradores.

No processo de discussão da lei do zoneamento, a Rede Novos Parques está lutando pela demarcação de Zonas Especiais de Preservação Ambiental (Zepam) nas áreas objeto da mobilização. Gravar uma área como Zepam no zoneamento significa dizer que as condições ambientais dessa área deverão ser preservadas, mas não significa que a área se transformará imediatamente em um parque, muito menos público.

O caso do Parque Augusta é emblemático do que acabo de afirmar: trata-se de um terreno privado, dentro do qual se encontra uma área de Mata Atlântica tombada, e onde os proprietários desejam construir um conjunto de torres. Em 2014, com a aprovação do novo  Plano Diretor, a área foi gravada como Zepam.

Entretanto, a luta pela implementação de um parque 100% público continua! Neste momento, embora o projeto proposto pelas construtoras Setin e Cyrella para a área ainda não esteja aprovado, o terreno está cercado por tapumes, mesmo após uma decisão judicial ter definido que a área remanescente de Mata Atlântica que existe ali deve ser aberta e franqueada ao público.

Inclusive, o Organismo Parque Augusta, movimento que luta pela implementação do parque sem edifícios e 100% público, lançou uma campanha pela cobrança das multas devidas pelas construtoras pelo não cumprimento da decisão judicial.

Inúmeras vezes me manifestei assinalando a possibilidade que a Zepam oferece – nesta e em outras zonas semelhantes da cidade – de o proprietário doar o terreno para o poder público e transferir o potencial construtivo, em dobro, para outro local, o que constitui uma alternativa à desapropriação da área pela prefeitura. Trata-se de uma solução que não onera os cofres públicos e, ao mesmo tempo, compensa o proprietário.

Por essa razão, marcar uma área como Zepam é apenas o começo, e não o fim de uma luta por áreas verdes e parques. Mesmo equacionando o caráter público da área (via transferência, permuta ou desapropriação), ainda é necessário também investir em recursos para implementar o equipamento propriamente dito.

Além disso, é importantíssimo pensar a forma de gestão, se esta ficará totalmente a cargo do poder público ou se é possível desenvolver formas comunitárias e compartilhadas de gestão, envolvendo e comprometendo a comunidade que frequenta e utiliza o espaço.

O conjunto de questões, desafios e etapas aqui elencados apenas sinaliza que esses movimentos têm um longo caminho pela frente em suas lutas. Mas, como em outras mobilizações que estamos vendo pela cidade, esta só tende a crescer em número, força e densidade política, já que, de fato, a maior parte da cidade se constituiu sem espaços públicos e muito menos sem qualquer presença forte do poder público na sua implantação e manutenção.

*Publicado originalmente no portal Yahoo!.

São Paulo perde Gerôncio, lutador pelo direito à moradia

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Gerôncio Henrique Neto. Foto: Lucas Bonolo/Rede Brasil Atual

Via observaSP

Recebemos hoje a triste notícia do falecimento do Sr.Gerôncio, 73 anos, liderança da comunidade do Jardim Edith, na zona Sul de São Paulo. Ele foi vítima de um atropelamento, chegou a ser hospitalizado, mas não resistiu. O enterro será realizado nesta sexta-feira, às 10h, no Cemitério Parque dos Ipês (Estrada Ary Domingues Mandu, 2719 – Itapecerica da Serra – SP).

Gerôncio Henrique Neto nasceu na cidade de Santana de Ipanema, no estado de Alagoas, mudou-se para São Paulo na década de 60, e desde o início se envolveu com os problemas da comunidade do Jardim Edith, onde se instalou com a família.

As primeiras remoções de moradores da comunidade começaram nos anos 1970, para a construção de obras viárias. Em meados dos anos 1990, mais famílias foram retiradas. Em todos esses momentos, Gerôncio e seus familiares resistiram. Inserida no âmbito da operação urbana consorciada Água Espraiada, aprovada em 2001, a área do Jardim Edith foi demarcada como Zona Especial de Interesse Social (Zeis) no Plano Diretor de 2002, depois de muita pressão dos moradores.

Isso não resolveu o problema da comunidade, constantemente ameaçada de remoção, mas foi muito importante para que pudessem lutar pela permanência no local. Em 2007, com a intensificação das remoções por parte da Prefeitura, após um incêndio ter atingido a comunidade, a Associação de Moradores do Jardim Edith, por meio da Defensoria Pública, acionou a Justiça para reivindicar a permanência no local. A decisão saiu em 2008, determinando a suspensão das remoções. Por meio de um acordo judicial, a Prefeitura então se comprometeu com a construção de um conjunto habitacional, com creche e área de lazer, para atender as 240 famílias que ainda restavam na comunidade.

Depois de décadas de lutas, nas quais o Sr.Gerôncio foi protagonista, o conjunto habitacional do Jardim Edith foi construído e, no final de 2012, as famílias começaram a ocupá-lo. O conjunto é formado por torres residenciais, uma unidade básica de saúde, uma creche e um restaurante-escola. Gerôncio era um dos moradores.

