O aumento inovador no transporte público de São Paulo

MAPAS UNIDOS

Desde o último dia 8, moradores de várias cidades do estado de São Paulo pagaram  mais caro para se locomover de ônibus, trem e metrô. Na capital, o valor das tarifas básicas de nenhum dos modais mudou. Mas, mesmo assim, muita gente pagou bem mais  para andar pela cidade entre domingo e esta quarta-feira (11). Isso porque o prefeito João Doria e o governador Geraldo Alckmin aumentaram o preço da integração entre os sistemas.

O congelamento da tarifa durante os quatro anos de mandato era uma promessa de campanha de Doria, que logo depois de eleito reduziu o compromisso para o primeiro ano de governo. O posicionamento do prefeito causou constrangimento a Alckmin, que teria que arcar sozinho com os custos políticos de aumentar ainda mais uma tarifa já bastante elevada em meio à crise econômica, e assim a estratégia adotada foi  congelar as tarifas, mas compensar  com grandes aumentos nas integrações, além de cortes nos bilhetes temporais.

Uma decisão liminar do juiz Paulo Furtado de Oliveira Filho determinou que o aumento das integrações não deveria entrar em vigor. Um oficial de justiça tentou notificar o governador no dia 6, dia da decisão do magistrado, mas ele não estava no Palácio dos Bandeirantes. Assim, o Governo do Estado alegou não ter sido notificado e a tarifa da integração não só aumentou no domingo (8) como continuou em vigor até a noite de ontem (10), quando um outro juiz indeferiu o pedido de Alckmin para revogar a decisão anterior.

Em São Paulo, é possível usar o mesmo bilhete eletrônico para pagar ônibus e trilhos (trem da CPTM ou metrô) que, antes do aumento custava R$ 5,92. Com o reajuste, o chamado bilhete integração  passou para R$ 6,80, alta de 14,8%, bem acima da inflação do período, de 6,43%. Também houve aumento de RS 230 para R$ 300 no valor do bilhete mensal. Além disso, nos terminais de ônibus de Piraporinha, Diadema, São Mateus, Campo Limpo e Capão Redondo, para quem usa o transporte intermunicipal que chega ou sai desses terminais,  a entrada passaria a ser paga a partir do dia 22, com valores que variavam entre R$ 1,12 e R$ 1,65. Esses aumentos, promovidos pelo governo do Estado, estão, entretanto,  por ora suspensos pela Justiça.

Na cidade também existem modalidades de integração temporal, de responsabilidade da prefeitura, em que o usuário paga um valor para andar livremente durante um determinado período. A modalidade semanal, que permitia a realização de quantas viagens o usuário quisesse durante sete dias por trilhos ou ônibus por um valor total R$ 60, foi extinta, assim como o bilhete mensal temporal estudantil, permanecendo apenas a possibilidade de compra de cotas limitadas. Essas decisões ainda estão em vigor.

Na prática, para muita gente, especialmente para quem mora mais longe, e que usa vários modais, essas medidas tornariam bem mais caro se locomover em São Paulo. Já quem vive próximo de estações de metrô ou corredores, condição que normalmente significa maior renda, pode não ser afetado diretamente pelo aumento. O mapa acima mostra os percursos feitos pela maioria dos passageiros que usam os ônibus da cidade, tendo embarcado anteriormente em trens ou no metrô, de acordo com os  dados mais recentes da  SPTrans, de outubro de 2016. A Secretaria Estadual dos Transportes não  disponibiliza dados sobre o volume de passageiros que entram nos trens e metrôs oriundos de viagens de ônibus com bilhete de integração.

Mas mesmo com essa limitação, é possível detectar uma geografia do aumento: moradores da Zona Leste, especialmente de sua periferia, seriam os mais afetados, assim como aqueles das regiões  Sul e Norte.

Além disso, como vários municípios da Grande São Paulo aumentaram as tarifas dos ônibus, quem mora em cidades como Osasco ou Cotia, por exemplo, e trabalha em São Paulo, ainda terá que arcar também com os aumentos municipais das tarifas, o que, aliado ao aumento do bilhete de integração , encarece enormemente o custo das viagens.

A integração dos modais metropolitanos foi uma das medidas tomadas pelos governos  municipais e estadual de São Paulo que mais incidiu positivamente no aumento da mobilidade de quem vive na cidade e  nos municípios vizinhos. É exatamente essa política – junto, evidentemente, com o aumento da renda, inclusive entre os mais pobres, que ocorreu  na cidade entre 2003-2013 – que provocou uma das transformações mais importantes no uso dos espaços da cidade, com a democratização de lugares como a Av. Paulista, os parques e equipamentos e o uso mais intenso dos espaços públicos da cidade.

