Marginal Tietê e Pinheiros serão portas de entrada para volta de outdoors na cidade

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Outdoors na Marginal Pinheiros em 2007. Foto: Lalo de Almeida/Folhapress

A Comissão de Proteção à Paisagem Urbana (CPPU) aprovou na última quarta-feira (18) um termo de cooperação técnica que permite a instalação de 32 painéis de LED e 250 totens em 32 pontes nas Marginais Pinheiros e Tietê como “contrapartidas visuais”, ou seja, publicidade.

A CPPU é o órgão responsável por acompanhar a implementação da lei Cidade Limpa e outras questões relativas à paisagem urbana. Assim como outros conselhos,  é  paritário, ou seja, tem metade dos membros da sociedade civil e metade composta por representantes da própria prefeitura, que ainda ocupa a presidência do órgão. Quase sempre os representantes da prefeitura votam em bloco, seguindo a orientação do Executivo, limitando a efetividade desses conselhos como órgãos de compartilhamento de decisões com a sociedade.

Na prática, o projeto aprovado busca reintroduzir anúncios na cidade, que vive sem eles desde 2007, quando passou a vigorar a Lei Cidade Limpa. A ausência dos espaços publicitários nos bombardeando constantemente com anúncios já estava consolidada como um patrimônio paulistano.

Apesar de ser específico para as marginais, o projeto funciona como um passa boi, abrindo a brecha para que logo passe a boiada. Para a atual gestão, a ocupação do espaço público pela publicidade é central para seu projeto de desestatização de espaços e equipamentos públicos, já que esta  é uma das principais  formas de parceiros privados obterem vantagens ao realizarem doações ou assumirem a administração de praças, parques, entre outros.

Doria já havia tentando emplacar a possibilidade de anúncios nas marginais. Em fevereiro ele fechou um acordo informal com a Quatar Airways, durante sua viagem aos Emirados Árabes. O acordo permitia a empresa expor sua marca nas placas  em troca de um pacote de revitalização de 19 pontes, ao custo de R$ 20 milhões. Depois do acordo informal, revelado pelo próprio prefeito João Doria, a prefeitura lançou em maio um edital de chamamento público para oficializar a parceria. Em agosto, ao ser questionado por uma Ação de Popular proposta pelo mandato da vereadora Samia Bomfim e por questionamentos do Tribunal de Contas, a prefeitura cancelou o edital e adiou o plano de revitalização das pontes.

No projeto aprovado na CPPU esta semana, os painéis gigantes e digitais fazem parte, teoricamente, do embelezamento das pontes, o que também envolve a sua pintura e algumas obras de acesso, além da doação de viaturas e câmeras de vigilância. Esse pacote de benfeitorias tem custo total de R$ 300 milhões, valor ínfimo no mercado publicitário diante do alcance que anúncios nessas vias podem ter. Cerca de 3 milhões de pessoas passam  pelas marginais todos os dias.

O projeto foi desenvolvido e apresentado pela empresa USB Trade Marketing, mas qual será seu papel e como ela irá recuperar seu investimento também não está claro. No texto discutido na CPPU, há a informação de que poderão ser exibidos conteúdos de cinco empresas, mas não é informado quais nem o tipo de relação que elas terão com a prefeitura ou a USB.

Para além do tema do desmonte do Cidade Limpa, já mencionado, precisaríamos discutir se a prioridade nas marginais é realmente ter anúncios luminosos, áreas ajardinadas e mais câmeras ou, por exemplo, equacionar a passagem de pedestres e ciclistas de um lado para outro da cidade, por exemplo. Se a prioridade dos que vivem à beira das marginais é encontrar contêineres com curso de cabeleireiro e pedreiro na beira das pontes, como proposto no projeto aprovado ou ter acesso a uma moradia digna. Trata-se, mais uma vez, de uma total inversão: ao invés de partirmos das demandas e necessidades dos cidadãos, o que deveria ser o objeto original dos planos e projetos, partimos das necessidades de criar mais e mais espaços para geração de negócios e venda de produtos…

Esse também foi assunto da minha coluna dessa semana na Rádio USP. Ouça a íntegra aqui.

 

Entrei na Rua Augusta a 120 por hora

A ação narrada na música que fez enorme sucesso nos anos 1960 na voz de Ronnie Cord seria hoje impensável… Entrar na Rua Augusta a 120 por hora? Não só porque nem mesmo de madrugada o trânsito permitiria uma velocidade dessas, mas, sobretudo, porque hoje sabemos que carros em alta velocidade matam. E matam muito! A cultura dos automóveis velozes e furiosos, tão sedutora e tão estruturadora das utopias urbanísticas do século passado, está chegando ao fim.