Em uma reportagem da Rede Brasil Atual de 2013, ao lhe perguntarem como explicava tanta persistência na luta pelo direito à moradia, Gerôncio respondeu: “Rapaz, eu vim para São Paulo fugindo da seca e da fome. E para me tratar de um problema no estômago, do qual tive de ser operado. Aqui no Edite eu perdi dois filhos. Um morto pela polícia, outro por bandidos. Mas eu nunca perdi a fé na justiça, é isso que me move”.

“Seu” Gerôncio, como era chamado, vai fazer falta na cidade. Com seu jeito calmo e persistente, mostrou para todos nós que não há sonhos impossíveis… Vamos sempre nos lembrar dele cada vez que passarmos por aquele belo conjunto de moradia popular encravado na “esquina da riqueza com a mina de ouro”, como dizia, em plena capital do capital.

Observatório de Remoções: conflitos fundiários, lutas e histórias de vida

observatorioremocoes

Por Equipe do Observatório de Remoções*

Tendo como paradigma a experiência “Por um observatório das Remoções no Município de São Paulo”, que reuniu, em 2012, diversas pesquisas em andamento no LabHab (Laboratório de Habitação e Assentamentos Humanos) e no LabCidade (Laboratório Espaço Público e Direito à Cidade), da FAUUSP, iniciamos um projeto de mapeamento de processos que envolvem despejos e remoções, visando também o apoio a comunidades afetadas e o intercâmbio de informações com outros observatórios nacionais e internacionais.

A iniciativa do projeto Observatório de Remoções está sendo desenvolvida pelos laboratórios já mencionados, em parceria com o LABJSV (Laboratório Justiça Socioambiental e Populações Vulneráveis), da UFABC, na capital e na região do ABC.

Por que mapear remoções? – Grandes projetos de infraestrutura viária e de mobilidade, centros comerciais, parques públicos, operações urbanas e equipamentos esportivos, ou mesmo projetos de contenção e redução de riscos ambientais, quando implementados, ocultam diversos impactos sociais, o que pode nos fazer pensar que foram erguidos sobre vazios urbanos.

Esses espaços, no entanto, não eram vazios. Pelo contrário, são carregados de histórias das pessoas e de suas famílias que, removidas de seus locais de moradia (favelas, cortiços, loteamentos precários, ocupações etc.), forçosamente abrem o espaço, até então por elas habitado, para que esses empreendimentos possam ser viabilizados, valorizando regiões da metrópole.

A avaliação dos impactos sociais dos deslocamentos, contudo, sequer é considerada como uma externalidade negativa decorrente da implementação de projetos em grande escala, como deveria. Exemplos práticos desse entendimento são os processos públicos de licenciamento que não dão conta dos efeitos sociais decorrentes da remoção de centenas ou milhares de famílias para a implantação de uma grande obra.

O processo de remoção é marcado, no mais das vezes, pela desinformação, pela violação de direitos e pela tentativa de desmobilização do grupo de moradores que em geral busca, legitimamente, alternativas de resistência. Entre as estratégias de desmobilização utilizadas pelos empreendedores destacam-se a falta de informação sobre o processo e o não reconhecimento das ocupações, favelas, loteamentos e comunidades como coletividades, muitas vezes por meio de informações e atendimentos desencontrados entre famílias que vivem no mesmo território.

Em geral, a notícia da remoção chega à ocupação por vias informais e pouco confiáveis: pelo boato, pela imprensa, marcada por informações inconsistentes e imprecisas dos agentes púbicos, que nem sempre explicam as causas materiais da remoção – a obra urbanística, a contenção do risco, a proteção ambiental –, como também não dão conta de esclarecer as causas formais e processuais da remoção, como a ordem judicial, a desapropriação, o licenciamento, o laudo pericial, entre outros elementos.

A informação fragmentada e incompleta, a indefinição de papéis e atribuições do poder público em um processo que implica a remoção de famílias – não importam quantas – é uma das mais graves violações de direitos. A falta ou precariedade de informação constitui-se como importante entrave ao empoderamento dos envolvidos e, consequentemente, os enfraquece na disputa pelo território através de planos alternativos ou por melhores condições de remoção, isto é, com o menor rompimento possível de vínculos com o lugar da moradia e com a garantia de efetivação de outros direitos.

Vale acrescentar que os procedimentos são distintos a depender do empreendedor – se público, privado ou parceria público-privada (PPP). Tais procedimentos, que atendem a interesses distintos, nem sempre resultam no conhecimento da posse ocupada pela moradia; tampouco reconhecem sua justa indenização.

As ocupações urbanas são também objetos de nosso mapeamento. Convergente com a disputa pelo solo urbano e a especulação sobre o valor dos aluguéis, que ocasionou um massivo número de despejos individuais, é notório o aumento do número de ocupações compostas por famílias que não mais conseguem pagar o aluguel. Nesse contexto, percebemos também o agravamento no tratamento dispensado pelo poder Judiciário, que se nega ao debate sobre a função social da propriedade e delega à polícia militar a tarefa do despejo forçado, marcado pela violência e pelo autoritarismo.

Em junho deste ano, aliás, pelas coalizões de movimentos de moradia que atuam em São Paulo, foi apresentada ao poder público municipal, estadual e também ao Judiciário uma lista com mais de 40 ocupações de grupos de sem-teto na capital, sobretudo no centro, exigindo a abertura de diálogo e o atendimento habitacional.

