Ampliar a marginal repete erro histórico do urbanismo paulista. Mais enchentes e colapsos do sistema viário.

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Um estudo publicado na quarta-feira, 9, no jornal “O Estado de S. Paulo”, mostrou que a construção de novas pistas na marginal do Tietê terá como conseqüência a redução da área permeável da cidade. É verdade que haverá uma compensação ambiental, mas nem todas as árvores serão plantadas exatamente na marginal.

No mesmo dia o governador José Serra negou que as obras tenham contribuído para o transbordamento do rio, o que não ocorria há dois anos. Segundo ele, a ampliação das pistas não vai tirar um metro quadrado de permeabilidade do solo por causa da compensação ambiental. E o Ministério Público quer paralisar as obras da marginal, que mal começaram.

Em primeiro lugar, não é verdade que a construção de novas pistas na marginal não diminuirá a permeabilidade do solo. A cidade vai sim perder permeabilidade. Com essa obra serão perdidos 19 hectares – como se fossem 19 quadras da cidade de área permeável virando asfalto. A compensação ambiental, por meio do plantio de árvores, não irá compensar isso, pois as árvores serão plantadas em áreas verdes, que já são permeáveis hoje.

Mas é importante explicar que não é só porque perderemos esses 19 hectares que as enchentes aumentarão. No temporal de terça-feira houve sim um volume de água excepcional. Mas volumes de água excepcionais irão acontecer muitas vezes daqui para frente. A principal questão é que quando você coloca todo o sistema viário principal da cidade amarrado em cima dos rios, sempre que há um alagamento ele fica totalmente paralisado.

Por essa razão, o alargamento da marginal do Tietê é um erro urbanístico. É repetir o erro que já foi feito na história da cidade, fazer com que ele seja reiterado. E a prova disso foi a enchente que acabou de acontecer.

Mas não é só isso. Um problema é a área impermeável lá embaixo, ao lado do rio. Outro, mais importante, é a quantidade de área sendo impermeabilizada mais para cima, de onde vem a água que enche o rio. O Tietê tem pelo menos 16 afluentes, e esse volume todo desce das áreas altas, com terra e lixo. Essa mistura vai assoreando os rios e córregos e a própria calha do Tietê e do Pinheiros – e, com cada vez menos chuva, ocorrem mais alagamentos.

Podemos resolver esse problema do assoreamento de duas formas. A primeira é que está na cara que nossa cidade limpa está cidade imunda. A quantidade de lixo aumentou e esse lixo se acumula nos rios. Se o lixo se acumula porque o povo é mal educado, então temos que investir em campanhas, como fizemos com o fumo e com a lei seca, para que as pessoas não joguem mais lixo na rua. Mas é fato que o serviço de varrição foi reduzido, tanto que há um monte de gari desempregado agora.

E não basta apenas manter as galerias limpa, temos que coletar todo o lixo. Não pode haver nenhum pedacinho de papel no chão em lugar nenhum da cidade, incluindo nos assentamentos informais de baixa renda, que também precisam de coleta de lixo.

Outra questão é que existe algo chamado planejamento do uso e da ocupação do solo. Se você ampliar a cidade para qualquer lado, indiscriminadamente, impermeabilizando cada vez mais, teremos cada vez mais problemas de drenagem. É preciso planejar a expansão urbana. E isso é uma coisa que até hoje, na metrópole de São Paulo, simplesmente não existe.

Não há planejamento metropolitano. Cada município faz o que bem entende, não há dialogo entre eles. E os rios, infelizmente, não obedecem a limites municipais. Uma decisão tomada em Cotia ou em Barueri vai interferir naquilo que acontecerá na capital, pois o sistema hídrico é interligado.

O que o caos de terça-feira demonstrou foi que o modelo que vigorou até agora, que é pegar os rios, tamponar, canalizar e colocar todo o sistema viário em cima deles, é um modelo falido. Um modelo que não pode subsistir. Nesse sentido, entendo perfeitamente a posição da Promotoria, que questionou as obra da marginal.

As obras começaram com um licenciamento ambiental feito a toque de caixa, sem um debate adequado, e repetem um erro histórico do urbanismo paulista e paulistano. Isso depois de 450 arquitetos e urbanistas assinarem um manifesto dizendo “não repita, está errado, isso não pode ser feito”, o que foi absolutamente ignorado.

Acho que agora o governador Serra deveria parar um pouquinho para refletir. Em vez de dizer “Vocês querem que a cidade ande de burrico?”, deveria responder à população da cidade de São Paulo com uma alternativa consistente. Porque essa, mais do mesmo, a gente já viu que não vai dar certo.

3 comentários sobre “Ampliar a marginal repete erro histórico do urbanismo paulista. Mais enchentes e colapsos do sistema viário.

  1. Culpa da chuva

    Custo a entender como o paulistano suporta diariamente esse indescritível colapso dos transportes urbanos e continua elegendo a mesma casta política para administrar o Estado. Ninguém jamais será responsabilizado pelo cenário apocalíptico das enchentes e dos congestionamentos monstruosos? O eleitor entregou-se a tamanha catatonia que simplesmente acredita na culpa do temporal, do feriado, do “grande fluxo de veículos”?
    São décadas de continuidade administrativa ininterrupta, com uma fortuna já incalculável pretensamente gasta em investimentos, obras faraônicas e propaganda. A malha metroviária continua ridícula e os rios infectos, transbordando sob qualquer chuvisco passageiro (não, isso não acontece apenas com precipitações intensas). E o máximo que o cidadão consegue fazer é dar de ombros e concordar que vida nas cidades piorou muito nos últimos tempos…
    Claro, essa passividade tem a colaboração militante da imprensa paulista. Um governo petista seria trucidado pelo espetáculo ignóbil destes dias chuvosos (e não mencionei segurança, educação, saúde). Mas, como a reeleição de Lula provou, a mídia não fabrica eleições sozinha. É impossível assistir ao martírio da população da capital sem constatar um sutil lampejo de merecimento.

  2. Infelizmente estamos vulneráveis a essas enganações do governo, prometem e melhoria e esconde os estragos achando que é todo mundo leigo.
    Infelizmente a democracia não funciona muito bem por aqui, esntão por mais que nos coloquemos contra alguma atitude do governo, eles fazem o que querem.

  3. Já de algum tempo, insisto na incapacidade do Estado de gerir soluções. Não me convence nenhum viés político-ideológico que alguns ainda insistem em manifestar para justificar a ineficiência das nossas cidades, sobretudo as metrópoles.
    Não é a simples gestão democrática que apontará soluções para uma questão tão profunda que são os cacos que, a toda hora juntamos, no afã de fazer das nossas vidas algo mais prazeroso. Encontrar os culpados é fácil e mero exercício retórico. Nesta altura do campeonato, precisamos sim, minimizar erros e maximizar soluções, mais ou menos como pretendido e proposto pela Raquel Rolnick.
    Onde podemos encontrar alguma luz? Nos arquitetos, urbanistas e pensadores do espaço públicos e da dinâmica urbana, que, por obrigação do ofício, têm a visão do desenvolvimento urbano em seu conjunto e com todas as suas incidências, passando pela educação ambiental, pela especulação imobiliária, pela ação dos construtores dos espaços, pela sociedade, pelo transporte público, pela legislação e seu caráter, pela habitação, pela moradia (na minha visão dois produtos distintos), pelo patrimônio ambiental, artístico, histórico e cultural; enfim, a produção do espaço humano é algo que suplanta a viabilidade técnica, financeira e funcional, como, à primeira vista, costumam ver nossos políticos e representantes.

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