Mas, assim como outras utopias falidas, essa, embora agonizante, ainda domina o imaginário e as formas de pensar e viver de muitos moradores nas cidades contemporâneas. É mais ou menos isso o que estamos vivendo com a mais nova polêmica sobre a mobilidade na cidade: a redução da velocidade máxima das marginais Pinheiros e Tietê, e também das avenidas Aricanduva e Jacu-Pêssego, na Zona Leste.

Recentemente, assistindo a uma série de TV norte-americana ambientada nos anos 1950, me impressionou a distância que nos separa daquele mundo de pessoas fumando sem parar e dirigindo a toda velocidade, com crianças pulando no porta-malas do carro e motoristas com uma cervejinha na mão… Apesar dos lobbies das indústrias do tabaco, automobilística e de bebidas alcoólicas, não existe mais cidade no mundo que permita isso, já que o argumento de que se trata de uma cultura assassina foi suficientemente evidenciado e prevaleceu.

Aceitamos e saudamos essa mudança porque queremos viver mais. Mas é necessário assinalar também que à vertigem da velocidade dos automóveis correspondeu um modelo de urbanismo que tem na construção de vias expressas um de seus elementos estruturadores.

Poucas grandes cidades do mundo escaparam dessas intervenções entre os anos 1970 e 1980. Elas rasgaram bairros e desestruturaram territórios inteiros em nome da alta velocidade. Que mata.

Hoje, essas vias estão sendo demolidas ou, pelo menos, convertidas em avenidas, numa tentativa, nem sempre bem-sucedida, de reconstituição dos bairros destruídos. Não tenho dúvida de que acabou a era das rodovias dentro das cidades.

A medida de diminuição das velocidades máximas, que tem como objetivo reduzir o número de acidentes e mortes no trânsito, não é nova nem aqui nem em outras partes do mundo. Desde a gestão Kassab, São Paulo vem experimentando a redução dos limites em diversas vias. Em Londres, hoje, o desafio é reduzir ao limite de 32 km/h a velocidade máxima em 25% das vias da cidade. Paris também vem reduzindo velocidades e tem a meta de, até 2020, estabelecer o limite de 30 km/h em suas principais vias.

Assim como a redução dos limites de velocidade, muitas das ações da atual gestão municipal na área da mobilidade correspondem a uma nova maneira de pensar a cidade. Mas a prefeitura falha ao não lançar seus argumentos e estudos técnicos a um amplo debate público antes de adotar tais medidas.

Sem dúvida queremos construir, hoje, um futuro sob outros parâmetros, sem mortes no trânsito, com a valorização do transporte coletivo, dos meios não motorizados, dos espaços públicos, do meio ambiente, enfim, da vida. Mas isso significa mexer com práticas, modos de vida e usos do espaço profundamente enraizados, o que não é nada fácil.

*Coluna originalmente publicada no Caderno Cotidiano da Folha.

Assim como as chuvas, as opções equivocadas de política de mobilidade se repetem a cada ano em São Paulo. Até quando?

As fortes chuvas que atingem São Paulo desde a noite de ontem já causaram mais de 120 pontos de alagamento na cidade segundo o CGE (Centro de Gerenciamento de Emergências) da prefeitura.

A opção de construir um sistema viário principal ao longo da várzea do rios foi um erro pelo qual toda a região metropolitana de São Paulo paga a cada mês de janeiro.

Já se tornou comum nessa época do ano vermos os rios encherem e invadirem as principais pistas de trânsito da cidade. E as consequências disso são, além das perdas materiais e humanas, um colapso na circulação.

E não se trata de uma questão de projeto de drenagem, mas de um problema causado por uma opção de política de mobilidade rodoviarista que foi tomada há décadas atrás e que hoje se percebe claramente que foi equivocada.

E o pior de tudo é que os novos projetos nessa área, como, por exemplo, o alargamento da marginal do Tietê, repetem exatamente o mesmo paradigma, ainda que já saibamos que as consequências serão funestas.

Leia mais aqui no blog sobre o assunto.

Veja também matéria da Folha Online .

Substitutivo do Código Florestal tem grandes impactos também nas áreas urbanas

Muito se falou na mídia esta semana sobre o substitutivo do Código Florestal apresentado pelo deputado Aldo Rebelo. A questão vem sendo tratada quase que exclusivamente do ponto de vista do impacto ambiental nas áreas rurais. No entanto, as conseqüências para as zonas urbanas também são importantes e precisam ser discutidas.

