A pandemia continua, mas hoje decidi mudar de assunto e refletir sobre os 60 anos que Brasília completa hoje. Contraditória, a capital brasileira foi uma empreitada épica que ganhou apoiadores e opositores. Passadas seis décadas, mudar a capital para o coração do Brasil foi um sucesso ou um fracasso?
Filmado poucos anos depois da fundação da capital federal, “Brasília, contradições de uma cidade nova”, do cineasta Joaquim Pedro de Andrade, foi censurado pelos próprios patrocinadores em 1967. O filme, um curta-metragem de 22 minutos, teve uma única projeção surpresa no Festival de Brasília. Há poucos anos reapareceu como extra de um DVD de “Macunaíma”. E recentemente descobri que também está disponível na internet. Veja abaixo.
Ficha técnica: Direção: Joaquim Pedro de Andrade
Roteiro: Joaquim Pedro de Andrade, Luís Saia e Jean-Claude Bernardet
Fotografia: Affonso Beato
Edição: Bárbara Riedel
Com a justificativa da preparação da cidade para a Copa do Mundo de 2014, mais um contra-senso do ponto de vista urbanístico está sendo proposto, dessa vez, em Brasília. É que a Terracap, empresa pública detentora dos terrenos de Brasília, pretende aumentar o gabarito de toda a quadra 901 Norte, no Plano Piloto, para permitir a construção de um grande hotel, alegando que a cidade não tem leitos suficientes para a atender a demanda que haverá durante a Copa.
Como diz a jornalista Regina Rocha em matéria no Portal 2014, “imagine um dia a cidade de Veneza fechando seus canais, só para aumentar a área disponível a novos empreendimentos. Ou Paris, a cidade luz, autorizando à iniciativa privada erguer arranha-céus ao lado da Torre Eiffel, roubando a vista do monumento às margens do Sena.” É mais ou menos isso o que vai acontecer com Brasília, se a proposta da Terracap for aprovada.
Em primeiro lugar, a cidade poderia construir mais hoteis dentro da norma, sem alterar seu plano urbanístico. Além disso, a informação de que não há leitos suficientes em Brasília é contestada pela própria associação dos hoteis de Brasília em função das características da hospedagem nessa cidade, que fica sempre subutilizada em fins de semana e férias, como é o caso do mês de julho, quando será realizada a Copa. Mexer no gabarito da Quadra 901 Norte seria uma interferência enorme no Plano Piloto, que, vale lembrar, é tombado pelo Iphan e considerado pela Unesco Patrimônio Cultural da Humanidade.
O fato é que não estão muito claras as verdadeiras motivações dessa proposta. Aparentemente, essa alteração no gabarito seria um mecanismo para gerar uma valorização do terreno que poderia financiar a reforma do Estádio Mané Garrincha. A hipótese é plausível, já que a venda de excessões nos planos urbanísticos já foram propostas em outras situações semelhantes, como é o caso da Arena do Atlético em Curitiba, que eu já comentei aqui. De qualquer maneira, não há transparência alguma nesse processo.
Neste fim de semana (dias 27 e 28/8) será realizada, em Brasília, uma Plenária Nacional dos Comitês Populares da Copa e das Olimpíadas. O objetivo do encontro é reunir representantes dos Comitês Populares das cidades-sede, pessoas e organizações interessadas no tema, a fim de fortalecer a articulação e suas ações.
A Plenária acontecerá no Centro Cultural Brasília, com início às 9h do sábado. Segue abaixo a programação e os contatos da organização do evento para quem quiser mais informações.
Sábado: dia 27
9:00 – chegada
9:30 – Debate – A formação do Estado de Exceção para e após os megaeventos
11:00 – Informe dos Comitês Populares locais
12:30 – Almoço
14:00 – O sentido estratégico da luta contra os impactos excludentes dos megaeventos
14:30 – Trabalho em grupos
15:30 – Plenária de apresentação dos trabalhos em grupos
17:45 – Apresentação do Portal da Copa e Olimpíadas elaborado pelo IPPUR
18:30 – Encerramento do dia.
