Ônibus atraem cada vez menos passageiros

De 2006 pra cá, o ônibus foi a modalidade de transporte coletivo que menos passageiros atraiu na cidade de São Paulo. Considerando o total de viagens realizadas no transporte público, a participação dos ônibus passou de 65%, em 2006, para 58% no ano passado. A informação foi divulgada ontem em reportagem da Folha Online. No período, o número de viagens de ônibus aumentou apenas 13,3%, enquanto na CPTM este aumento foi de 63%, e no metrô, de 44%.

Além do crescimento da rede de metrô e trem, o principal fator responsável por essa situação é a falta de investimentos nos corredores de ônibus. A implementação da rede planejada para São Paulo foi simplesmente interrompida e nenhum novo corredor foi construído nos últimos anos. Além disso, o sistema de troncalização – ou seja, a redução do número de ônibus dentro do corredor e sua integração com linhas alimentadoras – nunca foi completado, o que faz com que o próprio corredor, mesmo segregado, fique congestionado… de ônibus.

O resultado é a baixa velocidade do sistema, o desconforto e, óbvio, uma péssima avaliação por parte dos usuários que, quando podem, preferem utilizar o transporte por trilhos, que, por sua vez, está superlotado. Na verdade nenhum sistema de transporte decente funciona bem só com um modal – é a integração dos vários modos que promove maior conforto e eficiência.

Por fim, como já comentei aqui, a forma de organizar e construir nossa cidade continua incentivando o uso do carro, e os usuários de ônibus são os mais prejudicados, já que estes concorrem com os carros no sistema viário da cidade.

(I)mobilidade na cidade de São Paulo

Em 2009, o recorde de índice de congestionamento em São Paulo – 294 km de lentidão – foi quebrado duas vezes no mesmo dia. Ao longo da última década, 118 km de vias congestionadas têm sido a média diária da cidade nos horários de pico. Entre os anos 2000 e 2008, a velocidade média do trânsito nos horários de pico da manhã e da tarde na cidade de São Paulo foi de 19,30 km/h. O  tempo médio gasto no trânsito pelos paulistanos para realizar todos os deslocamentos diários é de 2h42min. A cada mês, o paulistano passa dois dias e seis horas no carro ou no transporte público para se locomover. Os paulistanos perdem, em média, 27 dias por ano presos no congestionamento.

Os dados acima foram apresentados por mim e pela urbanista Danielle Klintowitz no artigo “(I)mobilidade na cidade de SãoPaulo”, publicado no início deste ano na Revista Estudos Avançados (vol.25, nº71). Para escrever o artigo, contamos com a colaboração de Vitor Coelho Nisida, estudante de graduação da FAU USP.

O texto apresenta uma análise dos projetos de mobilidade que foram implantados na cidade de São Paulo ao longo de sua história, focalizando os investimentos e mudanças na gestão realizados pelos poderes públicos municipal e estadual em infraestrutura viária e transporte coletivo na última década. Para ler o artigo, clique aqui.

Projeto de revitalização do Parque Dom Pedro II: nós já vimos esse filme

A prefeitura de São Paulo divulgou esta semana o mais novo projeto de revitalização do Parque Dom Pedro II, no centro. A região, que é uma parte da antiga Várzea do Carmo – um belíssimo parque que já teve uma ilha, a Ilha dos Amores, e onde, reza a lenda, realizou-se a primeira partida de futebol no Brasil -, desde o século XIX vem sofrendo várias intervenções.

A Várzea do Carmo foi sendo sucessivamente maltratada e mutilada, primeiro, através da canalização do Rio Tamanduateí, depois, através das várias intervenções do sistema viário, que transformaram o local num cebolão e, mais tarde, num grande terminal de ônibus.

O projeto da prefeitura, orçado em R$ 1,5 bilhão, prevê o rebaixamento de uma avenida, a construção de túneis, estacionamentos e terminal urbano, a demolição de viadutos, a criação de um centro de compras e de uma unidade do SESC/SENAC.