Há muito tempo existe um conflito entre a legislação de parcelamento do solo federal e o Código Florestal no que diz respeito à faixa marginal de cursos d’água natural, consideradas Área de Preservação Permanente (APP) pelo código. A legislação define 15m como largura mínima de área non-edificandi (que não poderia ser construída), enquanto o Código estabelece 30m. Este é apenas um, dentre vários aspectos que requerem um encontro entre a legislação urbanística e a ambiental no Brasil.

É muito importante pensar a questão das APPs tanto no contexto rural quanto no urbano. Só que as funções das APP em cada área são diferentes. Na área urbana, a APP não cumpre exatamente as funções constantes no Código, como fluxo gênico e contenção de erosão. Muitas vezes, nas cidades, as águas chegam poluídas aos córregos pelos tubos de drenagem ou esgoto, não escoando superficialmente, quando poderiam ser filtradas ou retidas pela mata da APP.

No caso das cidades, as APP são fundamentais para, principalmente, preservar a qualidade e o volume da água dos mananciais urbanos e prevenir enchentes e inundações. As recentes enchentes e desmoronamentos levantam grande preocupação em relação à ocupação das áreas lindeiras aos rios e suas várzeas. Além disso, as APP ajudam a combater as ilhas de calor e a melhorar a qualidade do ar. Entretanto, não é com a determinação de uma metragem de faixa que se resolve a questão.

Por todas essas razões, é absolutamente necessário repensar as APP em área urbana e abrir espaço para que a diversidade de situações possa ser também atendida de forma diversa. Entretanto, o substitutivo do Código Florestal não resolve esta questão. O projeto não apenas reduz as APP (instituindo largura menor das faixas de cursos d’água natural), mas também joga para os municípios esta decisão, permitindo redução ainda maior sem que haja nenhum critério.

Por outro lado, o substitutivo avança na relação entre a delimitação das APP e o planejamento urbano do município ao obrigar que todas as áreas de preservação estejam gravadas no plano diretor, mas abre um flanco extremamente complicado ao dizer que qualquer lei municipal pode inclusive eliminar essas áreas. Resumindo: uma câmara municipal pode decidir lotear integralmente áreas inteiras de várzeas de rios, o que, aliás, já ocorreu muito em nossas cidades, como São Paulo, vide as marginais dos rios Tietê e Pinheiros.

Esta discussão precisa, portanto, estar muito mais amadurecida do que está hoje. A solução proposta pelo relator, embora reconheça a importância da participação direta de cada um dos municípios nestas definições, não resolve o problema.

A sinalização, um problema grave na marginal do Tietê, é uma questão de segurança

O Ministério Público poderá entrar com uma ação contra a prefeitura de São Paulo por conta dos problemas de sinalização na marginal do rio Tietê. Este é um problema seriíssimo. Eu percorri a marginal esse fim de semana e há um trecho próximo à região da Freguesia do Ó em que existem 3 placas contraditórias. Uma indica a Anhanguera à esquerda, outra em frente, outra à direita.

Realmente fica difícil pra quem está circulando saber para onde ir. Além disso, a prefeitura já instituiu uma faixa exclusiva de ônibus na marginal, mas como não existe sinalização, nem os usuários dos ônibus, nem os dos automóveis sabem que, na pista local, na faixa da direita, a prioridade de circulação é dos ônibus.

E esse não é apenas um problema que gera desconforto ou desorientação no trânsito. Existe uma questão mais grave que é o perigo de acidentes. O código de trânsito exige que quando uma pista for inaugurada, refeita ou reformada, ela deve necessariamente conter sinalização completa porque isso é uma questão de segurança.

E, infelizmente, não é assim que acontece. Na verdade, a gestão da sinalização é feita por uma companhia que não tem nada a ver com a companhia que é responsável pela contratação da obra. E esses dois processos de contratação não conseguem dialogar, ou seja, não acontecem simultaneamente. Me parece um absurdo que o Ministério Público tenha que ficar em cima da prefeitura exigindo a sinalização, coisa que deveria ser absolutamente automática.

Um mapa unificado do subsolo de São Paulo evitaria acidentes e transtornos

Na última terça pela manhã, por volta das 6h, o rompimento de um duto da Comgás trouxe muitos problemas para o trânsito na região da marginal do Tietê, sentido Castelo Branco. A faixa da direita foi interditada na pista expressa e o congestionamento chegou a mais de 7 km. O problema é que ninguém sabe ao certo o que temos no subsolo de São Paulo. Não existe um mapa unificado de tudo que temos no subsolo.

Uma parte dessa questão tem a ver com o fato de que nós temos diferentes concessionários operando os serviços públicos da cidade. Ou seja, não é a prefeitura que opera, são empresas concessionárias. O gás é a Comgás, a água é a Sabesp, e por aí vai. Algumas são empresas públicas, outras são mistas, outras são privadas, e todas elas operam no subsolo sem compartilhar os seus mapas. E isso é um enorme problema.