O Observatório de Remoções – O projeto está estruturado a partir de quatro frentes de trabalho: ações colaborativas, mapeamento, articulação e multiplicação de metodologia. As ações colaborativas e de mapeamento serão realizadas na cidade de São Paulo e na região do ABC, mas as atividades de articulação e multiplicação de metodologias ultrapassam esse recorte territorial, visando compartilhar iniciativas, fomentar pesquisas e contribuir com políticas públicas locais e regionais.

Está em fase de produção uma plataforma de mapeamento colaborativo destinada a receber denúncias e informes de remoções, que será hospedada no site do Observatório:observatorioderemocoes.com/mapeamento-participativo.

Projetada para receber informações de forma simples e prática, a plataforma é voltada a denúncias tanto de moradores e líderes comunitários atingidos por remoções quanto de advogados, movimentos de luta por moradia ou qualquer pessoa que deseje colaborar. A partir do mapeamento atualizado das ocupações, favelas, loteamentos e comunidades em situação de ameaça ou iminência de remoção, será possível a realização de estudos e análise crítica, divulgação da situação ou até mesmo a formulação de planos alternativos para negociação e resistência. Enquanto a plataforma está sendo elaborada, divulgamos no mesmo endereço o mapeamento que vem sendo realizado pelos pesquisadores do Observatório.

Como mencionado, um dos objetivos do Observatório de Remoções é o apoio às ocupações atingidas por remoções e despejos forçados para compreensão dos seus impactos, tendo em vista a perspectiva de defesa dos direitos e o diálogo com as demandas dos moradores dentro dos processos de resistência, junto aos movimentos sociais que já atuam nesses espaços. Esperamos que esse processo facilite também a interlocução entre os moradores, para que os espaços e momentos de resistência encontrem canais de diálogo mais fluidos e alternativos por toda a cidade. Entendemos como forma de resistência a compreensão dos direitos, a construção de alternativas de projetos urbanísticos e o fim dos processos autoritários e especulativos que encobrem violações de direitos sociais, fragilizam as famílias e facilitam as remoções.

Esperamos mapear e denunciar violações de direitos em processos e ameaças de remoções, tornando públicas e visíveis as ações dos diversos atores envolvidos, como maneira de contribuir para uma análise crítica e coletiva sobre as formas de viver e estar na cidade, os procedimentos do Estado e as políticas públicas habitacionais e urbanas.

*O Observatório de Remoções é um projeto de pesquisa-ação coordenado pelas professoras Raquel Rolnik (LabCidade FAUUSP), Karina Leitão (LabHab FAUUSP), e pelo professor Francisco Comaru (LABJSV UFABC). Saiba mais no site do projeto.

Honduras e a saga das cidades privadas

Alguns de vocês podem lembrar que comentamos aqui no blog no ano passado o “negócio” do governo de Honduras com uma empresa norte-americana para a construção de “cidades modelo” no país. O acordo – consolidado através de um projeto de lei aprovado no Congresso – permitiria a cessão de um pedação do território hondurenho pra a empresa construir, vender e gerir a cidade, definindo para isto inclusive uma legislação própria, distinta do conjunto do país. Depois de intensa polêmica e mobilização por parte de entidades e organizações contrarias ao projeto, em outubro do ano passado, a Suprema Corte hondurenha considerou o projeto inconstitucional por violar os princípios de soberania e integridade territorial.

Mas esse não foi o fim da história. Em dezembro, o Congresso Nacional hondurenho aprovou a destituição de quatro juízes da Suprema Corte e, no mesmo dia, o presidente do Congresso juramentou os quatro novos juízes que os substituiriam. A Relatora Especial da ONU para a independência do judiciário, Gabriela Knaul, questionou, em um press release, o motivo para a destituição desses juízes, argumentando que esse é um procedimento usado em casos de má conduta ou incompetência, e não deveria ser usado como represália contra juízes independentes.

Segundo notícias da imprensa hondurenha, essa destituição está diretamente relacionada à questão das cidades modelo. Os juízes destituídos foram exatamente aqueles que votaram contra as cidades privadas. Na semana passada, o Congresso apresentou e aprovou um novo projeto para construção dessas cidades, que inclui diversas modificações na Constituição nacional. De acordo com o advogado Óscar Cruz, responsável por conseguir a inconstitucionalidade da lei anterior, o projeto aprovado não é o mesmo, é pior: viola a organização territorial do Estado, a forma do governo, o marco jurisdicional do país e os direitos fundamentais dos habitantes. Além disso, não foram estabelecidos limites nem territoriais nem jurídicos para a aplicação das zonas das cidades modelo.

A aprovação do projeto no Parlamento gerou diversos protestos, e provavelmente será submetida à Suprema Corte mais uma vez. Contudo, com sua nova composição, as cidades modelo podem ser ratificadas e, finalmente, implementadas. O perigo das cidades privatizadas que ronda Honduras nada mais é do que a exacerbação de um modelo que se insinua em várias cidades do mundo, inclusive do Brasil; no qual a dimensão essencial do caráter público e universal da cidade e do papel do Estado em garanti-lo e promovê-lo é abandonado em nome de uma lógica pautada unicamente pela rentabilidade do negócio. Honduras pode ser a ponta de lança para que esse modelo atinja outros lugares do globo.