Nós já vimos esse filme: derrubam-se viadutos e constroem-se túneis; um edifício residencial (o São Vito) transforma-se em megaestacionamento. Apenas o custo do rebaixamento da Avenida do Estado e da construção dos túneis representa mais de 70% do orçamento da obra.

Mais uma vez, um projeto de sistema viário, com o objetivo de atender ao fluxo de automóveis, tem precedência sobre qualquer outro. E mais pessoas serão desalojadas de seu local de moradia. No meio disso tudo, a unidade do SESC/SENAC é o lacinho rosa na cabeça de mais uma obra rodoviarista.

Há vinte anos, um projeto da Lina Bo Bardi para a região previa a demolição do viaduto Diário Popular e a criação de um parque. Foi quando a sede da prefeitura saiu do Ibirapuera e se deslocou para o centro. Naquela época, a polêmica era em torno da retirada do viaduto (mas agora, fazendo túnel, tudo bem). Depois disso, muitos outros projetos já foram apresentados, inclusive na própria gestão do Kassab.

A primeira pergunta é: qual o sentido dessa intervenção? E a segunda, inevitável: será que ela vai mesmo acontecer ou trata-se de mais um factoide anunciado pela prefeitura? A única certeza é que aquela região foi degradada e tornou-se cada vez pior, graças à intervenção do poder público.

Obras viárias x transporte coletivo de massa: mais do mesmo na Grande São Paulo?

Matéria publicada na Folha de São Paulo no último domingo (15) – reproduzida abaixo – nos ajuda a entender por que ainda engatinhamos em um projeto de mobilidade viável e sustentável para São Paulo.

Apesar dos investimentos no metrô terem aumentado significativamente, as obras viárias ainda são as campeãs de investimento dos recursos públicos.

E o texto sequer aborda o avanço pífio no aumento de corredores exclusivos de ônibus na cidade, na integração de transportes de vários municípios da Região Metropolitana e da incorporação dos modos não motorizados, como bicicletas, no sistema. Leiam abaixo a matéria:

Expansão do metrô recebe menos verba que obra viária

Malha poderia ser 50% maior se gastos da década fossem só para os trilhos

Governos investiram R$ 13,5 bi em novas vias, mais do que os R$ 12 bi estimados para fazer 30 km de linhas

ALENCAR IZIDORO
DE SÃO PAULO

Mais do que novas avenidas, túneis e viadutos, a solução do transporte na região metropolitana de São Paulo está na expansão do metrô. O discurso parece até repetitivo -por já ser endossado por nove entre dez políticos deste século. Só que, na prática, não foi seguido à risca pelas várias esferas de governo e partidos, do PSDB ao PT.

Levantamento da Folha mostra que a Grande São Paulo deve completar a década com um desembolso acima de R$ 13,5 bilhões com as suas dez principais obras viárias novas. É dinheiro suficiente para, com folga, aumentar em 50% a rede atual do metrô paulistano.
E é mais do que os R$ 12 bilhões estimados para construir e equipar os 30 km de novas linhas de metrô que a região ganhou ou ganhará de 2000 até meados de 2011.

A conta considera só a ampliação do sistema metroviário em quilômetros e a construção de mais faixas de tráfego. Ela exclui os casos que se limitaram à modernização, reformas e equipamentos para vias ou metrô -bem como a melhoria dos trens e outros transportes coletivos.
Os cálculos motivam duas avaliações de especialistas: 1) O ritmo de expansão do metrô, inferior a 3 km/ano, prosseguiu tímido, embora superior à média de 1,5 km/ano das décadas anteriores; 2) Ainda que haja obras viárias importantes e úteis, é ruim que se invista mais nelas do que em metrô.

“Os políticos só pensam no alívio imediato do trânsito. Mas após uns três anos ele acaba. Os problemas voltam piores. É um remédio envenenado”, diz Sergio Ejzenberg, engenheiro e mestre em transportes pela USP.

REPETIÇÃO
Na lista de obras viárias desta década estão desde túneis construídos pela ex-prefeita Marta Suplicy (PT) até a alça sul do Rodoanel, que teve a contribuição do ex-governador José Serra (PSDB) e do presidente Lula (PT). A insuficiência da expansão do metrô também tem responsabilidade dividida.