Então há muita informação que precisa ser atualizada, mapas de rede de água, de drenagem, alguns muito antigos, que foram instalados no final do século XIX. A prefeitura tem toda a competência legal e a legitimidade política para exigir que todas as concessionárias forneçam estes mapas na mesma base, com o mesmo sistema de informação geográfico para que seja possível articular essas informações e evitar acidentes como este, que são recorrentes.

Esta é a primeira parte. A segunda é equacionar os sistemas subterrâneos. Já venho comentando há muito tempo: São Paulo é uma cidade que precisa montar um sistema de galerias subterrâneas organizadas, que permitam inclusive enterrar toda a fiação elétrica que causa enormes problemas não só para a paisagem, mas também para a segurança e para a estabilidade elétrica da cidade.

Urbanistas da FAU lançam manifesto online contra construção de mais pistas nas margens do Tietê

Diversos professores da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP acabam de lançar um manifesto online em repúdio à construção de mais seis pistas de asfalto nas margens do Rio Tietê, em São Paulo.

Para assinar, basta entrar na página da petição online e deixar seu nome. O site é seguro e não divulga o email de quem adere ao abaixo-assinado.

Manifesto

Nós, professores da Universidade de São Paulo, preocupados com o futuro de São Paulo, vimos por meio deste apresentar nosso total repúdio à política pública urbana que vem sendo implementada no Município, denominada “Revitalização da Marginal do Rio Tietê”, que prevê a construção de seis novas faixas de rolamento (três de cada lado) nessa via, consumindo R$ 1,3 bilhão em investimentos do Governo do Estado, da Prefeitura do Município de São Paulo, e das concessionárias das rodovias que usam o trajeto da Marginal.

Tal obra repete práticas de planejamento equivocadas, que levaram a metrópole ao colapso atual. Ao invés de reverter tal lógica, prioriza o transporte individual em detrimento do transporte coletivo, reproduzindo uma política excludente, além da triste tradição brasileira de obras vistosas que beneficiam a minoria e os setores especializados da construção civil. Ela se opõe frontalmente aos princípios de priorização do transporte coletivo sobre o individual constante do Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo e dos Planos Regionais Estratégicos das Subprefeituras.

O mais inaceitável é que os dados técnicos ratificam esta urgente e necessária priorização do transporte coletivo. A Pesquisa OD 2007, realizada pela Companhia do Metrô, mostra que: a taxa de motorização da Região Metropolitana é de menos de 20 veículos para cada cem habitantes; metade das famílias da região metropolitana não possui automóvel, parcela essa na qual se concentram as de mais baixa renda; e que um terço das 37,6 milhões de suas viagens diárias ainda é feita a pé, em função das péssimas condições sócio-econômicas da população. As viagens de automóvel correspondem a apenas 11,2 milhões, ou seja, aproximadamente 30% do total.

Se somarmos os gastos de todas as grandes obras viárias realizadas nos últimos 15 anos e daquelas previstas para o Centro Expandido da capital, aonde se concentram os estratos de maior renda, chega-se ao montante de vários bilhões de reais, valor mais que suficiente para a implantação de toda a Linha 4 – Amarela do metrô.

A Cidade do México, tomando um exemplo com alguma similaridade com São Paulo, iniciou o seu metrô na mesma época que nossa capital. Atualmente, apresenta uma rede com 202 km de extensão, face aos tímidos 61 km do metrô de São Paulo. Apesar da aceleração recente do ritmo das obras, o incentivo ao transporte coletivo é insuficiente, pois, mantendo-se o ritmo atual, serão necessários ainda assim aproximadamente 20 anos para alcançarmos a quilometragem da cidade do México.

Por outro lado, o sistema de trens, embora tenha uma quilometragem mais extensa que a do metrô, apresenta serviço irregular, com índices de conforto baixíssimos, espremendo seus usuários em uma concentração de 8,7 passageiros por metro quadrado nos trechos mais carregados no horário de pico, segundo dados da CPTM para maio de 2009. E mesmo o Metrô, que já foi fonte de orgulho quando da sua inauguração, ganhou o triste primeiro lugar em lotação entre todos os metrôs do mundo, segundo reportagens recentes.