Marcelo Freixo, no Rio, e Patrus Ananias, em BH, para aprofundar o debate em torno do projeto de cidade no Brasil

Ontem me manifestei a respeito do momento político de São Paulo. Hoje gostaria de expressar minha posição em relação ao que está em jogo nas eleições municipais em duas outras importantíssimas cidades brasileiras: Rio de Janeiro e Belo Horizonte.

Estas duas cidades estão vivendo hoje um processo de crescimento e de transformação, com aumento muito significativo de recursos, inclusive públicos. Entretanto, é preciso refletir sobre qual modelo de cidade está sendo implementado no âmbito destas transformações. Tanto no Rio como em BH, os atuais prefeitos, Eduardo Paes (PMDB) e Márcio Lacerda (PSB), respectivamente, buscam um segundo mandato, usando para isso justamente a apresentação de suas ações na direção de implementar um determinado modelo de cidade.

Mas que modelo de cidade é esse? Trata-se de um modelo baseado no paradigma neoliberal que afirma a cidade competitiva, a cidade como um negócio, em que o mais importante é gerar empregos, empreendimentos, recursos. Esta cidade competitiva, infelizmente, se desenvolve desconstituindo direitos e retrocedendo do ponto de vista político e da cidadania.

Em Belo Horizonte, por exemplo, está havendo uma espécie de desmonte de uma experiência de gestão que avançou muito no passado com relação à participação popular, ao reconhecimento dos direitos de moradores de assentamentos informais, e a vários outros pontos da agenda da reforma urbana. Uma agenda que, no Brasil, ajudou a derrubar a ditadura e a construir a democracia.

É importante ressaltar que tanto em BH como no Rio a construção do projeto de cidade em curso não tem sido fruto de uma repactuação com os cidadãos. O processo de diálogo sobre o futuro da cidade tem sido feito predominantemente com o setor empresarial. Catapultado pela euforia do crescimento brasileiro e pela realização dos megaeventos esportivos, esse projeto, embora hegemônico, não é e não precisa ser consensual. Existem alternativas no cenário político que propõem outro modelo de cidade e recuperam as lutas históricas que nos trouxeram ao momento em que nos encontramos.

No Rio de Janeiro, Marcelo Freixo (PSOL) é sem dúvida essa alternativa. Em sua atuação exemplar como liderança da sociedade civil e depois como parlamentar, ele já provou de que lado está. Não teme enfrentar interesses políticos e econômicos poderosos, não acha que os fins justificam os meios, já mostrou competência, capacidade de ação e de liderança.

Em Belo Horizonte, Patrus Ananias (PT) é um nome cuja trajetória, inclusive dentro do PT, é de questionamento da geleia geral da política. Teve atuação importante à frente da Prefeitura de BH (1993-1997) e, depois, do Ministério do Desenvolvimento Social do Governo Lula, representando hoje uma alternativa para a cidade no sentido da recuperação de sua agenda na defesa dos direitos da população.

Para você que ainda tem alguma dúvida, votar em Marcelo Freixo, no Rio de Janeiro, e em Patrus Ananias, em Belo Horizonte, é no mínimo levar as eleições para um segundo turno e permitir que estes projetos de cidade tenham a chance de ser mais debatidos.

* Em tempo: Em Belém, o ex-prefeito Edmilson Rodrigues (PSOL), que fez uma gestão brilhante da cidade, tem chances de ser eleito no primeiro turno. Yes!

Saiba mais sobre os candidatos:

Marcelo Freixo 50

Patrus Ananias 13

Morre Neil Smith. Grande perda para os estudos urbanos…

Neste fim de semana tive a triste notícia do falecimento de Neil Smith, professor de Antropologia e Geografia da City University of New York. Ele foi o responsável por cunhar a expressão “gentrification” para designar os processos de valorização imobiliária e expulsão dos moradores originais nas experiências de renovação de áreas centrais.

Este fenômeno começou a ocorrer no final dos anos 1970, em várias cidades do mundo, no âmbito dos processos de globalização e de transformação da gestão das cidades na era neoliberal, e os estudos do professor Neil Smith foram essenciais para compreendê-lo.

O fato é que o trabalho de Neil Smith acabou se tornando referência para uma geração inteira de pesquisadores sobre a questão urbana. Além disso, mais do que um pesquisador, ele também desenvolveu uma forte relação com os ativistas do direito à cidade não apenas nos EUA, mas no mundo, articulando a capacidade de pensar e refletir sobre a realidade com a possibilidade de agir sobre ela.

De sua obra, destaco o artigo seminal “Toward a Theory of Gentrification A Back to the City Movement by Capital, not People“, de 1979, publicado no Journal of the American Planning Association; e também o livro “New Urban Frontier: Gentrification and the Revanchist City”, de 1996, entre muitas outras.

Cidades privadas em Honduras: e se essa moda pega?

Na semana passada, o governo de Honduras assinou um acordo com uma empresa dos EUA para iniciar a construção das chamadas Regiões Especiais de Desenvolvimento. Na prática, o governo está entregando estas áreas para empresas transnacionais estrangeiras que nelas deverão construir “cidades modelo”, ou “charter cities”.

