FAUUSP 70 anos: a arquitetura, o urbanismo e o design brasileiros

Na semana passada, foi inaugurada a exposição FAU 70 anos no Centro Cultural Maria Antonia que registra e celebra a trajetória da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP). Nela, é possível acompanhar uma linha do tempo que vai da criação da escola, em 1948, até os dias de hoje, ressaltando momentos marcantes deste percurso. A linha inicia com o período de funcionamento da escola na Vila Penteado, um palacete residencial localizado no bairro de Higienópolis, projetado no início do século XX e doado à USP nos anos 1930. Ali foi criado um curso de arquitetura e urbanismo a partir da combinação da tradição da engenharia politécnica e das belas artes. A história continua com a mudança do curso para a Cidade Universitária, em 1969, para ocupar o edifício de autoria de Vilanova Artigas que, ao mesmo tempo, era uma escola e um projeto de ensino. A linha do tempo também ressalta as reformas curriculares de 1962 e 1968, que definiram projeto pedagógico presente até os dias de hoje, no qual a arquitetura se define como espaço intelectual de convergência das artes, das humanidades e das técnicas. Esta estrutura curricular incorporou, progressivamente, e de forma pioneira o ensino do urbanismo, do desenho industrial, da programação visual e do paisagismo.

O relato também percorre os anos 1970, quando é criada a pós-graduação em arquitetura e urbanismo, cujo programa de doutorado foi o primeiro e até 1998, o único nesta área no Brasil . Os anos 1970 foram também marcados por uma intensa atividade de resistência cultural e política contra a ditadura militar – que tem na enorme fotografia do Salão Caramelo inteiramente tomado por uma assembleia estudantil seu ícone mais forte. A exposição também destaca a expansão e consolidação dos espaços de pesquisa nos anos 1980; a construção de um edifício anexo para abrigar os laboratórios de modelos e ensaios, gráfica e audiovisual, e a construção de um canteiro experimental, que, nos anos 1990, concluem não apenas o conjunto de edificações, mas também o de práticas de ensino na escola. Já neste século a criação do curso de graduação em design e, posteriormente, de sua pós-graduação, bem como a implementação do primeiro programa de residência em urbanismo e a introdução das cotas para alunos de escolas públicas, pretos, pardos e indígenas,completam esse panorama.

Percorrer o espaço da exposição é entrar em contato com uma produção ampla e diversa, “da colher à cidade”, como definia Walter Gropius a proposta de ensino da Bauhaus, uma das fontes de inspiração do modelo de ensino da FAU: a busca por uma formação que permita a atuação em várias escalas e suportes.Uma formação humanista, com amplo espaço para a experimentação artística e a busca por excelência acadêmica.

Para além da produção individual de seus professores, alunos e ex-alunos – reconhecidamente profícua e diversa –, nestes 70 anos a FAU se destaca por sua contribuição fundamental à produção de conhecimento e a própria configuração dos campos da arquitetura, do urbanismo e do design brasileiros. Uma dessas contribuições, particularmente, foi a associação de uma escola, no sentido prático de um estabelecimento de ensino, com uma “escola”, corrente de pensamento dentro da arquitetura. Trata-se da chamada Escola Paulista ou Brutalista de Arquitetura Moderna, grupo de arquitetos e pensadores da arquitetura brasileira que constituiu, a partir dos anos 1950, um movimento no interior do modernismo. O prédio da FAU, projetado por Vilanova Artigas, no campus Butantã da USP, é uma das principais expressões e inspirações dessa escola.

Mas, talvez, uma das características mais relevantes da FAU seja sua enorme capacidade de renovação e reinvenção no presente. Não se trata, portanto, de um movimento “do passado”, do extinto século XX, com suas promessas de modernidade, mas de um léxico – e também, eu diria, de uma ética que se reatualiza diante dos desafios do presente.