A obra tem sido historicamente uma atribuição do Estado, comandado nesta década por gestões tucanas. O mesmo governo Lula que forneceu R$ 1,2 bilhão ao Rodoanel, porém, quase não investiu na expansão do metrô paulistano (exceção a empréstimos e um repasse de R$ 270 milhões cujo gasto não era obrigatório em metrô).

Será que o alívio no trânsito depois da inauguração do trecho sul do Rodoanel é duradouro?

É muito cedo para fazer uma avaliação sobre a inauguração do trecho sul do Rodoanel. Tudo vai depender da integração dessa obra com as demais intervenções que também estão sendo feitas, simultaneamente, na capital paulista e na região metropolitana. O efeito imediato foi o alívio da Avenida dos Bandeirantes, com a diminuição do número dos caminhões. Muitos constataram este efeito, e as medições que a imprensa fez também demonstraram isso. Mas a pergunta é: a situação será resolvida definitivamente? Essa diminuição no trânsito veio para ficar?

Depende. Primeiro, cada vez que se abre um novo viário há uma tendência de que passem a existir novas viagens naquela região. Isso significa que mais gente vai começar a usar aquela via. Motoristas que não usavam a Bandeirantes, se ela está mais livre, vão começar a usá-la. Isso vai ter impacto. Segundo, vamos lembrar que a Bandeirantes tem ligação com o porto, funcionando como eixo importante para o transporte de carga. E como há uma sazonalidade na questão da carga, picos de exportação, dependendo do que acontecer com a safra agrícola, com o dólar, etc, isso pode aumentar ou diminuir o número de caminhões circulando.

E, finalmente, eu queria lembrar que, inicialmente, a Secretaria Municipal de Transportes anunciou que haveria proibição de circulação de caminhões na Bandeirantes. Se isso realmente acontecer, a chance de o tráfego na Bandeirantes fluir melhor é muito grande. Um último possível impacto, mais no médio prazo, é algo que aconteceu com o trecho oeste do Rodoanel.

Muitas áreas da região metropolitana que estavam vazias passaram a acolher condomínios residenciais, industriais e pontos de centrais de logística. Essas áreas se constituíram em pólo gerador de tráfego. Rapidamente, o trecho oeste do Rodoanel começou a ficar congestionado em função da atratividade que gerou em termos de novas ocupações do solo. Será que isso também vai acontecer na zona sul? Esse é um outro elemento.

O problema todo é que se faz uma obra como o Rodoanel sem planejamento metropolitano e de ocupação do solo. Sem planejamento, o mercado vai se abrindo e ocupando o espaço. É a mesma discussão que eu faço em relação à ocupação de áreas de risco e em relação ao impacto de obras. Temos obras viárias, mas não temos um planejamento metropolitano que poderia, talvez, controlar, gerar, induzir ou impedir ocupações.

Urbanistas da FAU lançam manifesto online contra construção de mais pistas nas margens do Tietê

Diversos professores da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP acabam de lançar um manifesto online em repúdio à construção de mais seis pistas de asfalto nas margens do Rio Tietê, em São Paulo.

Para assinar, basta entrar na página da petição online e deixar seu nome. O site é seguro e não divulga o email de quem adere ao abaixo-assinado.

Manifesto

Nós, professores da Universidade de São Paulo, preocupados com o futuro de São Paulo, vimos por meio deste apresentar nosso total repúdio à política pública urbana que vem sendo implementada no Município, denominada “Revitalização da Marginal do Rio Tietê”, que prevê a construção de seis novas faixas de rolamento (três de cada lado) nessa via, consumindo R$ 1,3 bilhão em investimentos do Governo do Estado, da Prefeitura do Município de São Paulo, e das concessionárias das rodovias que usam o trajeto da Marginal.