Trata-se de áreas “recortadas” do espaço institucional e político do país, convertidas em uma espécie de território autônomo — com economia, leis e governo próprios — totalmente implementado e gerido por corporações privadas. Idealizado por um pesquisador norte-americano, este modelo de cidade foi recusado por muitos países, inclusive pelo Brasil — Ufa! — antes de ser aceito em Honduras, através de uma mudança da Constituição aprovada em janeiro deste ano.

Organizações da sociedade civil, incluindo grupos indígenas cujos territórios podem estar inseridos nas zonas “liberadas”, vêm criticando o projeto, que consideram catastrófico, e já acionaram a Suprema Corte de Honduras, alegando inconstitucionalidade.

Versão extrema de um liberalismo anti-Estado e pró-mercado, o fato é que este modelo, na verdade, exacerba uma lógica privatista de organização da cidade, já presente em várias partes do Brasil e do mundo, como é o caso dos condomínios fechados, das leis de exceção vigentes sobre áreas onde se realizam megaeventos esportivos, dos modelos de concessões urbanísticas, entre outros exemplos possíveis.

A ilusão de uma sociedade sem Estado, teoricamente livre da burocracia, da corrupção e do abuso de poder, é na verdade a ditadura do consumo e do poder absoluto do lucro sobre a vida dos cidadãos. Imagina se essa moda pega…

Texto originalmente publicado no Yahoo!Blogs.

Fora das ruas e em lugar nenhum

A coluna Tendências/Debates da Folha de São Paulo traz na edição de hoje artigo assinado por Bruno Miragaia, Juliana Avanci e eu sobre o comércio ambulante nas ruas da cidade e as tentativas da Prefeitura de cassar a licença de trabalho de centenas de ambulantes em várias regiões. Confira abaixo.

TENDÊNCIAS/DEBATES

Fora das ruas e em lugar nenhum

Desde os anos 60 tentam tirar ambulantes da rua. O prefeito fortaleceu essa política. Vamos jogar essas pessoas vulneráveis na miséria e na marginalidade?

As ruas de São Paulo começaram a ser utilizadas para comércio ambulante a partir da transição do trabalho escravo para o trabalho livre, nos idos de 1850. A primeira norma municipal de regulação da atividade foi a lei 292/1969, sobre “o modo de fiscalizar os mercadores ambulantes”.

Tal atividade resistiu por mais de um século a todos os ciclos econômicos – e atravessou o tempo adquirindo características próprias até o cenário atual, que consolidou como referências nacionais redutos de comércio popular em bairros paulistanos, como o Brás, 25 de março, República, Sé, entre outros.

Os Termos de Permissão de Uso foram concedidos em São Paulo desde 1965 para ambulantes de plantas ornamentais e estendidos como reserva de mercado aos deficientes físicos em 1986. A primeira tentativa de extinção dos ambulantes na cidade foi tomada por Ademar de Barros em 1960 – que se viu obrigado a recuar da decisão, por pressão social.

Essa política regulatória busca propiciar o desenvolvimento urbano e econômico local, criando oportunidades para geração de trabalho e renda, em especial aos trabalhadores mais vulneráveis, como idosos, deficientes e pessoas com baixa escolaridade, que têm menores chances de obter rendimentos de outra forma.

Desde 2009, a Prefeitura de São Paulo intensificou a (des)política de extinguir o comércio ambulante existente há décadas na cidade.
Sem qualquer planejamento de oferta de outras oportunidades e nenhum debate público, os pontos de comércio são extintos e os ambulantes removidos. O prefeito anuncia, às vésperas do fim do mandato, a construção de shoppings populares nas periferias, sem demonstrar qualquer previsão orçamentária, terrenos disponíveis ou mesmo projetos e estudos dos locais. Tampouco há qualquer participação popular na tomada dessas decisões.

Diante do risco à ordem socioeconômica, a Justiça determinou no dia 4 de junho a paralisação das remoções, tendo como fundamento:

– Falta de participação popular;
– Indícios de que a Constituição e as leis foram ignoradas;
– Que a decisão do prefeito é desproporcional e desarrazoada;
– Ausência do devido planejamento urbano;
– Indícios de ilegalidade quanto ao direito de defesa;
– Ilegalidade por falta de prévia oitiva das comissões permanentes de ambulantes, entre outros.

Essa decisão foi confirmada em 27 de julho por 22 dos 25 desembargadores do Órgão Especial do Tribunal de Justiça. Isso demonstra que a manutenção dos ambulantes legalizados há décadas na cidade se mostra indispensável até que o município apresente uma alternativa concreta, urbanística, socialmente defensável e aberta ao debate público, ainda que com reassentamento alternativo. Isso irá evitar o rompimento da atividade comercial, desemprego, miséria e marginalização.

Como bem afirmado pelos desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo, a cidade de São Paulo ainda é uma “Berlíndia” (uma mistura de Bélgica com Índia), o que exige que a Justiça garanta o direito de todos, em especial dos mais vulneráveis, a uma cidade justa e, de fato, heterogênea.

