São Paulo, 463 anos. Gestão Doria, 25 dias

Foto: @nandobenevenute/Instagram

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Para além de anúncios ainda genéricos em seus primeiros 25 dias, o novo prefeito da cidade de São Paulo, João Doria Jr., já tomou algumas medidas concretas: aumento da velocidade nas marginais, extinção de modalidades de bilhete único temporal e tentativa de aumentar as tarifas de integração e o Programa Cidade Linda, que incluiu ações de limpeza urbana, com alvos como grafites e pixações e moradores de rua.

Apesar de ainda restritas, essas decisões impactam diretamente sobre uma das mudanças mais significativas que a cidade estava vivendo nos últimos anos: a ruptura com a hegemonia do automóvel sobre todas as demais formas de circulação e a ampliação das possibilidades de circulação e presença, especialmente dos jovens moradores das periferias mais distantes, o que, em conjunto, vinha mudando a cara da capital paulista.

O aumento da velocidade das marginais é um recuo explícito na tentativa de reversão de uma submissão histórica aos automóveis e sua ditadura da velocidade a qualquer custo, inclusive de vidas humanas. No caso do Cidade Linda, trata-se do apagamento da presença de jovens do espaço público, especialmente dos que vivem nas periferias, transcendendo sua presença física ao invisibilizar marcas da expressão simbólica desses grupos na cidade. Essas medidas se aliam à reversão da presença física desses mesmos jovens nos espaços centrais e mais visíveis da cidade, que foi sendo crescentemente garantida através do aumento da mobilidade conquistada com a integração entre ônibus e trilhos, a priorização do transporte coletivo e as várias modalidades de bilhete único.

É essa presença, física e simbólica, que tem mudado a cara da cidade, nos lembrando quem é  a maioria dos habitantes de São Paulo, que estas primeiras medidas tomadas pelo novo prefeito  desejam agora reverter. Os grafites começaram como presença transgressora na paisagem da cidade, mas de certa forma foram a ela  incorporados, especialmente quando o ex-prefeito Fernando Haddad promoveu espaços para sua realização, como nos muros da Avenida 23 de Maio ou nos Arcos da Rua Assembléia, agora pintados de cinza. A ação de Doria, portanto, além de tentar invisibilizar essa expressão e seus protagonistas, busca apagar da cidade as marcas da gestão anterior, em uma clara lógica político-partidária.

Para além da disputa de “marcas” de gestões vinculadas a partidos distintos, apagar grafites e pixações carrega sentidos mais amplos. Isso fica evidente, por exemplo, no caso da Ponte Octávio Frias de Oliveira, conhecida como Ponte Estaiada, ícone de uma São Paulo corporativa e globalizada. Sua escolha como “símbolo” da cidade projeta a imagem de uma centralidade de alta renda, dependente do automóvel e vinculada à arquitetura que o complexo imobiliário financeiro implantou na cidade, desprezando sua heterogeneidade. Desde sua inauguração, o local  já foi  alvo de protestos por não permitir a circulação de ônibus ou bicicletas. Justamente em uma ação de contestação a tudo isso, a ponte foi pixada. Numa ação muito eloquente da mais nova batalha desta  guerra simbólica,  o novo prefeito não só mandou apagar os pixos, como também instalar ali  câmeras de segurança  e policiamento por meio da GCM 24 horas  no local.

Essas medidas, entretanto, não estão sendo implementadas sem contestação e resistência, haja vista os protestos que já têm tomado as ruas e as redes sociais e a ação contrária às ações municipais no judiciário. Daqui para frente, devemos esperar mais embates ainda, conforme se concretizem outras medidas de mesmo teor, como a proposta anunciada de confinamento da Virada Cultural no Autódromo de Interlagos.  Essa proposta tem tudo a ver com a proposição por parte do novo prefeito de criar “grafitódromos”, locais específicos onde grafiteiros e pixadores possam se expressar, demonstrando total ignorância sobre a natureza dessas expressões.

