Marginal Tietê e Pinheiros serão portas de entrada para volta de outdoors na cidade

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Outdoors na Marginal Pinheiros em 2007. Foto: Lalo de Almeida/Folhapress

A Comissão de Proteção à Paisagem Urbana (CPPU) aprovou na última quarta-feira (18) um termo de cooperação técnica que permite a instalação de 32 painéis de LED e 250 totens em 32 pontes nas Marginais Pinheiros e Tietê como “contrapartidas visuais”, ou seja, publicidade.

A CPPU é o órgão responsável por acompanhar a implementação da lei Cidade Limpa e outras questões relativas à paisagem urbana. Assim como outros conselhos,  é  paritário, ou seja, tem metade dos membros da sociedade civil e metade composta por representantes da própria prefeitura, que ainda ocupa a presidência do órgão. Quase sempre os representantes da prefeitura votam em bloco, seguindo a orientação do Executivo, limitando a efetividade desses conselhos como órgãos de compartilhamento de decisões com a sociedade.

Na prática, o projeto aprovado busca reintroduzir anúncios na cidade, que vive sem eles desde 2007, quando passou a vigorar a Lei Cidade Limpa. A ausência dos espaços publicitários nos bombardeando constantemente com anúncios já estava consolidada como um patrimônio paulistano.

Apesar de ser específico para as marginais, o projeto funciona como um passa boi, abrindo a brecha para que logo passe a boiada. Para a atual gestão, a ocupação do espaço público pela publicidade é central para seu projeto de desestatização de espaços e equipamentos públicos, já que esta  é uma das principais  formas de parceiros privados obterem vantagens ao realizarem doações ou assumirem a administração de praças, parques, entre outros.

Doria já havia tentando emplacar a possibilidade de anúncios nas marginais. Em fevereiro ele fechou um acordo informal com a Quatar Airways, durante sua viagem aos Emirados Árabes. O acordo permitia a empresa expor sua marca nas placas  em troca de um pacote de revitalização de 19 pontes, ao custo de R$ 20 milhões. Depois do acordo informal, revelado pelo próprio prefeito João Doria, a prefeitura lançou em maio um edital de chamamento público para oficializar a parceria. Em agosto, ao ser questionado por uma Ação de Popular proposta pelo mandato da vereadora Samia Bomfim e por questionamentos do Tribunal de Contas, a prefeitura cancelou o edital e adiou o plano de revitalização das pontes.

No projeto aprovado na CPPU esta semana, os painéis gigantes e digitais fazem parte, teoricamente, do embelezamento das pontes, o que também envolve a sua pintura e algumas obras de acesso, além da doação de viaturas e câmeras de vigilância. Esse pacote de benfeitorias tem custo total de R$ 300 milhões, valor ínfimo no mercado publicitário diante do alcance que anúncios nessas vias podem ter. Cerca de 3 milhões de pessoas passam  pelas marginais todos os dias.

O projeto foi desenvolvido e apresentado pela empresa USB Trade Marketing, mas qual será seu papel e como ela irá recuperar seu investimento também não está claro. No texto discutido na CPPU, há a informação de que poderão ser exibidos conteúdos de cinco empresas, mas não é informado quais nem o tipo de relação que elas terão com a prefeitura ou a USB.

Para além do tema do desmonte do Cidade Limpa, já mencionado, precisaríamos discutir se a prioridade nas marginais é realmente ter anúncios luminosos, áreas ajardinadas e mais câmeras ou, por exemplo, equacionar a passagem de pedestres e ciclistas de um lado para outro da cidade, por exemplo. Se a prioridade dos que vivem à beira das marginais é encontrar contêineres com curso de cabeleireiro e pedreiro na beira das pontes, como proposto no projeto aprovado ou ter acesso a uma moradia digna. Trata-se, mais uma vez, de uma total inversão: ao invés de partirmos das demandas e necessidades dos cidadãos, o que deveria ser o objeto original dos planos e projetos, partimos das necessidades de criar mais e mais espaços para geração de negócios e venda de produtos…

Esse também foi assunto da minha coluna dessa semana na Rádio USP. Ouça a íntegra aqui.