Domingo: dia 28
9:00 – Apresentação da síntese do dia anterior
9:30 – Trabalho em grupo
10:30 – Plenária de apresentação dos trabalhos dos grupos
10:45 – Debate e encaminhamentos a partir das indicações dos grupos
12:30 – Almoço
13:45 – Definição da organicidade da Rede Megaeventos – Articulação Nacional
16:00 – encerramento
A Unesco – organização da ONU para a Educação, a Ciência e a Cultura – iniciou esta semana em Brasília a 34ª reunião do comitê do patrimônio mundial. É neste espaço que são votadas a inclusão de novos sítios ou monumentos como patrimônio da humanidade, assim como, eventualmente, a exclusão dos que estão em risco.
Nesta reunião do pleno da Unesco estão representados os países que aderiram à convenção do patrimônio mundial da Unesco. No Brasil nós temos 17 sítios históricos que, além de serem protegidos como patrimônio nacional, muitas vezes estadual ou municipal também, são patrimônio da humanidade. O primeiro a adquirir este status, já vai fazer 30 anos, foi a cidade de Ouro Preto, em Minas Gerais.
Agora o Brasil está apresentando a candidatura da cidade de São Cristóvão, em Sergipe. E há uma discussão em torno desta candidatura na medida em que ela é um exemplar de arquitetura e urbanismo semelhante a outros que já estão tombados no Brasil.
O Rio de Janeiro também está preparando sua candidatura, mas acabou não apresentando nesta reunião. E é uma candidatura que traz um conceito muito diferente, que não envolve apenas a questão dos monumentos de arquitetura, mas também a ideia de paisagem cultural, inclusive a geografia da cidade que é muito especial. Mas como eu falei, a candidatura foi preparada, está pronta, começa agora a ser avaliada, mas não está em pauta.
Agora, há questões mais amplas envolvidas. Se pararmos para pensar durante 5 minutos, nos perguntaremos: como definir o que é que tem valor excepcional universal e que, portanto, se diferencia de outras coisas que não têm esse valor? Me parece uma discussão complicada.
Historicamente, na Unesco, os critérios de definição do que é patrimônio da humanidade valorizaram aspectos de uma arquitetura culta, de tradição greco-romana e do mundo medieval e renascentista europeu. Mas é claro que com a entrada mais pesada de países em desenvolvimento no pleno da Unesco, começaram a se apresentar candidaturas que não necessariamente tinham esse perfil.
A partir daí, apareceram, por exemplo, elementos de paisagem, como é o caso da cidade do Rio de Janeiro, que não tem a ver só com a arquitetura, mas com uma geografia que é muito particular. E desde então existe uma tensão.
A maior parte dos sítios históricos que são tombados no mundo, mais de 800, está na Europa e na América do Norte. E se a gente for ver a lista do patrimônio que está ameaçado, dos quais estão querendo tirar o título, a maior parte está em países em desenvolvimento.
E essa vai ser uma das questões importantes desta reunião de Brasília, que tem mais de 180 países participando. Nela poderão acontecer mudanças nos critérios, e novos sítios históricos que hoje não conseguem se candidatar terão a possibilidade de fazê-lo.
Será lançado hoje, às 19h, em Brasília, no salão nobre da Câmara, o Guia de obras de Oscar Niemeyer: Brasília 50 Anos. Dividido em cinco partes (Esplanada dos Ministérios, Eixo Monumental, Roteiro Histórico, UnB e Niemeyer completo), o guia traz textos de dois professores da Universidade de Brasília (UnB), os arquitetos Sylvia Ficher e Andrey Schlee, e fotografias de Joana França.
A obra, que é uma parceria do Instituto dos Arquitetos do Brasil e da Câmara dos Deputados, será vendida apenas na Livraria da Câmara ao preço de R$ 22,64, mas também está disponível para download.
A questão da mobilidade para a Copa é bastante preocupante. As pessoas têm perguntado: vai sair metrô para a Copa? Eu diria que não existe a menor chance de que alguma extensão ou linha nova de metrô consiga estar pronta a tempo. Esta hipótese não existe. Por outro lado, são várias as cidades que estão planejando os BRT’s (Bus Rapid Transit), que são corredores de ônibus. Isso, sim, é factível. São cidades como Belo Horizonte e Rio de Janeiro, além de Curitiba que está com um projeto de ampliação do sistema já existente.
