A Cidade é Nossa com Raquel Rolnik #28: Pegadinhas do mercado imobiliário

Em um vídeo recente, Atila Iamarino discutiu a origem do boom de varandas gourmet na cidade de São Paulo. Mais importante do que o Plano Diretor de 2002 para a existência dessa e de outras características das formas de morar na capital, como os condomínios com áreas de lazer, foi a Fórmula de Adiron, adotada desde 1972 e em vigor até 2014. O mercado imobiliário encontra formas de burlar as restrições da lei e inventar produtos que se transformam em objetos de desejo e valorização. É sobre isso que fala o episódio 28 do “A Cidade é Nossa”, produzido por Raquel Rolnik e Amanda Mazzei, da equipe do LabCidade. Para ouvi-lo na sua plataforma de podcast favorita acesse: spotifyapple podcastsgoogle podcasts e overcast.

Nova Luz: Plano Urbanístico da Zeis de Santa Ifigênia é aprovado sob protestos da sociedade civil

Em uma conturbada votação na Prefeitura de São Paulo durante reunião do Conselho Gestor da Zeis (Zona Especial de Interesse Social) da Santa Ifigênia, foi aprovado, na noite de ontem, o Plano Urbanístico da Zeis-3, área da Santa Ifigênia inserida no Projeto Nova Luz. Metade dos conselheiros, todos da sociedade civil, ponderou na reunião que o desenvolvimento do documento era insuficiente para que se deliberasse sobre sua aprovação. Apesar dos apelos destes conselheiros para que a votação da minuta do Plano Urbanístico fosse adiada até que todas as questões pendentes fossem devidamente debatidas e esclarecidas, a coordenação do Conselho, consciente da maioria da Prefeitura no espaço, abriu o regime de votação e aprovou o documento do Plano.

Questões importantes que constam nas Diretrizes do Plano Urbanístico da Zeis-3 – aprovadas pelo mesmo Conselho –, como as garantias e os procedimentos de realocação dos atuais moradores da região na própria área de intervenção, sequer foram debatidas e sequer foram apresentadas propostas definitivas dentro do Plano aprovado. Muitas demandas e questionamentos levantados pela sociedade civil, desde a instalação do Conselho em junho de 2011, não foram discutidos ou contemplados pela versão votada ontem, que exclui termos acordados previamente entre Prefeitura e sociedade civil, sem qualquer justificativa.

Desde sua formação, há nove meses, o Conselho Gestor da Zeis-3 da Nova Luz tem sido o único espaço aberto à participação e deliberação ativa da sociedade civil para debate do projeto previsto para a região, apesar de a Zeis-3 incluir apenas 11 das 45 quadras do projeto. A pressão para aprovar o Plano Urbanístico o mais rápido possível deixou de lado pontos essenciais, inclusive exigências do próprio Plano Diretor de São Paulo. A aprovação do Plano, para a Prefeitura, era o último entrave à publicação do edital de licitação da concessão urbanística da Nova Luz. Entretanto, uma aprovação como esta, além de ilegítima, é certamente ilegal e deverá ser objeto de contestação, inclusive judicial, por parte das entidades que compõem o Conselho e que procuraram apostar em um espaço de construção coletiva.

Operação Água Branca/Barra Funda: prefeitura anuncia notícia requentada

Hoje a Folha de São Paulo noticiou que a prefeitura tem um “novo” projeto para o bairro da Barra Funda, que ganhará “16km a mais de vias” e “60 mil novos moradores em até 20 anos”.

Em 1995, essa região foi objeto de uma Lei de operação urbana (Água Branca) que previa a venda de potencial construtivo, mas sem nenhuma proposta de reestruturação urbanística propriamente, apenas obras de drenagem e novas ligações viárias. Apesar de terem sido vendidos cerca de 380 mil metros quadrados de potencial construtivo, nem sequer essas obras de drenagem – importantíssimas para a região – saíram do papel.

Na gestão da prefeita Marta Suplicy, a operação foi reestudada e foi realizado um concurso para escolher um plano urbanístico para a área, que foi chamada de Bairro Novo. O plano vencedor apresentava toda uma concepção de uso das quadras, definia a altura máxima dos prédios, as configurações dos espaços públicos, entre outros aspectos.

Terminada a gestão da Marta, foi tudo pra gaveta, e a operação urbana continuou em vigor nos termos em que tinha sido aprovada em 1995. O potencial construtivo continuou sendo vendido, e o resultado, pasmem: vários novos empreendimentos construídos no local e R$ 132 milhões em caixa sem que nenhuma obra de drenagem tenha sido feita até agora.

Aí agora vem a prefeitura dizer que vai transformar aquela região com base, mais uma vez, única e exclusivamente, em venda de potencial construtivo? Puro factoide. Aliás, em maio a prefeitura anunciou que contrataria um novo plano urbanístico para a área, mas, até agora, não sabemos nada sobre isso.

Além disso, aparentemente não se está levando em consideração que nessa região há Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis) destinadas à produção de habitação de baixa renda, que, até agora, também não saíram do papel. Evidentemente, não por falta de dinheiro. Os milhões em caixa poderiam ser usados no mínimo para executar os projetos de drenagem e de habitação social.

A região tem ainda dezenas de imóveis registrados como zona de preservação cultural no plano regional estratégico da subprefeitura da Lapa. Essas determinantes exigem que a ocupação da região seja pensada cuidadosamente, afinal, uma cidade não se faz simplesmente com sistemas viários e torres de edifícios.

Em Brasília também vale tudo para a Copa?

Com a justificativa da preparação da cidade para a Copa do Mundo de 2014, mais um contra-senso do ponto de vista urbanístico está sendo proposto, dessa vez, em Brasília. É que a Terracap, empresa pública detentora dos terrenos de Brasília, pretende aumentar o gabarito de toda a quadra 901 Norte, no Plano Piloto, para permitir a construção de um grande hotel, alegando que a cidade não tem leitos suficientes para a atender a demanda que haverá durante a Copa.

Como diz a jornalista Regina Rocha em matéria no Portal 2014, “imagine um dia a cidade de Veneza fechando seus canais, só para aumentar a área disponível a novos empreendimentos. Ou Paris, a cidade luz, autorizando à iniciativa privada erguer arranha-céus ao lado da Torre Eiffel, roubando a vista do monumento às margens do Sena.” É mais ou menos isso o que vai acontecer com Brasília, se a proposta da Terracap for aprovada.

Em primeiro lugar, a cidade poderia construir mais hoteis dentro da norma, sem alterar seu plano urbanístico. Além disso, a informação de que não há leitos suficientes em Brasília é contestada pela própria associação dos hoteis de Brasília em função das características da hospedagem nessa cidade, que fica sempre subutilizada em fins de semana e férias, como é o caso do mês de julho, quando será realizada a Copa. Mexer no gabarito da Quadra 901 Norte seria uma interferência enorme no Plano Piloto, que, vale lembrar, é tombado pelo Iphan e considerado pela Unesco Patrimônio Cultural da Humanidade.

O fato é que não estão muito claras as verdadeiras motivações dessa proposta. Aparentemente, essa alteração no gabarito seria um mecanismo para gerar uma valorização do terreno que poderia financiar a reforma do Estádio Mané Garrincha. A hipótese é plausível, já que a venda de excessões nos planos urbanísticos já foram propostas em outras situações semelhantes, como é o caso da Arena do Atlético em Curitiba, que eu já comentei aqui. De qualquer maneira, não há transparência alguma nesse processo.

Leia o manifesto “Urbanistas por Brasília”, contrário à proposta.