Operação urbana Água Branca: mais prédios com mais garagens e mais carros?

Matéria publicada ontem no Estadão diz que a Prefeitura de São Paulo quer revisar a Operação Urbana Água Branca, “permitindo um adicional de 1,85 milhão de metros quadrados no perímetro de 540 hectares entre a Lapa e a Barra Funda.” O texto completo pode ser lido aqui: Prefeitura vai liberar mais 16,7 mil imóveis no eixo Lapa-Barra Funda

No mesmo dia, o jornal publicou uma análise minha sobre a questão, que reproduzo abaixo.

Mais prédios com mais garagens e mais carros?

É uma total distorção do instrumento a maneira como a Prefeitura tem tratado as operações urbanas, reduzindo-as única e exclusivamente à venda de potencial construtivo acima do zoneamento para custear obras viárias.

De acordo com o Estatuto da Cidade, as operações urbanas são instrumentos que têm como objetivo principal reestruturar regiões, promovendo a renovação de padrões urbanísticos, a produção de habitação de interesse social em áreas bem localizadas e a recuperação de espaços públicos, entre outros. Mas, pouco a pouco, esses objetivos foram totalmente deixados de lado em nome da simples produção de metros quadrados de área construída adicional, de acordo com a demanda do mercado.

Na Operação Urbana Água Branca, um plano urbanístico foi desenvolvido, mas nunca foi implementado. Agora, a Prefeitura anuncia que quer rever a lei para oferecer ao mercado o que ele demanda: mais metros quadrados de área.

A discussão não deve ser a de quantos metros quadrados serão permitidos, mas que cidade queremos construir. Mais prédios cercados de muros e isolados com mais garagens e mais carros? Se for, o caminho da Água Branca deve ser o mesmo das demais operações urbanas e os nossos problemas só vão se agravar.

Essa é uma das últimas regiões do centro expandido com áreas vazias e potencial de produção de cidade. E vamos, uma vez mais, desperdiçar essa oportunidade, reproduzindo o padrão excludente e insustentável.

Operação Água Branca/Barra Funda: prefeitura anuncia notícia requentada

Hoje a Folha de São Paulo noticiou que a prefeitura tem um “novo” projeto para o bairro da Barra Funda, que ganhará “16km a mais de vias” e “60 mil novos moradores em até 20 anos”.

Em 1995, essa região foi objeto de uma Lei de operação urbana (Água Branca) que previa a venda de potencial construtivo, mas sem nenhuma proposta de reestruturação urbanística propriamente, apenas obras de drenagem e novas ligações viárias. Apesar de terem sido vendidos cerca de 380 mil metros quadrados de potencial construtivo, nem sequer essas obras de drenagem – importantíssimas para a região – saíram do papel.

Na gestão da prefeita Marta Suplicy, a operação foi reestudada e foi realizado um concurso para escolher um plano urbanístico para a área, que foi chamada de Bairro Novo. O plano vencedor apresentava toda uma concepção de uso das quadras, definia a altura máxima dos prédios, as configurações dos espaços públicos, entre outros aspectos.

Terminada a gestão da Marta, foi tudo pra gaveta, e a operação urbana continuou em vigor nos termos em que tinha sido aprovada em 1995. O potencial construtivo continuou sendo vendido, e o resultado, pasmem: vários novos empreendimentos construídos no local e R$ 132 milhões em caixa sem que nenhuma obra de drenagem tenha sido feita até agora.

Aí agora vem a prefeitura dizer que vai transformar aquela região com base, mais uma vez, única e exclusivamente, em venda de potencial construtivo? Puro factoide. Aliás, em maio a prefeitura anunciou que contrataria um novo plano urbanístico para a área, mas, até agora, não sabemos nada sobre isso.

Além disso, aparentemente não se está levando em consideração que nessa região há Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis) destinadas à produção de habitação de baixa renda, que, até agora, também não saíram do papel. Evidentemente, não por falta de dinheiro. Os milhões em caixa poderiam ser usados no mínimo para executar os projetos de drenagem e de habitação social.