Há várias cidades que já implantaram corredores. A primeira foi Curitiba. Em São Paulo também há alguns, com plataforma de embarque no canteiro central, em nível com os ônibus para facilitar o embarque e o desembarque. Mas a grande referência hoje na América Latina em corredor de ônibus é a cidade de Bogotá, na Colômbia, com o transmilênio, que avança muito mais do que as experiências que temos no Brasil.
Mas não vamos nos iludir. O corredor melhora muito o transporte, mas um VLT (veículo leve sobre trilhos) tem capacidade para carregar até seis vezes mais passageiros do que o ônibus. Então para determinadas quantidades de pessoas que precisam se deslocar, um corredor de ônibus não dá conta, e por isso é preciso um sistema sobre trilhos, que é o trem, o metrô, o VLT ou essa solução que está sendo proposta em São Paulo e em Manaus, que é o monotrilho, um tipo de bonde, mas elevado, em cima de uma espécie de viaduto. Me parece uma forma de não enfrentar a briga com o carro. E é discutível, inclusive, do ponto de vista da interferência que tem na cidade.
Agora, metrô ou mesmo os VLT’s, que têm muito mais capacidade do que o corredor de ônibus, não estarão prontos para a Copa. Com exceção, talvez, do VLT de Brasília, que já teve licitação e a obra já começou a andar. Enfim, os torcedores irão para os estádios ou de ônibus ou de carro. Exceto, evidentemente, os estádios que já estão bem localizados e já têm acesso por rede de transporte coletivo de massa, como é o caso do Maracanã.
Da mesma forma o trem-bala. Sem chances de estar pronto para a Copa e eu diria, muito dificilmente, para as Olimpíadas, porque sequer aconteceu o processo de licitação das empresas. O governo está estudando intensamente, pesquisando a melhor alternativa tecnológica, dimensionando, fechando custos, está fazendo o projeto, comparando todas as alternativas tecnológicas e os modelos que já existem no mundo, os asiáticos, os europeus, porque há dois grandes fornecedores na área do trem-bala, mas até terminar esse processo, até que isto se transforme no modelo que será adotado para construção, até que se feche um modelo de parceria, de negócio, até isso ir para a rua, com licitação para contratar e executar, serão cinco ou seis anos.
Na semana passada falei sobre a aprovação de alguns dos projetos das cidades brasileiras para a Copa do Mundo de 2014. Hoje vou falar especificamente de São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília.
No caso específico de Brasília e São Paulo, os projetos de mobilidade para a Copa de 2014 foram apresentados à Caixa Econômica Federal para serem financiados com recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). O Rio de Janeiro, por sua vez, está apresentando um projeto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
No caso do Rio, falou-se muito, foram muitas as promessas de melhoria de mobilidade para a Copa, mas, realisticamente, e isso é positivo, o que de fato vai acontecer até lá é a implementação de corredores de ônibus, que estão sendo chamados de BRT – Bus Rapid Transit. Serão alguns corredores exclusivos e rápidos e o mais importante deles será o T5, que ligará o aeroporto Tom Jobim à Barra. Este investimento custará R$ 1 bilhão. Já aquela ideia de metrô para a Barra ainda é absolutamente nebolusa. De concreto, o que existe é o corredor de ônibus.
No caso de Brasília, a proposta apresentada foi a do chamado VLT – Veículo Leve sobre Trilhos. Não sei qual é exatamente a tecnologia que será usada em Brasília, mas várias cidades estão usando uma tecnologia que está sendo produzida em fábricas aqui mesmo no Brasil, no Estado de São Paulo e no Nordeste. O VLT parece um bonde e a ideia é que ele seja confortável e de alta performance. O que vem sendo usado no Brasil é uma espécie de ônibus que corre sobre trilhos. Em Brasília, o VLT fará a ligação do aeroporto ao final da Asa Sul, onde já existe uma estação de metrô que faz a ligação do centro de Brasília com Taguatinga. Então o VLT será um complemento do metrô.