Por fim, ressaltamos os problemas ambientais e de saúde publica resultantes dessa opção pelo transporte individual, que consome enorme quantidade de combustível fóssil, sendo que a emissão de gases poluentes por pessoa transportada é bem maior que a produzida pelo transporte público que se utiliza do mesmo combustível. Pesquisas do Laboratório de Poluição Atmosférica da Faculdade de Medicina da USP demonstram que a poluição é responsável por 8% das mortes por câncer de pulmão na cidade e que 15% das crianças internadas com pneumonia na rede hospitalar são vítimas da má qualidade do ar na cidade. Mesmo o recente Programa de Inspeção Veicular não consegue resolver esse problema em vista do crescimento da frota de veículos da metrópole que é de 10% ao ano. Além do mais, as obras da Marginal deverão ter impacto metropolitano e regional, porém foram licenciadas apenas no âmbito municipal.

Esse fabuloso investimento em um urbanismo rodoviarista em detrimento da construção de um sistema de transporte público amplo, eficiente e limpo, que atenderia à maioria da população, é um assustador retrocesso, que caminha na contramão da atual preocupação mundial com o meio ambiente. Acreditamos que as políticas públicas urbanas devam ser ambientalmente responsáveis e pautadas pelo atendimento das demandas da maior parte da sociedade. Políticas como aqui apontadas reforçam o caráter segregacionista da nossa cidade, privilegiando os estratos de maior renda e relegando a maioria da população a condições precárias de transporte e mobilidade, com danos ambientais para todos os cidadãos da metrópole. Por fim, esta obra não resolverá os problemas de transito da cidade, e muito menos da própria Marginal do Tietê.

Alexandre Delijaicov
Ana Cláudia C. Barone
Carlos Egídio Alonso
Catharina P. Cordeiro S. Lima
Eduardo A. C. Nobre
Erminia Maricato
Eugenio Queiroga
Euler Sandeville
Fábio Mariz Gonçalves
Flávio Villaça
João Sette Whitaker Ferreira
José Tavares Correia de Lira
Maria de Lourdes Zuquim
Maria Lucia Refinetti Martins
Nabil Bonduki
Paulo Sérgio Scarazzato
Paulo Pellegrino
Raquel Rolnik
Roberto Righi
Vladimir Bartalini

Copenhagen: quem construirá a Arca de Noé contemporânea e a ela terá acesso?

Com a proximidade da conferência de Copenhagen, o tema das mudanças climáticas está na ordem do dia. Infelizmente, o debate está confinado às metas para reduzir a emissão de carbono e não considera aspectos fundamentais: o possível impacto destas metas sobre os maiores afetados (países e populações pobres) e as estratégias de adaptação à nova realidade do clima.

A grande ameaça que as mudanças climáticas colocam não é sobre a Terra, pois o planeta já superou os mais variados cataclismas e vai continuar se transformando e sobrevivendo. A grande questão é a sobrevivência da espécie humana. Estamos diante de uma “Arca de Noé” contemporânea, e a pergunta central é: quem construirá essa arca e quem poderá entrar nela?

Os eventos extremos, tais como enchentes e desmoronamentos decorrentes do aumento das chuvas, afeta com maior intensidade moradores de assentamentos irregulares, que ocupam áreas renegadas pelo mercado, como várzeas de rios ou encostas de morros. Por outro lado, a ampliação da seca afeta países sem agricultura mecanizada e aprofunda o problema da fome.

Além disso, mecanismos para mitigar o aquecimento global, como metas de emissão, créditos de carbono e compensações ambientais, podem ter efeitos perversos sobre o direito à moradia. Por exemplo, a compensação estipulada para as obras de ampliação da Marginal do Tietê provocará o despejo de 20 mil famílias de áreas reservadas para o plantio de árvores.

Em meio à crise, soluções aparentemente limpas como a construção de hidrelétricas podem ocultar aspectos negativos. A hidrelétrica de Belomonte, a ser construída no Pará, resultará na remoção forçada de várias comunidades rurais e aumento de favelas em áreas urbanas. Os chamados produtos verdes, ou “carbon-free”, também são mais caros e menos acessíveis para a população pobre.

O mundo precisa nortear suas estratégias no sentido da garantia dos direitos humanos das populações atingidas. As mudanças climáticas já estão vindo por aí, e é urgente criarmos mecanismos de adaptação com investimentos focados nas maiores vítimas. Investir em infraestrtura e proteção para quem mora hoje em zonas de risco e urbanizar ocupações irregulares sujeitas a inundações são algumas destas possibilidades.

Entrevista com o diretor de engenharia da Dersa sobre as obras da marginal do Tietê e o sistema viário de SP

Entrevistei na última sexta, 11, junto com o jornalista da Band News Luis Megale, o diretor de engenharia da Dersa, Paulo Vieira de Souza.

Falamos sobre a enchente que parou São Paulo, as obras de ampliação da marginal do Tietê e o problema de reafirmar o principal sistema viário da cidade nas margens de um rio. Confira abaixo o resultado.