RAQUEL ROLNIK, 55, é urbanista e professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP
BRUNO MIRAGAIA, 33, é defensor público de São Paulo
JULIANA AVANCI, 30, é advogada do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br

Vila Autódromo: um bairro marcado pra viver

Compartilho abaixo um manifesto do Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas do Rio de Janeiro sobre a Vila Autódromo, uma das comunidades ameaçadas de remoção no contexto da preparação da cidade para os megaeventos. Para assinar o manifesto, clique aqui.

Vila Autódromo: um bairro marcado para viver

Por COMITÊ POPULAR DA COPA E DAS OLIMPÍADAS DO RIO DE JANEIRO

Foto: Dario de Dominicis / Agência Olhares

“Desde o anúncio da realização da Copa e das Olimpíadas no Brasil, os moradores da Vila Autódromo se tornaram alvo de ameaças de remoção. Não é a primeira vez. Esta comunidade está situada em zona que, com o processo de expansão da cidade, tornou-se alvo da cobiça de especuladores e grandes construtoras. Seus moradores aprenderam a resistir, afirmando seu direito à moradia diante do poder do mercado imobiliário aliado aos sucessivos governos.

A ocupação da Vila Autódromo é legal, resultado de décadas de organização dos moradores para a urbanização do bairro. O direito à moradia é garantido pela Constituição Federal, e expresso na Concessão de Direito Real de Uso dada a moradores da comunidade pelo Governo do Estado.

Na preparação dos Jogos Panamericanos, a Prefeitura condenou o bairro à morte. A resistência dos moradores mostrou que na cidade democrática instalações esportivas podem conviver com moradia social. Anunciadas as Olimpíadas no Rio de Janeiro, veio nova condenação: a comunidade ameaçaria a segurança dos atletas. Rapidamente veio a público que a Vila Autódromo é um dos poucos bairros populares da cidade que não está submetido a traficantes ou milícias. Não hesitaram em inventar um argumento ecológico, alegando a necessidade de remoção para preservar as margens da Lagoa de Jacarepaguá. Os moradores mostraram que é possível a recuperação ambiental, sem destruir as casas.

A Prefeitura mentiu novamente ao dizer que a remoção é fundamental para os Jogos Olímpicos: o projeto vencedor de concurso internacional para o Parque Olímpico manteve a comunidade. Em mais uma tentativa, apresentou um projeto viário, alterando a rota da Transcarioca já em obras (e com várias irregularidades no licenciamento ambiental), somente para passar por cima da comunidade. Com a mudança constante de pretextos, a Prefeitura pretende legitimar a remoção de 500 famílias, e a cessão, para o consórcio privado Odebrecht-Andrade Gutierres-Carvalho Hosken, de uma área de 1,18milhões de m2, dos quais 75% serão destinados à construção de condomínios de alta renda.

Como alternativa à injusta, injustificável e ilegal tentativa de remoção, a Associação de Moradores da Vila Autódromo elaborou o Plano Popular da Vila Autódromo, com a assessoria técnica de especialistas. O Plano é técnica e socialmente viável, e garante condições adequadas de moradia e urbanização. É uma realização da cidadania. Na Grécia antiga onde nasceram as Olimpíadas, eram banidos das cidades os tiranos, e não os cidadãos. Estes reuniam-se na praça pública, a Ágora, para decidir seus destinos e os destinos de suas cidades. Que o espírito olímpico reine na cidade maravilhosa. Que a Vila Autódromo, as comunidades e bairros ameaçados de remoção e toda a população da cidade participem das decisões.

A campanha pela sobrevivência da Vila Autódromo é uma luta de seus moradores, mas é também, e sobretudo, uma luta de todos por uma cidade justa e igualitária. Nos últimos meses, milhares de famílias foram compulsoriamente removidas ou estão ameaçadas em nome da Copa do Mundo e das Olimpíadas: Restinga, Vila Harmonia, Largo do Campinho, Rua Domingos Lopes, Rua Quáxima, Favela do Sambódromo, Morro da Providência, Estradinha, Vila Recreio 2, Belém-Belém, Metrô Mangueira, Arroio Pavuna.

Convidamos todos os cidadãos e cidadãs a dizer: PAREM AS REMOÇÕES! Apelamos à sensibilidade e responsabilidade das autoridades governamentais, da Prefeitura do Rio de Janeiro, da FIFA e do Comitê Olímpico Internacional para que as medalhas entregues aos atletas da Copa do Mundo 2014 e dos Jogos Olímpicos 2016 não sejam cunhadas com o sofrimento e a dor de milhares de famílias expulsas de suas casas e de suas vidas”.

Viva a Vila Autódromo!
Vivam todas as comunidades populares da Cidade do Rio de Janeiro!

PARA TER ACESSO AO MANIFESTO E PARTICIPAR ASSINANDO CLIQUE NO LINK ABAIXO:
http://www.portalpopulardacopa.org.br/vivaavila/index.php/manifesto

Questão urbana ganha espaço semanal na Carta Maior

A Carta Maior acaba de inaugurar em seu portal uma seção semanal para discutir temas relacionados à questão urbana. O espaço está sendo coordenado pela professora Ermínia Maricato, que abre a seção com o artigo “Cidades-Urgente: colocar a questão urbana na agenda nacional”, que reproduzo abaixo.