Tal obra repete práticas de planejamento equivocadas, que levaram a metrópole ao colapso atual. Ao invés de reverter tal lógica, prioriza o transporte individual em detrimento do transporte coletivo, reproduzindo uma política excludente, além da triste tradição brasileira de obras vistosas que beneficiam a minoria e os setores especializados da construção civil. Ela se opõe frontalmente aos princípios de priorização do transporte coletivo sobre o individual constante do Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo e dos Planos Regionais Estratégicos das Subprefeituras.

O mais inaceitável é que os dados técnicos ratificam esta urgente e necessária priorização do transporte coletivo. A Pesquisa OD 2007, realizada pela Companhia do Metrô, mostra que: a taxa de motorização da Região Metropolitana é de menos de 20 veículos para cada cem habitantes; metade das famílias da região metropolitana não possui automóvel, parcela essa na qual se concentram as de mais baixa renda; e que um terço das 37,6 milhões de suas viagens diárias ainda é feita a pé, em função das péssimas condições sócio-econômicas da população. As viagens de automóvel correspondem a apenas 11,2 milhões, ou seja, aproximadamente 30% do total.

Se somarmos os gastos de todas as grandes obras viárias realizadas nos últimos 15 anos e daquelas previstas para o Centro Expandido da capital, aonde se concentram os estratos de maior renda, chega-se ao montante de vários bilhões de reais, valor mais que suficiente para a implantação de toda a Linha 4 – Amarela do metrô.

A Cidade do México, tomando um exemplo com alguma similaridade com São Paulo, iniciou o seu metrô na mesma época que nossa capital. Atualmente, apresenta uma rede com 202 km de extensão, face aos tímidos 61 km do metrô de São Paulo. Apesar da aceleração recente do ritmo das obras, o incentivo ao transporte coletivo é insuficiente, pois, mantendo-se o ritmo atual, serão necessários ainda assim aproximadamente 20 anos para alcançarmos a quilometragem da cidade do México.

Por outro lado, o sistema de trens, embora tenha uma quilometragem mais extensa que a do metrô, apresenta serviço irregular, com índices de conforto baixíssimos, espremendo seus usuários em uma concentração de 8,7 passageiros por metro quadrado nos trechos mais carregados no horário de pico, segundo dados da CPTM para maio de 2009. E mesmo o Metrô, que já foi fonte de orgulho quando da sua inauguração, ganhou o triste primeiro lugar em lotação entre todos os metrôs do mundo, segundo reportagens recentes.

Por fim, ressaltamos os problemas ambientais e de saúde publica resultantes dessa opção pelo transporte individual, que consome enorme quantidade de combustível fóssil, sendo que a emissão de gases poluentes por pessoa transportada é bem maior que a produzida pelo transporte público que se utiliza do mesmo combustível. Pesquisas do Laboratório de Poluição Atmosférica da Faculdade de Medicina da USP demonstram que a poluição é responsável por 8% das mortes por câncer de pulmão na cidade e que 15% das crianças internadas com pneumonia na rede hospitalar são vítimas da má qualidade do ar na cidade. Mesmo o recente Programa de Inspeção Veicular não consegue resolver esse problema em vista do crescimento da frota de veículos da metrópole que é de 10% ao ano. Além do mais, as obras da Marginal deverão ter impacto metropolitano e regional, porém foram licenciadas apenas no âmbito municipal.

Esse fabuloso investimento em um urbanismo rodoviarista em detrimento da construção de um sistema de transporte público amplo, eficiente e limpo, que atenderia à maioria da população, é um assustador retrocesso, que caminha na contramão da atual preocupação mundial com o meio ambiente. Acreditamos que as políticas públicas urbanas devam ser ambientalmente responsáveis e pautadas pelo atendimento das demandas da maior parte da sociedade. Políticas como aqui apontadas reforçam o caráter segregacionista da nossa cidade, privilegiando os estratos de maior renda e relegando a maioria da população a condições precárias de transporte e mobilidade, com danos ambientais para todos os cidadãos da metrópole. Por fim, esta obra não resolverá os problemas de transito da cidade, e muito menos da própria Marginal do Tietê.