Luiz Megale – A Dersa entende que há alguma relação com as obras realizadas na marginal do Tietê e as enchentes da ultima terça em SP?

Paulo Vieira de Souza – Se nos já estivéssemos impermeabilizado onde vai ser o local pista expressa, podia até ter uma tese que defendesse que teria contribuído para as enchentes em termos de volume de água. O problema é que na atual fase nós estamos abrindo caixas, criando pequenos piscinões por conta da obra, que viriam a facilitar a drenagem, não coibir a drenagem.

Megale – Mas e as árvores que já foram retiradas, as raízes não deixaram de sugar a água que havia no chão?

Paulo Vieira – Veja bem, existe uma tese de vários ambientalistas que afirma que a árvore permite uma melhoria na drenagem. Mas na microbacia da várzea do Tietê, os 19 hectares da obra representam 0,06% da impermeabilização dessa área.

Raquel Rolnik – Haverá teoricamente uma perda de 19 hectares de área permeável naquela região. E o tempo todo se diz que a compensação ambiental mais do que compensará isso. O que quero saber, que nunca ouvi concretamente, é se na área de compensação ambiental, que será no parque da várzea, serão estabelecidas novas áreas permeáveis. Ou seja, se áreas que estão impermeabilizadas hoje se tornarão permeáveis, para dizer que a cidade estará ganhando novas áreas permeáveis. Ou se estamos falando de plantio de árvores em um lugar que já não é impermeabilizado, ou seja, o lugar já é de terra. E senhor mesmo está dizendo que a questão fundamental não é arvores, mas a área permeável.

Paulo Vieira – Nós estamos fazendo grande parte do investimento da compensação ambiental no Parque Ecológico do Tietê, onde é possível proteger o rio. O que vamos fazer? Nos 25 km de São Paulo até a divisa de Itaquaquecetuba, nós iniciamos a retirada de urbanização desorganizada. Ou seja, residências que tomaram conta ao longo da faixa do rio. E vamos criar uma estrada-parque, uma ciclovia de passeio, que vai coibir novas invasões. Se você for lá na várzea do Tietê, no trevo dos pimentas, verá que ali o rio esta totalmente tomado por construções.

Raquel – Isso quer dizer que essas famílias serão retiradas? São famílias que vivem em assentamentos informais.

Paulo Vieira – Veja bem, essas pessoas invadiram e o governo precisa dar uma solução e dará, em termos da indenização da benfeitoria, ou como fizemos no Rodoanel e na Jacu Pêssego, oferecendo uma residência do CDHU em empreendimentos nas proximidades para que possamos fazer a remoção das famílias.

Raquel – E essas moradias já estão disponíveis para as famílias que serão removidas? Em outras situações, muitas famílias que são removidas de assentamentos informais acabam não tendo acesso à moradia da CDHU em função de problema de comprovação de renda. Gostaria de saber se o plano de reassentamento dessas populações já está pronto e totalmente equacionado.

Paulo Vieira – Por exemplo, no caso do Rodoanel, as unidades não são vendidas, elas são gratuitas. Como fizemos isso? Removemos as famílias, pagamos a remoção e 12 meses de aluguel, em alguns casos 16 meses, para que desse tempo da unidade ficar pronta ou ser adquirida, porque a unidade não precisa ser necessariamente construída pela CDHU. A pessoa também pode comprar uma unidade, com o fornecimento de carta de credito. Nós pagamos esse período de aluguel e fizemos a remoção. O que aconteceu? Das 1500 famílias, 800 optaram por unidades e as outras 700 pelo recurso financeiro.

Raquel – É o q o pessoal chama de cheque despejo, um cheque insuficiente para conseguir uma casa?

Paulo Vieira – É uma opção do morador. Se ele tem um imóvel cuja benfeitoria é de 20 mil reais, ele recebe um apartamento de 62 mil reais. Se ele tem uma benfeitoria que vale 100 mil reais, ele recebe 100 mil reais e procura o imóvel q desejar.

Raquel – Então não é que nem o cheque despejo da prefeitura, de três mil reais?

Paulo Vieira – Não fizemos isso no Rodoanel sul e não estamos fazendo na Jacu Pêssego. O que ocorre é que quando você está uma área invadida, particular ou do governo, você tem outra forma de tratar. O terreno não é da pessoa. Você só pode por conta da benfeitoria oferecer uma unidade ou oferecer o dinheiro correspondente à benfeitoria.

Megale – E em relação ao plano de emergência para caso de alagamentos que a Dersa será obrigada a disponibilizar, de acordo com determinação do CADIS. Quando é que será entregue este plano e como ele funcionará?