Cidades-Urgente: colocar a questão urbana na agenda nacional

Enchentes, desmoronamentos com mortes, congestionamentos, crescimento exponencial da população moradora de favelas (ininterruptamente nos últimos 30 anos), aumento da segregação e da dispersão urbana, desmatamentos, ocupação de dunas, mangues, APPs (Áreas de Proteção Permanente) APMs (Áreas de Proteção dos Mananciais), poluição do ar, das praias, córregos, rios, lagos e mananciais de água, impermeabilização do solo (tamponamento de córregos e abertura de avenidas em fundo de vales), ilhas de calor… e mais ainda: aumento da violência, do crime organizado em torno do consumo de drogas, do stress, da depressão, do individualismo, da competição. As cidades fornecem destaques diários para a mídia escrita, falada e televisionada. A questão urbana ocupa espaço prioritário na agenda política nacional. Certo?

Muito longe disso, a questão urbana está fora da agenda política nacional.

As conquistas institucionais nos anos recentes não foram poucas: promulgação do Estatuto das Cidades, aprovação dos marcos regulatórios do saneamento, dos resíduos sólidos, da mobilidade urbana, aprovação de uma enxurrada de Planos Diretores, criação do Ministério das Cidades, retomada das políticas de habitação e saneamento após décadas de ausência do Estado. No entanto, a crise urbana está mais aguda do nunca. Por que?

Numa sociedade persistentemente desigual as cidades não poderiam expressar o contrário. Mas há algo nas cidades que é central e ignorado. Trata-se do poder sobre o “chão”, ou seja, o poder sobre como se dá a produção e a apropriação do espaço físico. De todas as mazelas relacionadas acima, a primeira parte tem a ver com o “espaço urbano” ou com as formas de uso e ocupação do solo, essa evidência que nos cerca no cotidiano das cidades, mas que está oculta para Estado e sociedade. Assim como no campo, a terra urbana (pedaço de cidade) é o nó na sociedade patrimonialista.

A importância do espaço urbano como ativo econômico e financeiro escapa à percepção da maior parte dos urbanistas, engenheiros e economistas no Brasil (exceto dos que trabalham para o capital imobiliário). O valor da terra e dos imóveis varia de acordo com as leis ou investimentos realizados nas proximidades. Poderosos lobbies atuam sobre os orçamentos públicos dirigindo os investimentos e os destinos das cidades. Trata-se do que os americanos, Logan e Molotch, chamaram de “máquina do crescimento”: a reunião de interessados na obtenção de rendas, lucros, juros e… recursos para o financiamento de campanhas, acrescentamos nós. O planejamento urbano é o fetiche que encobre o verdadeiro negócio. É comum que um conjunto de obras contrarie o Plano Diretor. O mais frequente é vermos obras sem planos e planos sem obras.

O governo federal retomou as políticas de habitação e saneamento e se propõe a retomar a política de mobilidade urbana após décadas de ausência promovida pelo ideário neoliberal. Mas a retomada desses investimentos sem a reforma fundiária e imobiliária urbana (de competência municipal) traz consequências cruéis como a explosão dos preços dos imóveis. Durante os 50 anos em que urbanistas e movimentos sociais defenderam a Reforma Urbana, a exclusão territorial foi foi reinventada pelos que lucram com a cidade como ocorreu durante o período do BNH.

Ao contrário de um desenvolvimento socialmente justo e ambientalmente equilibrado, um dinâmico crescimento imobiliário reproduz características históricas de desigualdade e predação ambiental que, somadas ao grande número de carros que entopem a cada dia os sistemas viários, apontam para um rumo de consequências trágicas. Este tema deveria ocupar um lugar central na Rio +20.

Pesquisas recentes da USP ampliaram o conhecimento sobre o número de patologias causadas, na RM de São Paulo, pela poluição do ar, do som, ou pelos congestionamentos de tráfego: doenças cardíacas, transtornos mentais, ansiedade, depressão, estresse. O tempo médio das viagens diárias está próximo das 3 horas, sendo que para um terço da população passa disso. 30% das famílias são chefiadas por mulheres que após a jornada de trabalho chegam em casa e têm que dar conta dos filhos e do serviço doméstico. Tanto sofrimento exigiria repensar a prioridade dada ao automóvel em detrimento do transporte coletivo. Deve haver outras formas de criar empregos e aumentar o PIB sem gerar tal irracionalidade (do ponto de vista social e ambiental) urbana.

Os megaeventos (Copa, Olimpíadas) acrescentam alguns graus nessa febre. Por isso, os despejos de comunidades pobres que estão (e sempre estão) no caminho das grandes obras está ganhando dimensões não conhecidas até agora.

Embora a agenda social tenha mudado nos últimos 9 anos favorecendo ex-indigentes e miseráveis (bolsa família, pró-uni, crédito consignado, aumento do s.m.), embora as obras urbanas se multipliquem a partir do PAC e do MCMV, ambos por iniciativa do governo federal, as cidades pioram a cada dia.. Distribuição de renda não basta para termos cidades mais justas, menos ainda a ampliação do consumo pelo aumento do acesso ao crédito. É preciso “distribuir cidade”, ou seja, distribuir terra urbanizada, melhores localizações urbanas que implicam melhores oportunidades. Enfim, é preciso entender a especificidade das cidades onde moram mais de 80% da população do país e representam algumas das maiores metrópoles do mundo.