Alexandre Delijaicov
Ana Cláudia C. Barone
Carlos Egídio Alonso
Catharina P. Cordeiro S. Lima
Eduardo A. C. Nobre
Erminia Maricato
Eugenio Queiroga
Euler Sandeville
Fábio Mariz Gonçalves
Flávio Villaça
João Sette Whitaker Ferreira
José Tavares Correia de Lira
Maria de Lourdes Zuquim
Maria Lucia Refinetti Martins
Nabil Bonduki
Paulo Sérgio Scarazzato
Paulo Pellegrino
Raquel Rolnik
Roberto Righi
Vladimir Bartalini

Projeto quer que obras geradoras de tráfego invistam no sistema viário antes de serem inauguradas

A lei de pólo gerador de tráfego já esta em vigor há mais de uma década na cidade de São Paulo. É legítimo que grandes empreendimentos, sejam eles comerciais ou residenciais, realizem às suas próprias expensas alterações no sistema viário do entorno, colocando, por exemplo, semáforos e passarelas para absorver o tráfego que será adicionado na região.

Essa lei ela tem dado muitos resultados, mas tem também evidentemente muitas falhas.  E há um projeto de lei da prefeitura que está tentando corrigir essas falhas. Um dos pontos que está sendo proposto é que essas intervenções devem estar prontas antes da inauguração dos empreendimentos. Hoje ainda não é assim, você pode começar funcionando e fazer aos poucos essas intervenções.

Mas há uma polêmica que vem sendo levantada pela oposição em relação a este projeto, pois ele só considera o efeito gerado na rua imediata onde o empreendimento está situado, e não o efeito na região como um todo, o que exigiria obras e intervenções muito mais amplas. E é fato que há um efeito local, mas há também um efeito muito mais amplo no entorno desses pólos geradores de tráfico.

Entrevista com o diretor de engenharia da Dersa sobre as obras da marginal do Tietê e o sistema viário de SP

Entrevistei na última sexta, 11, junto com o jornalista da Band News Luis Megale, o diretor de engenharia da Dersa, Paulo Vieira de Souza.

Falamos sobre a enchente que parou São Paulo, as obras de ampliação da marginal do Tietê e o problema de reafirmar o principal sistema viário da cidade nas margens de um rio. Confira abaixo o resultado.

Luiz Megale – A Dersa entende que há alguma relação com as obras realizadas na marginal do Tietê e as enchentes da ultima terça em SP?

Paulo Vieira de Souza – Se nos já estivéssemos impermeabilizado onde vai ser o local pista expressa, podia até ter uma tese que defendesse que teria contribuído para as enchentes em termos de volume de água. O problema é que na atual fase nós estamos abrindo caixas, criando pequenos piscinões por conta da obra, que viriam a facilitar a drenagem, não coibir a drenagem.

Megale – Mas e as árvores que já foram retiradas, as raízes não deixaram de sugar a água que havia no chão?

Paulo Vieira – Veja bem, existe uma tese de vários ambientalistas que afirma que a árvore permite uma melhoria na drenagem. Mas na microbacia da várzea do Tietê, os 19 hectares da obra representam 0,06% da impermeabilização dessa área.

Raquel Rolnik – Haverá teoricamente uma perda de 19 hectares de área permeável naquela região. E o tempo todo se diz que a compensação ambiental mais do que compensará isso. O que quero saber, que nunca ouvi concretamente, é se na área de compensação ambiental, que será no parque da várzea, serão estabelecidas novas áreas permeáveis. Ou seja, se áreas que estão impermeabilizadas hoje se tornarão permeáveis, para dizer que a cidade estará ganhando novas áreas permeáveis. Ou se estamos falando de plantio de árvores em um lugar que já não é impermeabilizado, ou seja, o lugar já é de terra. E senhor mesmo está dizendo que a questão fundamental não é arvores, mas a área permeável.

Paulo Vieira – Nós estamos fazendo grande parte do investimento da compensação ambiental no Parque Ecológico do Tietê, onde é possível proteger o rio. O que vamos fazer? Nos 25 km de São Paulo até a divisa de Itaquaquecetuba, nós iniciamos a retirada de urbanização desorganizada. Ou seja, residências que tomaram conta ao longo da faixa do rio. E vamos criar uma estrada-parque, uma ciclovia de passeio, que vai coibir novas invasões. Se você for lá na várzea do Tietê, no trevo dos pimentas, verá que ali o rio esta totalmente tomado por construções.