Paulo Vieira – Veja bem. Naquele dia choveu em oito horas a previsão de um mês. Nós estamos investindo em compensação ambiental na marginal 37 milhões de reais e plantando 83 mil arvores. No Parque Ecológico do Tietê nós estamos investindo 100 milhões de reais – isso representa 9% do valor do empreendimento, quando a legislação define que deve ser de 0,5%. Com relação à tratativa de alagamento, este programa é feito pela prefeitura, não pela Dersa.

Megale – Não, estou citando um parecer que inclusive foi mencionado no Jornal da Tarde, de número 127, da Câmara Técnica do Conselho Municipal do Meio Ambiente, que determina que as obras de ampliação da marginal devem dispor de um plano de emergência em caso de alagamentos.

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Ampliar a marginal repete erro histórico do urbanismo paulista. Mais enchentes e colapsos do sistema viário.

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Um estudo publicado na quarta-feira, 9, no jornal “O Estado de S. Paulo”, mostrou que a construção de novas pistas na marginal do Tietê terá como conseqüência a redução da área permeável da cidade. É verdade que haverá uma compensação ambiental, mas nem todas as árvores serão plantadas exatamente na marginal.

No mesmo dia o governador José Serra negou que as obras tenham contribuído para o transbordamento do rio, o que não ocorria há dois anos. Segundo ele, a ampliação das pistas não vai tirar um metro quadrado de permeabilidade do solo por causa da compensação ambiental. E o Ministério Público quer paralisar as obras da marginal, que mal começaram.

Em primeiro lugar, não é verdade que a construção de novas pistas na marginal não diminuirá a permeabilidade do solo. A cidade vai sim perder permeabilidade. Com essa obra serão perdidos 19 hectares – como se fossem 19 quadras da cidade de área permeável virando asfalto. A compensação ambiental, por meio do plantio de árvores, não irá compensar isso, pois as árvores serão plantadas em áreas verdes, que já são permeáveis hoje.

Mas é importante explicar que não é só porque perderemos esses 19 hectares que as enchentes aumentarão. No temporal de terça-feira houve sim um volume de água excepcional. Mas volumes de água excepcionais irão acontecer muitas vezes daqui para frente. A principal questão é que quando você coloca todo o sistema viário principal da cidade amarrado em cima dos rios, sempre que há um alagamento ele fica totalmente paralisado.

Por essa razão, o alargamento da marginal do Tietê é um erro urbanístico. É repetir o erro que já foi feito na história da cidade, fazer com que ele seja reiterado. E a prova disso foi a enchente que acabou de acontecer.

Mas não é só isso. Um problema é a área impermeável lá embaixo, ao lado do rio. Outro, mais importante, é a quantidade de área sendo impermeabilizada mais para cima, de onde vem a água que enche o rio. O Tietê tem pelo menos 16 afluentes, e esse volume todo desce das áreas altas, com terra e lixo. Essa mistura vai assoreando os rios e córregos e a própria calha do Tietê e do Pinheiros – e, com cada vez menos chuva, ocorrem mais alagamentos.

Podemos resolver esse problema do assoreamento de duas formas. A primeira é que está na cara que nossa cidade limpa está cidade imunda. A quantidade de lixo aumentou e esse lixo se acumula nos rios. Se o lixo se acumula porque o povo é mal educado, então temos que investir em campanhas, como fizemos com o fumo e com a lei seca, para que as pessoas não joguem mais lixo na rua. Mas é fato que o serviço de varrição foi reduzido, tanto que há um monte de gari desempregado agora.

E não basta apenas manter as galerias limpa, temos que coletar todo o lixo. Não pode haver nenhum pedacinho de papel no chão em lugar nenhum da cidade, incluindo nos assentamentos informais de baixa renda, que também precisam de coleta de lixo.

Outra questão é que existe algo chamado planejamento do uso e da ocupação do solo. Se você ampliar a cidade para qualquer lado, indiscriminadamente, impermeabilizando cada vez mais, teremos cada vez mais problemas de drenagem. É preciso planejar a expansão urbana. E isso é uma coisa que até hoje, na metrópole de São Paulo, simplesmente não existe.

Não há planejamento metropolitano. Cada município faz o que bem entende, não há dialogo entre eles. E os rios, infelizmente, não obedecem a limites municipais. Uma decisão tomada em Cotia ou em Barueri vai interferir naquilo que acontecerá na capital, pois o sistema hídrico é interligado.

O que o caos de terça-feira demonstrou foi que o modelo que vigorou até agora, que é pegar os rios, tamponar, canalizar e colocar todo o sistema viário em cima deles, é um modelo falido. Um modelo que não pode subsistir. Nesse sentido, entendo perfeitamente a posição da Promotoria, que questionou as obra da marginal.