Já em São Paulo, bateu-se o martelo na proposta de um monotrilho que fará a ligação do aeroporto de Congonhas com a linha norte-sul do metrô, na região do Jabaquara, que terá articulação com o estádio do Morumbi. Este projeto já está sendo desenvolvido e custa em torno de R$ 1bilhão. O monotrilho é um trenzinho de superfície e esta mesma opção foi adotada também na cidade de Manaus. O projeto de São Paulo inclui também a perimetral, que deverá melhorar a saída de automóveis e ônibus do estádio do Morumbi em direção à região central.
Ainda sobre o monotrilho, há uma discussão importante sobre o impacto que ele causará, já que se trata de uma espécie de minhocão de trem, um pouco mais estreito, mas de qualquer maneira uma interferência grande em uma região bastante adensada como é a que liga o aeroporto com o Morumbi.
Na próxima segunda-feira (17) estrearei uma nova coluna na Band News FM. “Pensa Brasil Cidades” irá ao ar todas as segundas, às 12:40, na programação nacional da emissora.
A coluna paulistana diária chegou hoje ao fim, mas agora terei a oportunidade de dialogar com ouvintes em muitas outras cidades, como Campinas, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Salvador, Curitiba e Brasília.
Portanto, desde já aguardo sugestões e comentários de ouvintes e leitores de várias partes do país!
Fala-se muito sobre Brasília e sua arquitetura inovadora, modernista, mas pouco se fala sobre o seu papel na reestruturação do espaço e da economia nacional. O Brasil tem uma história de desenvolvimento econômico muito ligada ao litoral e a penetração no interior do país é, sobretudo, um fenômeno econômico extremamente recente.
Neste sentido, Brasília teve o papel estratégico de abrir uma frente de expansão na direção do Centro Oeste, trazendo um conjunto de rodovias que a conectavam com Belém, com o Sudeste e com as várias capitais do país. A partir dali houve, claramente, dos anos 70 até hoje, um processo intenso de transformação da região.
Brasília não é nem melhor nem pior que todo o resto do Brasil. A cidade que tem um plano piloto que é um patrimônio da humanidade, com uma qualidade urbanística inegável, tem também no seu entorno, fora do retângulo que é o Distrito Federal, 21 cidades que estão hoje nos estados de Goiás e também de Minas Gerais, e que estão crescendo assustadoramente, abrigando pessoas que trabalham em Brasília. Hoje são quase 800 mil pessoas morando nessas cidades.
Entre elas estão Águas Lindas, Cidade Ocidental, Luziânia, Novo Gama, Santo Antônio do Descoberto, Valparaíso de Goiás, formando um primeiro anel com 40 a 50 km de distância Brasília. Depois vêm cidades como Abadiânia, Formosa de Goiás, num raio um pouco mais distante, até cidades que chegam a quase 100 km de Brasília. O interessante é que essa distância é medida com relação à rodoviária de Brasília.
Essas cidades apresentam IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) tão baixo quanto os piores IDHs de países africanos. São cidades com altíssimas taxas de desemprego, cerca de 40%, com altas taxas de analfabetismo e também com altos índices de violência. E, por incrível que pareça, elas também fazem parte de Brasília.
Essas cidades não foram construídas de maneira planejada como foi Brasília. Digamos que houve e ainda há uma hierarquia. Primeiro, o plano piloto. Quem mora lá inclusive o chama de Ilha da Fantasia, porque é uma área onde, de fato, se vê pouquíssima ocupação informal, que tem todo um ordenamento, uma clareza na paisagem, um controle do uso e ocupação muito rígido e estruturado por um plano, tem os palácios de grande qualidade arquitetônica, enfim. Em volta do plano piloto há um cinturão de 20 a 30 km de áreas verdes, protegidas.
Depois disso, dentro do DF, vêm as cidades satélites, que foram projetadas, também como cidades modernistas, mas com uma qualidade urbanística muito inferior. Entre elas estão Ceilândia, Taguatinga, entre outras que serviram para erradicar as ocupações em Brasília. E, por fim, fora do retângulo do DF, sem nenhum planejamento, nenhum tipo de organização territorial, as cidades do entorno que hoje crescem muito mais do que o plano piloto e as cidades satélites.