Raquel – Isso quer dizer que essas famílias serão retiradas? São famílias que vivem em assentamentos informais.

Paulo Vieira – Veja bem, essas pessoas invadiram e o governo precisa dar uma solução e dará, em termos da indenização da benfeitoria, ou como fizemos no Rodoanel e na Jacu Pêssego, oferecendo uma residência do CDHU em empreendimentos nas proximidades para que possamos fazer a remoção das famílias.

Raquel – E essas moradias já estão disponíveis para as famílias que serão removidas? Em outras situações, muitas famílias que são removidas de assentamentos informais acabam não tendo acesso à moradia da CDHU em função de problema de comprovação de renda. Gostaria de saber se o plano de reassentamento dessas populações já está pronto e totalmente equacionado.

Paulo Vieira – Por exemplo, no caso do Rodoanel, as unidades não são vendidas, elas são gratuitas. Como fizemos isso? Removemos as famílias, pagamos a remoção e 12 meses de aluguel, em alguns casos 16 meses, para que desse tempo da unidade ficar pronta ou ser adquirida, porque a unidade não precisa ser necessariamente construída pela CDHU. A pessoa também pode comprar uma unidade, com o fornecimento de carta de credito. Nós pagamos esse período de aluguel e fizemos a remoção. O que aconteceu? Das 1500 famílias, 800 optaram por unidades e as outras 700 pelo recurso financeiro.

Raquel – É o q o pessoal chama de cheque despejo, um cheque insuficiente para conseguir uma casa?

Paulo Vieira – É uma opção do morador. Se ele tem um imóvel cuja benfeitoria é de 20 mil reais, ele recebe um apartamento de 62 mil reais. Se ele tem uma benfeitoria que vale 100 mil reais, ele recebe 100 mil reais e procura o imóvel q desejar.

Raquel – Então não é que nem o cheque despejo da prefeitura, de três mil reais?

Paulo Vieira – Não fizemos isso no Rodoanel sul e não estamos fazendo na Jacu Pêssego. O que ocorre é que quando você está uma área invadida, particular ou do governo, você tem outra forma de tratar. O terreno não é da pessoa. Você só pode por conta da benfeitoria oferecer uma unidade ou oferecer o dinheiro correspondente à benfeitoria.

Megale – E em relação ao plano de emergência para caso de alagamentos que a Dersa será obrigada a disponibilizar, de acordo com determinação do CADIS. Quando é que será entregue este plano e como ele funcionará?

Paulo Vieira – Veja bem. Naquele dia choveu em oito horas a previsão de um mês. Nós estamos investindo em compensação ambiental na marginal 37 milhões de reais e plantando 83 mil arvores. No Parque Ecológico do Tietê nós estamos investindo 100 milhões de reais – isso representa 9% do valor do empreendimento, quando a legislação define que deve ser de 0,5%. Com relação à tratativa de alagamento, este programa é feito pela prefeitura, não pela Dersa.

Megale – Não, estou citando um parecer que inclusive foi mencionado no Jornal da Tarde, de número 127, da Câmara Técnica do Conselho Municipal do Meio Ambiente, que determina que as obras de ampliação da marginal devem dispor de um plano de emergência em caso de alagamentos.

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Ampliar a marginal repete erro histórico do urbanismo paulista. Mais enchentes e colapsos do sistema viário.

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Um estudo publicado na quarta-feira, 9, no jornal “O Estado de S. Paulo”, mostrou que a construção de novas pistas na marginal do Tietê terá como conseqüência a redução da área permeável da cidade. É verdade que haverá uma compensação ambiental, mas nem todas as árvores serão plantadas exatamente na marginal.