São Paulo não merece esse tipo de retrocesso como presente de aniversário. A ocupação heterogênea dos espaços públicos, com todo conflito que isso tem provocado, é uma enorme conquista. Cabe a nós ter a imaginação e inteligência político-social para administrar essa nova realidade e transformar a gestão desses espaços de forma a melhor acolher essa diversidade. Negá-la, reprimi-la e apagá-la apenas exacerbará os conflitos.

Publicado originalmente no portal Yahoo!

4 comentários sobre “São Paulo, 463 anos. Gestão Doria, 25 dias

  1. Toda ação “puxa” uma reação: assim é a dinâmica natural e, por que não dizer, cósmica. Da mesma forma o chamado “pixo” é uma forma de reação contra a dinâmica política em nossa atualidade. Daí que apagar ou tentar apagar o “pixo” na cidade releva, de fato, em primeiro lugar, uma tentativa do atual prefeito de “apagar” o que o seu antecessor havia “liberado” e até mesmo “liderado” (uma vez ter colocado à disposição de grafiteiros locais públicos nunca antes permitidos a esse tipo de intervenção, como as “arcadas” da 23 de Maio).
    Sobre as escolhas estéticas do Senhor Dorito para a sua “Cidade Linda” vamos ter, sim, que discutir bastante e desde já. Pois não será possível que se imponha a todos uma “curadoria” estética que já se lança contra o “pixo” e se exemplifique o que é “bom” citando nomes no mínimo controversos. Ou teremos em curto espaço de tempo uma cidade inteira “adornada” segundo a (péssima) visão e formação “artística” de um Dorito sem a menor competência para tal empreitada.
    O assunto vale um colóquio internacional, uma grande exposição de real interesse para a sociedade.

  2. O que ocorre é exatamente o que a professsora Raquel citou: a vã tentativa de “esconder” a periferia (formada por classes sociais menos abastadas) do restante da cidade. É como se fechássemos os olhos para a gigantesca diferença social que predomina em nossa sociedade, e simplesmente “pintássemos” o mundo colorido (ou cinza, no caso) em nosso pequeno “quadrado”.
    O Grafite é uma arte contemporanea conhecida no mundo todo, inclusive tendo castelos medievais pintados com a textura grafite!!! E em tempo, o Grafite veio com a arte das ruas, mas hoje nada tem de comum com os pixos que, esses sim, emporcalham nossas cidades.
    Enfim, gastou-se mão de obra, tinta cinza, tudo provindo de nossos impostos, para que pudessemos ter uma cidade mais “cinza”…..

    • Pegando carona em seu comentário, digo que não existe a tal falta de visibilidade da periferia.

      Seja quem for o prefeito, é a periferia é quem hoje dá as cartas no mundo da música com o Funk. O Funk saiu das quebradas passando a tocar também nas casas noturnas dos bairros mais caros para deleite dos jovens de classe média das grandes cidades. O funkeiro MC Pedrinho ficou milionário com menos de dezoito anos de idade e Guimê foi no mesmo caminho, trilhado também por Anitta. Criolo, Emicida e Racionais são nomes respeitados entre músicos de outras vertentes musicais típicos de classe média como o Rock e o Hard Rock. Ao lado do sertanejo e do pagode, o funk é hoje o gênero musical mais ouvido nas grandes metrópoles.

      Onde está a falta de visibilidade?

      O grafite é outra manifestação artística que ao sair da marginalidade (para decepção dos intelectuais de esquerda) colocou jovens da periferia em contato com os negócios. Ao lado dos pioneiros Os Gemeos, Kobra é um artista reconhecido mundialmente e está formando uma legião de seguidores de sua arte, da qual São Paulo é um dos expoentes mundiais.

      Também podemos citar a dança de rua (ou srteet dance) e o esporte como incontestáveis caminhos de inserção dos jovens da periferia que tem dado certo. Gabriel Jesus, o jovem atacante campeão pelo Palmeiras que hoje brilha no Manchester City nasceu e cresceu no Jd Peri na zona norte de São Paulo. Só para ficar em um exemplo entre milhares.

      Não há falta de visibilidade. O que há é muito mi mi mi.

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