O projeto de Brasília foi fruto de um concurso nacional que contou com a apresentação de mais de 30 propostas. E nós conhecemos apenas o projeto vencedor do Lúcio Costa. Mas quem tiver curiosidade de conhecer os demais projetos – saber como eram e imaginar o que seria Brasília a partir deles – a oportunidade está no Museu da Casa Brasileira, que acaba de inaugurar a exposição “Outros planos: Brasílias”, que ficará em cartaz até o final de maio. O museu fica na Av. Faria Lima, nº 2705.
Nestes 50 anos, é possível constatar permanências e mudanças dentro do projeto urbanístico que foi pensado por Lúcio Costa. Trata-se de um projeto muito forte, muito estruturador e que dialoga bastante com as obras arquitetônicas do Niemeyer.
Hoje quando se vai a Brasília, no âmbito do plano piloto, é possível constatar a presença das várias escalas que o Lúcio Costa planejou e que constituem o conceito fundamental do plano. A escala monumental, a residencial, os pontos de encontro, que são os espaços comerciais e de serviços, tudo isso está muito presente ainda na vida cidade.
Mas é claro que muita coisa também foi transformada, principalmente porque Brasília não é apenas o plano piloto. Além dele, há as cidades satélites dentro do retângulo do Distrito Federal e as várias cidades do entorno. O fato é que Brasília tem quase 2 milhões e 600 mil habitantes e apenas 400 mil pessoas moram no plano.
A verdadeira Brasília, portanto, não é apenas aquela do plano. Há pequenas coisas no plano piloto que acabaram se transformando. Houve uma certa especialização do comércio em áreas que eram para ser apenas de comércio local, dentro das asas. Há quadras que não estavam previstas e que acabaram surgindo. Enfim, há muitos elementos que mudaram.
Mas talvez a principal mudança está relacionada com uma utopia que fazia parte do projeto inicial que era a seguinte: o candango e o ministro deveriam morar juntos na superquadra. E isso claramente não aconteceu. Os ministros estão nas mansões na beira do lago e os candangos, aqueles trabalhadores que construíram Brasília, estão, em sua grande maioria, fora do plano piloto e, principalmente hoje, também fora do próprio Distrito Federal, nas cidades do entorno.
Brasília tem algumas particularidades com relação à questão fundiária. Para construir a capital federal, foi feito um decreto, de utilidade pública, para a desapropriação de uma área correspondente a um retângulo de 5.800 km2. Ou seja, em 1955 toda essa área, que era de fazendas e sítios, foi desapropriada. Já naquela época, quando se foi pesquisar a cadeia dominial daquelas propriedades, descobriu-se que muitas delas eram terras devolutas e que muita gente não tinha documentação. Começou então o imbróglio fundiário de Brasília.
Para se ter uma ideia, em 1996 foi feito um levantamento que mostrou que apenas metade da área do Distrito Federal tinha sido completamente desapropriada e estava realmente de posse do governo federal. Ainda havia muita coisa em processo de desapropriação e esse imbróglio permanece até hoje. Somado a isso, nós temos um fenômeno em Brasília que é muito diferente do resto do Brasil. Lá, a maior parte dos assentamentos irregulares, ilegais, é de classe média. São condomínios residenciais que foram surgindo em áreas de preservação ambiental, que não haviam sido definidas como área para ocupação. E hoje há uma pressão muito grande em Brasília para regularizar esses condomínios.
Existem hoje mais de 500 ocupações irregulares em Brasília, incluindo esses condomínios de classe média e também assentamentos populares de baixa renda. E há mais uma questão: como o acesso à terra sempre foi controlado pelo governo, este foi um grande fator de constituição de bases políticas em Brasília. O ex-governador Joaquim Roriz, por exemplo, foi um dos campeões da montagem desse processo de distribuição de lotes para famílias de baixa renda nas cidades satélites que foram criadas. E muito da confusão que se vê hoje em Brasília em torno de processos de corrupção tem a ver com a questão da terra, da grilagem, de acessos preferenciais por parte de certos grupos econômicos.