As obras começaram com um licenciamento ambiental feito a toque de caixa, sem um debate adequado, e repetem um erro histórico do urbanismo paulista e paulistano. Isso depois de 450 arquitetos e urbanistas assinarem um manifesto dizendo “não repita, está errado, isso não pode ser feito”, o que foi absolutamente ignorado.

Acho que agora o governador Serra deveria parar um pouquinho para refletir. Em vez de dizer “Vocês querem que a cidade ande de burrico?”, deveria responder à população da cidade de São Paulo com uma alternativa consistente. Porque essa, mais do mesmo, a gente já viu que não vai dar certo.

Remoção da Favela do Sapo é marcada por falta de soluções definitivas

Nesta sábado, 22, estive na Favela do Sapo e presenciei um panorama desesperador. A comunidade, como já comentei em outro texto, está sendo despejada em função de obras de limpeza de um córrego no âmbito da ampliação da Marginal do Tietê e da implementação da operação urbana Água Branca.

A moradia das pessoas nesta favela é hoje totalmente inadequada e não tenho dúvidas que o reassentamento das famílias que vivem sobre o córrego (aliás, um depósito de lixo) é necessário. Mas a maioria dos envolvidos não recebeu alternativas para onde ir e está enfrentando um processo repleto de desrespeito, desinformação, e muitas vezes, brutalidade.

Vi muitas mulheres sozinhas, com seis, sete filhos, na iminência de serem removidas sem terem para onde ir. Para estas um cheque de quatro ou cinco mil reais significará no máximo ir para a rua ou tentar montar um barraco em outra favela. Conheci uma senhora de mais de 60 anos, sozinha, prestes a ser despejada – para ela foi ofertado 1.500 reais e uma cesta básica.

O clima é de indefinição e insegurança, agravado pela presença de seguranças particulares na favela, contratados pela empresa que venceu a licitação para demolir os barracos. O enfrentamento é grande, e ouvi que os seguranças particulares estão estourando moradias ainda ocupadas.

O plano de reassentamento da Prefeitura contempla apenas as cerca de cem famílias mais antigas da favela. Algumas receberão temporariamente uma bolsa aluguel até que um conjunto habitacional seja construído nas proximidades, o que me parece adequado, e outras uma carta de crédito para adquirir uma moradia se conseguirem comprovar renda, o que às vezes é impossível. As trezentas famílias mais recentes não terão alternativa, a não ser irem para a rua ou mudar-se para outra favela.

Aliás, é exatamente por esta razão que esta favela cresceu tanto: parte das famílias “novas” na favela vieram de outras remoções. Durante os despejos, a Prefeitura costuma fornecer caminhões para a mudança, e há pessoas que dizem ter trazido seus móveis para a Favela do Sapo em veículos da própria Prefeitura. Um círculo vicioso que nunca acaba.

É preciso oferecer soluções definitivas de moradia. Isto é obrigação da Prefeitura, do Estado, do poder público, tanto para as famílias que têm renda quanto para as que não tem. Não podemos ficar empurrando o problema de um lado para o outro da cidade.

Sobretudo, o poder público deve tratar todos os moradores com respeito e dignidade: na Favela do Sapo ninguém sabe ao certo qual será seu destino, já que as informações não estão disponíveis e um espaço permanente de diálogo não existe. As remoções, quando necessárias, precisam ser acompanhadas de respeito, diálogo e soluções que resolvam definitivamente a situação, garantindo o direito humano a uma moradia adequada.

Recebi a informação de que cerca de três mil moradores do acampamento Olga Benário, no Parque do Engenho, extremo sul de São Paulo, serão despejados na segunda-feira, 24. Espero que haja uma solução que proteja essas famílias (foto) e ofereça a elas uma alternativa que não seja simplesmente engrossar a população de rua.

acampamentoolgabenário

Parece que a Prefeitura aceita assumir esta demanda desde que as famílias saiam de lá. Mas para onde levá-las entre o despejo e a solução definitiva?

A vitória do automóvel sobre o rio e a cidade

As obras da “nova” Marginal Tietê estarão  em debate na próxima segunda-feira, 29, na Casa da Cidade, em São Paulo.

Com a presença de:
 
Saide Kahtouni – ABAP – Associação Brasileira de Arquitetos Paisagistas
Marcos Bicalho – ANTP – Associação Brasileira de Transporte Público
Jorge Wilheim – Arquiteto e Urbanista
Rafael Poço – EcoUrbano – Coletivo Ecologia Urbana (a confirmar)
Vasco de Melo – IAB/SP – Instituto de Arquitetos do Brasil (a confirmar)

Mais informações: www.casadacidade.org.br / (11) 3814-3372