No mesmo dia o governador José Serra negou que as obras tenham contribuído para o transbordamento do rio, o que não ocorria há dois anos. Segundo ele, a ampliação das pistas não vai tirar um metro quadrado de permeabilidade do solo por causa da compensação ambiental. E o Ministério Público quer paralisar as obras da marginal, que mal começaram.

Em primeiro lugar, não é verdade que a construção de novas pistas na marginal não diminuirá a permeabilidade do solo. A cidade vai sim perder permeabilidade. Com essa obra serão perdidos 19 hectares – como se fossem 19 quadras da cidade de área permeável virando asfalto. A compensação ambiental, por meio do plantio de árvores, não irá compensar isso, pois as árvores serão plantadas em áreas verdes, que já são permeáveis hoje.

Mas é importante explicar que não é só porque perderemos esses 19 hectares que as enchentes aumentarão. No temporal de terça-feira houve sim um volume de água excepcional. Mas volumes de água excepcionais irão acontecer muitas vezes daqui para frente. A principal questão é que quando você coloca todo o sistema viário principal da cidade amarrado em cima dos rios, sempre que há um alagamento ele fica totalmente paralisado.

Por essa razão, o alargamento da marginal do Tietê é um erro urbanístico. É repetir o erro que já foi feito na história da cidade, fazer com que ele seja reiterado. E a prova disso foi a enchente que acabou de acontecer.

Mas não é só isso. Um problema é a área impermeável lá embaixo, ao lado do rio. Outro, mais importante, é a quantidade de área sendo impermeabilizada mais para cima, de onde vem a água que enche o rio. O Tietê tem pelo menos 16 afluentes, e esse volume todo desce das áreas altas, com terra e lixo. Essa mistura vai assoreando os rios e córregos e a própria calha do Tietê e do Pinheiros – e, com cada vez menos chuva, ocorrem mais alagamentos.

Podemos resolver esse problema do assoreamento de duas formas. A primeira é que está na cara que nossa cidade limpa está cidade imunda. A quantidade de lixo aumentou e esse lixo se acumula nos rios. Se o lixo se acumula porque o povo é mal educado, então temos que investir em campanhas, como fizemos com o fumo e com a lei seca, para que as pessoas não joguem mais lixo na rua. Mas é fato que o serviço de varrição foi reduzido, tanto que há um monte de gari desempregado agora.

E não basta apenas manter as galerias limpa, temos que coletar todo o lixo. Não pode haver nenhum pedacinho de papel no chão em lugar nenhum da cidade, incluindo nos assentamentos informais de baixa renda, que também precisam de coleta de lixo.

Outra questão é que existe algo chamado planejamento do uso e da ocupação do solo. Se você ampliar a cidade para qualquer lado, indiscriminadamente, impermeabilizando cada vez mais, teremos cada vez mais problemas de drenagem. É preciso planejar a expansão urbana. E isso é uma coisa que até hoje, na metrópole de São Paulo, simplesmente não existe.

Não há planejamento metropolitano. Cada município faz o que bem entende, não há dialogo entre eles. E os rios, infelizmente, não obedecem a limites municipais. Uma decisão tomada em Cotia ou em Barueri vai interferir naquilo que acontecerá na capital, pois o sistema hídrico é interligado.

O que o caos de terça-feira demonstrou foi que o modelo que vigorou até agora, que é pegar os rios, tamponar, canalizar e colocar todo o sistema viário em cima deles, é um modelo falido. Um modelo que não pode subsistir. Nesse sentido, entendo perfeitamente a posição da Promotoria, que questionou as obra da marginal.

As obras começaram com um licenciamento ambiental feito a toque de caixa, sem um debate adequado, e repetem um erro histórico do urbanismo paulista e paulistano. Isso depois de 450 arquitetos e urbanistas assinarem um manifesto dizendo “não repita, está errado, isso não pode ser feito”, o que foi absolutamente ignorado.

Acho que agora o governador Serra deveria parar um pouquinho para refletir. Em vez de dizer “Vocês querem que a cidade ande de burrico?”, deveria responder à população da cidade de São Paulo com uma alternativa consistente. Porque essa, mais do mesmo, a gente já viu que não vai dar certo.