 

São Paulo, 463 anos. Gestão Doria, 25 dias

Foto: @nandobenevenute/Instagram

Foto: @nandobenevenute/Instagram

Para além de anúncios ainda genéricos em seus primeiros 25 dias, o novo prefeito da cidade de São Paulo, João Doria Jr., já tomou algumas medidas concretas: aumento da velocidade nas marginais, extinção de modalidades de bilhete único temporal e tentativa de aumentar as tarifas de integração e o Programa Cidade Linda, que incluiu ações de limpeza urbana, com alvos como grafites e pixações e moradores de rua.

Apesar de ainda restritas, essas decisões impactam diretamente sobre uma das mudanças mais significativas que a cidade estava vivendo nos últimos anos: a ruptura com a hegemonia do automóvel sobre todas as demais formas de circulação e a ampliação das possibilidades de circulação e presença, especialmente dos jovens moradores das periferias mais distantes, o que, em conjunto, vinha mudando a cara da capital paulista.

O aumento da velocidade das marginais é um recuo explícito na tentativa de reversão de uma submissão histórica aos automóveis e sua ditadura da velocidade a qualquer custo, inclusive de vidas humanas. No caso do Cidade Linda, trata-se do apagamento da presença de jovens do espaço público, especialmente dos que vivem nas periferias, transcendendo sua presença física ao invisibilizar marcas da expressão simbólica desses grupos na cidade. Essas medidas se aliam à reversão da presença física desses mesmos jovens nos espaços centrais e mais visíveis da cidade, que foi sendo crescentemente garantida através do aumento da mobilidade conquistada com a integração entre ônibus e trilhos, a priorização do transporte coletivo e as várias modalidades de bilhete único.

É essa presença, física e simbólica, que tem mudado a cara da cidade, nos lembrando quem é  a maioria dos habitantes de São Paulo, que estas primeiras medidas tomadas pelo novo prefeito  desejam agora reverter. Os grafites começaram como presença transgressora na paisagem da cidade, mas de certa forma foram a ela  incorporados, especialmente quando o ex-prefeito Fernando Haddad promoveu espaços para sua realização, como nos muros da Avenida 23 de Maio ou nos Arcos da Rua Assembléia, agora pintados de cinza. A ação de Doria, portanto, além de tentar invisibilizar essa expressão e seus protagonistas, busca apagar da cidade as marcas da gestão anterior, em uma clara lógica político-partidária.

Para além da disputa de “marcas” de gestões vinculadas a partidos distintos, apagar grafites e pixações carrega sentidos mais amplos. Isso fica evidente, por exemplo, no caso da Ponte Octávio Frias de Oliveira, conhecida como Ponte Estaiada, ícone de uma São Paulo corporativa e globalizada. Sua escolha como “símbolo” da cidade projeta a imagem de uma centralidade de alta renda, dependente do automóvel e vinculada à arquitetura que o complexo imobiliário financeiro implantou na cidade, desprezando sua heterogeneidade. Desde sua inauguração, o local  já foi  alvo de protestos por não permitir a circulação de ônibus ou bicicletas. Justamente em uma ação de contestação a tudo isso, a ponte foi pixada. Numa ação muito eloquente da mais nova batalha desta  guerra simbólica,  o novo prefeito não só mandou apagar os pixos, como também instalar ali  câmeras de segurança  e policiamento por meio da GCM 24 horas  no local.

Essas medidas, entretanto, não estão sendo implementadas sem contestação e resistência, haja vista os protestos que já têm tomado as ruas e as redes sociais e a ação contrária às ações municipais no judiciário. Daqui para frente, devemos esperar mais embates ainda, conforme se concretizem outras medidas de mesmo teor, como a proposta anunciada de confinamento da Virada Cultural no Autódromo de Interlagos.  Essa proposta tem tudo a ver com a proposição por parte do novo prefeito de criar “grafitódromos”, locais específicos onde grafiteiros e pixadores possam se expressar, demonstrando total ignorância sobre a natureza dessas expressões.