Para além dos elementos construtivos e de linguagem, quero chamar a atenção aqui para outra característica central da Escola Paulista: a relação da arquitetura com o urbanismo ou do edifício com o lote e a cidade. A reflexão e debate sobre cidade – e seu planejamento – está presente desde o projeto inicial de criação da FAU com a proposta de organização de um Centro de Pesquisas e Estudos Urbanísticos (CEPEU), instalado em 1955 e dirigido por Anhaia Melo entre 1957 e 1961. Até o início dos anos 1970, quando foi extinto, o CEPEU mantinha um vinculo com o projeto acadêmico da escola mas também envolveu-se em assessorias diretas para municípios paulistas. A extinção do CEPEU marca o fim da existência de um escritório de planejamento urbano dentro da escola, mas de forma alguma elimina a presença da FAU nas discussões, elaboração – e implementação – de políticas públicas –e forma que sua trajetória é indissociável da história do planejamento urbano e das políticas habitacionais na cidade de São Paulo e no Brasil.

Também destaco, na trajetória da FAU, a própria constituição de um pensamento no campo do design e de seu ensino, que tem suas origens no início dos anos 1960 no Brasil, com a criação da Escola Superior de Desenho Industrial no Rio de Janeiro, mas também com a introdução dos então denominados cursos de “desenho industrial” dentro da grade curricular obrigatória na FAUUSP. Decisão estratégica tomada na reforma curricular de 1962, os professores de DI, pioneiros e autodidatas, investiram em suas próprias especializações fora do país para poder oferecer esta formação na escola.

Poderiamos apontar ainda varias outras decisões estratégicas tomadas pela escola – como a criação da sequencia de paisagismo, o investimento na estruturação da pesquisa acadêmica através da organização de laboratórios e grupos de pesquisa, a incorporação de um espaço de experimentação de processos construtivos. Estes são apenas alguns elementos que não apenas mesclam a história da FAUUSP com a própria história da arquitetura, urbanismo e design brasileiros como também desafiam a septuagenária FAUUSP a se reinventar – como o fez , em diversos momentos, com a participação de docentes, discentes e funcionários , sem jamais perder sua raiz humanista, pluralista, e profundamente comprometida com a cidade e o país.

 

Esse assunto foi tema da minha coluna “Cidade para Todos”, na Rádio USP. Ouça aqui. 

O Lado B da política habitacional do município de São Paulo

Ao longo da última década, o setor habitacional do município de São Paulo foi crescentemente se estruturando e avançou em vários aspectos, como por exemplo, na produção de um cadastro de todas as favelas e loteamentos irregulares, disponível online (HABISP); na contratação de projetos específicos  para a realização de cada intervenção nos assentamentos precários e para a construção de conjuntos habitacionais, e, especialmente, na elaboração de um Plano Municipal de Habitação, que trata do tema no longo prazo, a partir de uma leitura da situação atual, contendo metas, recursos etc.

Entretanto, existem aspectos dessa política habitacional que ainda precisam avançar muito mais e já dispomos de instrumentos jurídicos e urbanísticos na cidade para isso. Um dos aspectos que mais preocupa são as remoções. Milhares de famílias estão sendo removidas em função de projetos de infraestrutura, realocação de áreas de risco, e até mesmo no âmbito da urbanização de favelas. Porém não existem informações e transparência nestes processos nem para as famílias atingidas, nem para o público em geral. Além disso, não há uma base de dados que informe quantas famílias são removidas, para onde são conduzidas, qual o volume de recursos destinado a estas família, quantas recebem bolsa aluguel, por quanto tempo, qual o prazo entre a atenção emergencial da bolsa e a solução definitiva… Enfim, nada disso está disponível.

Tanto na USP como na Relatoria da ONU para o Direito à Moradia Adequada, recebemos muitas notícias e denúncias de remoções forçadas. Foi pensando na necessidade de dar visibilidade a estes processos que os Laboratórios de Direito à Cidade (Lab Cidade) e de Habitação e Assentamentos Humanos (Lab Hab) da FAU USP, em parceria com a Defensoria Pública do Estado de São Paulo, o SAJU da Faculdade de Direito da USP, o Escritório Modelo da PUC SP, o Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos, e movimentos de moradia como a CMP, a UMM e FLM, se uniram para desenvolver o Observatório das Remoções, que será lançado nesta quinta-feira (27), às 17h, no auditório da Defensoria Pública do Estado de São Paulo. Leia aqui o convite.