A Carta Maior ofereceu um espaço semanal para dar à questão urbana o lugar que lhe deveria caber na agenda política nacional. Na próxima semana leremos alguns dos mais informados e experientes profissionais e estudiosos de políticas urbanas no Brasil, que, além dessas virtudes, se classificam como ativistas de direitos sociais e justiça urbana.

Para seguir a trilha do desenvolvimento urbano, e não apenas crescimento urbano, revertendo o rumo atual, há conhecimento técnico, há propostas, há planos, há leis e até mesmo experiência profissional acumulada no Brasil. Ainda que no espaço de uma sociedade do capitalismo periférico ou “emergente”, como quer o main stream, é possível diminuir um pouco as selvagens relações sociais, econômicas e ambientais que vivemos nas cidades. Antes de apresentar propostas, que são rapidamente repetidas para serem também rapidamente esquecidas, é preciso mostrar porque a formulação de propostas, planos e leis não bastam. A questão é essencialmente política. É preciso mostrar a lógica do caos aparente, ou seja, a lógica dos que ganham com tanto sofrimento e suposta irracionalidade. As próximas eleições se referem ao poder local, ao qual cabe a competência sobre o desenvolvimento urbano de acordo com a Constituição Federal. Esperamos colaborar para diminuir o analfabetismo urbanístico e cobrar dos candidatos a prefeitos e vereadores maior conhecimento e compromisso com a justiça urbana.

(*) Erminia Maricato, arquiteta-urbanista, professora titular aposentada da FAU USP e professora da UNICAMP, é responsável por esta seção.

Financiamento de campanha: para além do champanhe em Paris

O jornalista Leonardo Sakamoto publicou hoje em seu blog uma reflexão sobre o financiamento de campanhas políticas por construtoras e empreiteiras. Diz ele: “Após cada eleição, os veículos de comunicação divulgam levantamentos mostrando que a maior parte dos parlamentares recebeu dinheiro de construtoras para suas campanhas. Receber doação não é ilegal, mas quem acredita que tamanho investimento foi feito à toa por essas empresas?”.

O texto do Sakamoto é interessante porque lança luz sobre um lado do problema que pouco aparece nas notícias relacionadas a superfaturamento de obras e desvios de dinheiro público, geralmente focadas exclusivamente na existência de “políticos corruptos”, quase nunca nos benefícios empresariais envolvidos no negócio. O caso da empresa Delta, atualmente em pauta, é um dos primeiros em que a empreiteira também se encontra no foco da história.

Isso é importante porque a discussão sobre o modelo de financiamento de campanha e a relação entre este financiamento e as decisões sobre as obras públicas torna-se extremamente reducionista quando trabalhamos com a ideia de que o único problema deste modelo é a corrupção, sem levar em consideração o que isso significa no âmbito empresarial e do processo decisório que define o que vai ou não ser executado como obra pública e por quem.

As consequências disso, a meu ver, vão muito além dos aspectos éticos, que, embora relevantes, estão longe de ser o xis da questão. Se uma obra é superfaturada para encher o bolso de alguém que vai andar de jatinho e beber champanhe em Paris com nosso dinheiro, é péssimo. Mas a configuração do território em que vivemos, profundamente afetada pelas obras que são executadas sob este modelo, afeta a vida de todos, talvez para sempre! As decisões relacionadas a estas obras não podem, portanto, ser tomadas apenas para atender interesses particulares de algumas empresas.

“Políticas Públicas e Direito à Cidade” é tema de publicação do Observatório das Metrópoles

O Observatório das Metrópoles lançou, recentemente, o Caderno Didático Políticas Públicas e Direito à Cidade, voltado à formação de agentes sociais e conselheiros municipais.

Os artigos apresentados na publicação estão divididos em quatro módulos: Democracia e Políticas Públicas; Reforma Urbana e Direito à Cidade; Conflitos Urbanos e Estratégias de Exigibilidade do Direito à Cidade; e Políticas estratégicas na Baixada Fluminense.

O objetivo do caderno, segundo os organizadores, é “contribuir para a formação de agentes sociais e conselheiros municipais, de modo a fortalecer os canais de participação social, em especial, os conselhos das cidades, enquanto esferas de interação entre o poder público e a sociedade organizada.”

Para baixar a publicação na íntegra, clique aqui.

Por que nossas cidades continuam tão precárias?

Não obstante os sucessos da política econômica e as promessas da descentralização e do Estatuto das Cidades, as marcas de um modelo de desenvolvimento urbano excludente e predatório continuam presentes em várias dimensões do processo de urbanização brasileiro.

Eu e Jeroen Klink, professor da Universidade Federal do ABC, discutimos recentemente, em artigo publicado na edição 89 da Revista Novos Estudos, alguns dos obstáculos que têm incidido sobre a capacidade da rede urbana brasileira de responder ao desafio de ampliar o direito à moradia e à cidade para o conjunto de moradores.

Para baixar o artigo, clique aqui.