São Paulo não merece esse tipo de retrocesso como presente de aniversário. A ocupação heterogênea dos espaços públicos, com todo conflito que isso tem provocado, é uma enorme conquista. Cabe a nós ter a imaginação e inteligência político-social para administrar essa nova realidade e transformar a gestão desses espaços de forma a melhor acolher essa diversidade. Negá-la, reprimi-la e apagá-la apenas exacerbará os conflitos.

Publicado originalmente no portal Yahoo!

Mobiliário urbano: a paisagem, o conforto… e o negócio!

Quem já está cansado de ver abrigos de ônibus, lixeiras e relógios digitais caindo aos pedaços na cidade de São Paulo ainda vai ter que esperar para ver essa situação resolvida. Desde que a Lei Cidade Limpa entrou em vigor, em fevereiro de 2007, proibindo propagandas nas ruas da cidade, o governo vinculou a permissão de anúncios comerciais no espaço público à proposta de uma mega-concessão bilionária de mobiliário urbano na capital.

Através dessa concessão, a empresa vencedora da licitação deteria o poder de explorar comercialmente espaços em abrigos de ônibus, postes de sinalização de paradas de transporte, relógios digitais e lixeiras e, em contrapartida, investiria na produção, reforma e manutenção destes equipamentos.

O texto do projeto de lei que regula o assunto foi enviado à Câmara Municipal no início de 2009 e já foi colocado em votação no plenário três vezes, mas encontrou a resistência de parlamentares que desejam modificar a proposta original.

O negócio – de R$ 2,2 bilhões – provoca na Câmara dois grandes campos de disputa. De um lado, as pequenas empresas do setor sustentam que só algumas multinacionais – que já são detentoras desta tecnologia em outros países – têm condições de participar da licitação. Do outro lado, o mercado publicitário, impedido desde 2007 de explorar os outdoors, defende a separação das concessões, já que abrigos de ônibus interessam menos do que relógios digitais, por exemplo.

Pouca atenção tem sido dada, entretanto, a aspectos que vão além do “negócio”. Para começar, um debate em torno do mobiliário urbano, por incrível que pareça, não discute o modelo de mobília que precisamos – e queremos – em nossa casa/cidade.

Questões como o conforto dos usuários de ônibus nos abrigos e o impacto de postes de 4 metros de altura “sinalizando” pontos de parada de transporte na combalida paisagem paulistana, por exemplo, parecem assuntos menores.

É mais ou menos como se, um belo dia, na nossa casa, fôssemos obrigados a conviver com um espanador de pó instalado no rabo de um elefante só porque a mensagem publicitária que vai financiar a produção do espanador de pó precisa de um suporte do tamanho de um elefante…

Afinal de contas, qual é o mobiliário de que a cidade precisa? Não temos banheiros públicos, as lixeiras são precárias, insuficientes e pouco adaptadas a seu uso. Quantas vezes nos deparamos com lixeiras superlotadas onde não cabe aquela garrafinha que nos recusamos a jogar no chão? Quantas vezes temos que esperar o ônibus do lado de um poste semi-enterrado que sequer avisa quais linhas passam por ali?

Embora sejam irritantes os relógios digitais que marcam 34:56 horas e 86 graus de temperatura, acho bom que o projeto de mobiliário ainda não tenha sido aprovado. São Paulo, assim como outras cidades, precisa de um bom debate público sobre que mobiliário urbano merecemos ter.

Se este não é viável para o modelo do negócio da propaganda, vamos rever esta ideia sem sentido de que precisamos, necessariamente, de um “pacote completo” de mobiliário urbano centralizado, com concessão para um “dono”, para que possamos, finalmente, ter uma cidade confortável.

* Originalmente publicado no Yahoo! Colunistas.