Na ocasião, serão apresentados os primeiros resultados do mapeamento realizado a partir de informações veiculadas na imprensa, coletadas em pesquisas realizadas nos laboratórios envolvidos no projeto, e também a partir de denúncias recebidas pela Defensoria Pública e pela Relatoria Especial da ONU para o Direito à Moradia Adequada.

Outro importante evento acontece hoje, às 19h, na Câmara dos Deputados. Trata-se de um debate sobre duas propostas de substitutivo ao Plano Municipal de Habitação, uma elaborada pelo Executivo, outra pela bancada do Partido dos Trabalhadores (PT). Além das questões sobre as alterações no zoneamento da cidade que já comentei aqui no blog, também está em jogo neste debate o tema das remoções, infelizmente ausente do PMH. É fundamental que esta questão seja inserida neste debate, de forma clara, já que este é um dos pontos frágeis do Plano.

Serviço:

Debate substitutivos ao PMH
Dia 25/9, às 19h
Local: plenário da Câmara Municipal

Lançamento Observatório das Remoções Forçadas
Dia 27/9, às 17h
Local: auditório da Defensoria Pública do Estado de São Paulo
Clique aqui para mais informações.

Plano Diretor participativo da FAUUSP será lançado nesta terça

Nesta terça-feira, dia 27, acontecerá o lançamento da publicação do Plano Diretor Participativo da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (FAUUSP), com uma mesa redonda, às 16h30, no auditório da faculdade. O objetivo do plano, previsto para o período 2011-2018, é orientar as intervenções que ocorrerão nos edifícios que a escola ocupa, envolvendo projetos de reforma, restauro, construção e adequação.

Desde 2009, com base na metodologia de construção dos planos diretores participativos de nossas cidades, a FAU vem construindo o seu Plano Diretor, através de um processo participativo que envolve alunos, professores e funcionários. Um conselho curador dos espaços da escola, tripartite, formado e dirigido paritariamente pelos três segmentos, vem coordenando todo o processo.

A proposta do Plano Diretor da FAU foi consolidada em junho do ano passado, num fórum que reuniu todos os segmentos da faculdade, incluindo ex-alunos, ex-professores e ex-funcionários. Posteriormente, a proposta foi referendada pela Congregação da escola e consolidada na publicação que será apresentada e distribuída amanhã.

Nosso próximo passo é a implementação do Plano Diretor, que depende agora da realização de um concurso para a elaboração de um Plano de Massas, isto é, um plano que transformará as diretrizes do Plano Diretor em propostas concretas para os espaços da faculdade. Qualquer equipe poderá concorrer. A única exigência é que as equipes sejam coordenadas por um membro da comunidade FAU (estudante, funcionário ou professor, ou ex-estudante, ex-funcionário ou ex-professor). O edital do concurso será apresentado amanhã e o processo final de escolha das propostas também será participativo.

Outra ação necessária é a implementação de um Escritório-Oficina Técnico-Acadêmico, que terá como objetivo aproximar todos os processos de reforma e restauro dos prédios da FAU das experiências didáticas e acadêmicas de ensino. Uma equipe de transição já foi formada e uma reflexão sobre as primeiras experiências também serão apresentadas amanhã.

Uma importante ação prevista no Plano Diretor da FAU, que já está sendo colocada em prática, é a introdução do tema das reformas e intervenções nos espaços da FAUUSP nas disciplinas da faculdade. Neste semestre, já está sendo oferecida uma optativa com este objetivo.

Amanhã, portanto, teremos um momento especial para debater a implementação do Plano Diretor. A participação da comunidade FAU, mais uma vez, será muito importante.