É possível resumir esta questão em três grandes linhas: primeiro, a distribuição de lotes foi, historicamente, uma grande forma de constituir bases políticas desde que o eleitor de Brasília passou a escolher diretamente seu governador e sua câmara legislativa; segundo, grandes fortunas e grandes grupos econômicos se constituíram a partir do acesso a terras públicas para fazer empreendimentos imobiliários. Neste caso, duas pessoas, o ex-governador Paulo Otávio e o ex-senador Luís Estêvão, estiveram envolvidos nesse processo. E, finalmente, há muitos condomínios irregulares que são promovidos por políticos em Brasília, que intermedeiam toda política de regularização fundiária da cidade.
A ideia de construir uma capital federal no coração do Brasil já era antiga, mas foi formalmente anunciada pelo presidente Juscelino Kubitschek no famoso comício na cidade de Jataí, em Goiás, apesar de ele mesmo, anos antes, ter defendido que a nova capital seria em Minas Gerais. De qualquer maneira, antes mesmo de ter o projeto e sem passar por qualquer processo licitatório, ele constituiu a companhia Novacap, que ficaria encarregada da construção da nova capital.
Depois disso, JK convidou Oscar Niemeyer para projetar a cidade e Niemeyer respondeu que achava que deveria haver um concurso público e que ele toparia participar da comissão desse concurso e também projetar os edifícios da nova capital. E assim foi feito. Com ajuda do IAB – Instituto dos Arquitetos do Brasil –, foi aberto o concurso. Houve uma polêmica inicial sobre se o concurso seria internacional ou nacional, e acabou virando nacional. 62 escritórios se inscreveram, mas apenas 26 equipes entregaram a sua proposta final. Muitos dos principais arquitetos brasileiros daquela época apresentaram projetos.
Foi montada uma comissão com dois estrangeiros, o próprio Niemeyer, um representante do IAB e um da Novacap. E o curioso é que, apenas três dias depois que chegaram os envelopes com as propostas, foi anunciado o vencedor, que era o projeto urbanístico do Lúcio Costa. O Paulo Antunes Ribeiro, que estava na organização do concurso, quis se retirar. Segundo ele, não foram feitas as análises de todas as propostas como deveriam e estava-se escolhendo o Lúcio Costa apesar de ele ter entregue apenas 3 folhinhas datilografadas e alguns croquis. No fim, a “turma do deixa disso” acabou ficando mesmo com o Lúcio Costa, que foi o grande vencedor com uma proposta modernista. E o Paulo Antunes Ribeiro não assinou o resultado final do concurso. Então, como se pode ver, a história de Brasília já começou com essa polêmica na escolha do urbanista que projetaria a capital.
De qualquer forma, vale muito a pena conhecer Brasília, que é uma das cidades mais interessantes do planeta, com uma proposta modernista integralmente implantada. O Plano Piloto, inclusive, é hoje tombado como patrimônio cultural da humanidade. Ele foi construído de uma maneira muito próxima à proposta inicial do Lúcio Costa, que tinha quatro escalas principais: um eixo monumental, onde estão os palácios e ministérios; a escala gregária, que é o lugar dos espaços comerciais, ali no cruzamento dos eixos, onde ficam a rodoviária e os centros comerciais; a escala residencial, que são as superquadras, nas asas do avião; e a escala bucólica, que são as enormes áreas verdes e jardins que permitem que Brasília seja permanentemente uma cidade onde o horizonte e o céu participam da paisagem.
Entretanto, já ocorreram várias mudanças em relação à ideia inicial. A ideia do Lúcio Costa era que, na medida em que o plano piloto ficasse muito ocupado, começariam a ser construídas as cidades satélites. Só que elas começaram a ser feitas antes mesmo da inauguração da capital, com o objetivo de remover as ocupações populares dos trabalhadores que foram construir a cidade e que não tinham onde morar. Como eles não conseguiram morar nos apartamentos e casas que foram construídos para os funcionários, acabaram montando favelas dentro do Plano Piloto. Para erradicar essas favelas, foram construídas as cidades satélites, as primeiras delas a 25 km do plano. E hoje, dos mais de 2 milhões de habitantes que moram em Brasília, apenas 400 mil vivem no plano piloto. A grande maioria vive ou nas cidades satélites, ou mais distante ainda, fora do Distrito Federal, nas chamadas cidades do entorno.