A região tem ainda dezenas de imóveis registrados como zona de preservação cultural no plano regional estratégico da subprefeitura da Lapa. Essas determinantes exigem que a ocupação da região seja pensada cuidadosamente, afinal, uma cidade não se faz simplesmente com sistemas viários e torres de edifícios.

São Paulo, túmulo do samba? Puro preconceito…

Pode não parecer, mas o carnaval faz parte da história da cidade de São Paulo e, particularmente, de alguns bairros da cidade que por muito tempo concentraram a população negra. Nestes lugares, surgiram, antes das escolas de samba, os chamados cordões ou grupos carnavalescos.

Os primeiros de que se tem notícia surgiram por volta de 1914 no bairro da Barra Funda, onde muitos negros trabalhavam como carregadores ao longo da linha do trem. Foi ali que Seu Dionísio Barbosa, o chamado Nhonhô da Chácara, fundou o cordão carnavalesco que, mais tarde, deu origem, junto com outros cordões, à escola de samba Camisa Verde e Branca.

Outro núcleo importante do carnaval de São Paulo é o bairro do Bexiga, que, no final do século XIX, era um quilombo e, no início do século XX abrigava uma comunidade negra muito importante. É lá que, anos depois, surge a nossa querida Vai-Vai.

Os cordões saíam pelo centro da cidade durante os dias de carnaval e não havia nada de oficial. Enquanto isso, na avenida Paulista, passavam corsos de automóveis elegantes que levavam em cima pessoas fantasiadas. Ou seja, os aristocratas e barões do café desfilavam de carro na Paulista e o povão se divertia nos cordões do Bexiga, da Barra Funda, do Brás e de outros bairros mais populares.

Outro lugar muito importante é a região do Lavapés, na baixada do Glicério, que é contemporânea à Barra Funda e também teve muitos cordões carnavalescos. E foi justamente a Lavapés a primeira escola de samba propriamente dita surgida em São Paulo, em 1937, sob influência das escolas do Rio de Janeiro.

Em seguida, a Camisa Verde e Branca e a Vai-Vai vieram também a  se estruturar em torno dessa nova forma de fazer o carnaval, que é a escola com mestre-sala, porta-bandeira, ala das baianas (introduzida pela Dona Eunice, na Lavapés). E depois, então, começam a surgir novas escolas e novos núcleos de carnaval, que corresponderam à migração da comunidade negra do centro em direção às periferias.

Nos anos 50, por exemplo, surge a Nenê da Vila Matilde, primeira escola de samba da zona leste, também muito importante na estruturação do carnaval paulista. Logo em seguida, aparece na zona norte a Mocidade Alegre, no bairro do Limão, e a Rosas de Ouro, que nasce na Brasilândia e hoje está na Freguesia do Ó.

Em 1967 tem início a oficialização do desfile das escolas de samba. Até então, as escolas faziam seus próprios percursos pela cidade. Em 1968 acontece o primeiro desfile oficial, na avenida São João, que abrigou o evento até 1977, quando ele passou para a avenida Tiradentes. Os mais velhos devem lembrar das arquibancadas que eram montadas e desmontadas na Tiradentes…

Em 1991 é que o desfile é transferido para o sambódromo e passa a ter então uma sede exclusiva. E nesse percurso as escolas passaram a se enquadrar a determinadas regras e requisitos para poder desfilar, e aí, de certa maneira, o carnaval deixa as ruas e adentra uma estrutura mais oficializada.

Mas isso aconteceu apenas em parte. Muitos blocos de rua ainda resistem na cidade de São Paulo. Mas talvez seja no interior do Estado que isso se dê de forma mais forte. A Folha de São Paulo publicou no fim de semana passado uma interessante matéria sobre a tradição dos bonecos gigantes e cabeções em cidades do interior, como São Luiz do Paraitinga, São José dos Campos e Santana do Parnaíba.

Seguindo essa tradição, o Museu da Língua Portuguesa organiza, pelo segundo ano consecutivo, um desfile de bonecos gigantes na Praça da Luz, neste sábado, às 13h.