O encarecimento agora, em conjunto com a perda de poder aquisitivo, seguramente vai impor um retrocesso  nesse processo, restringindo novamente  o acesso aos espaços públicos, ainda muito concentrados nos bairros mais bem infraestruturados da cidade. Embora suspensos pela Justiça, esses aumentos ainda poderão acontecer  na medida em que o Governo do Estado ainda deve recorrer  da decisão liminar. Além disso,  a gestão Alckmin sinaliza que, impossibilitado de aumentar as integrações, deve subir o valor da tarifa básica para R$ 4,05.

Na nesta quinta-feira (12), o Movimento Passe Livre realizará um ato contra as medidas. A concentração está marcada para as 17 horas, na  Praça do Ciclista, na Avenida Paulista, e a marcha deve seguir para a casa de Doria, no Jardim Europa. O prefeito será premiado com o Troféu Catraca na categoria Aumento Inovador.

Publicado originalmente no portal Yahoo!

2 comentários sobre “O aumento inovador no transporte público de São Paulo

  1. Mesmo filme antigo.

    Sai ano-velho, entra ano-novo e tudo sobe: tarifas de ônibus urbano, interurbano e iterestadual, metrô, trem, IPVA, IPTU, etc.

    Quando Doria disse que não aumentaria as passagens de ônibus, muitos pensaram a mesma coisa: ou ele está blefando ou nunca andou de ônibus em São Paulo, cidade onde as integrações de ônibus com metrô e trem são cada vez mais frequentes. Porém, se não houver aumento de tarifas, quem vai arcar com o aumento dos custos do transporte?

  2. Off topic mas tem tudo a ver com o blog. Pulicado na Folha em 14/01/2017 no caderno Cotidiano

    Criminosos estão por trás de invasões no país, diz ex-secretário de Haddad

    14/01/2017 02h00

    O crime organizado está por trás de várias invasões de imóveis vazios pelo Brasil, diz o arquiteto João Sette Whitaker, que foi secretário de Habitação na gestão de Fernando Haddad (PT). “Criam movimentos de sem-teto de fachada para encobrir bases de operação do tráfico”, diz.

    Whitaker rebate ainda as críticas feitas por Rodrigo Garcia, secretário de Habitação do governo Geraldo Alckmin (PSDB), que acusou a gestão Haddad de leniência e estímulo às invasões. Para ele, “se terrenos particulares são ocupados, o desleixo é da segurança, que é do governo do Estado”.

    Sobre a modesta quantidade de apartamentos entregues nos últimos quatro anos, Whitaker culpa o governo federal. “A torneira do Minha Casa Minha Vida se fechou em 2014, sofremos com a falta de repasses.” Ele conversou com a Folha de Paris, onde está em férias, antes de voltar a lecionar na Faculdade de Arquitetura da USP.

    Folha – O secretário estadual de Habitação, Rodrigo Garcia, acusou a gestão Haddad de leniência e de estimular as invasões.

    João Sette Whitaker – Muitos edifícios não cumprem a função social da propriedade, o que é fato, e os movimentos de moradia pressionam. A relação na Justiça é entre o proprietário e os ocupantes, a prefeitura apenas acompanha e faz uma mediação. Achar uma saída, que pode ser o Minha Casa Minha Vida, para reabilitar um prédio.

    Houve desleixo com a invasão de prédios públicos?

    Pedimos a reintegração de posse do edifício que abriga o Cine Marrocos. A polícia descobriu 15 quilos de crack, escopetas, um sistema de monitoramento. Imigrantes eram explorados. Usam a ocupação como fachada ou base de operação para o tráfico na Cracolândia, há várias outras assim. Nos últimos anos, houve uma contaminação muito grande de ocupações pelo crime organizado. Cooptam ou sublocam para pessoas muito pobres, um negócio, está acontecendo em diversas cidades brasileiras.

    O secretário disse que os terrenos ocupados pelo MTST, movimento liderado por Guilherme Boulos, tiveram seus pedidos atendidos, inclusive de novo zoneamento. Isso não estimula mais invasões?

    Os dois empreendimentos do Boulos, a Copa do Povo e a Nova Palestina não têm nada a ver com a prefeitura.
    Há uma linha do Minha Casa Minha Vida para entidades da sociedade civil. A prefeitura só entra nesse processo para licenciar, como qualquer empreendimento de habitação social. Esses terrenos particulares puderam ser ocupados pelo Boulos porque, se houve algum desleixo, faltou policiamento. Essas invasões acontecem por falha da segurança do governo do Estado.
    Boulos e o movimento dele se tornaram proprietários do terreno e entraram com um procedimento normal. Como secretário, eu tenho muito interesse que se produza mais habitação social. A Câmara aprovou o novo zoneamento.

    Houve favorecimento a entidades?

    É inverídico e falso. É normal entidades estarem ligadas a partidos, e muitas que atendemos são próximas do PSDB. Nós fizemos 12 chamamentos nos últimos quatro anos, enquanto o último feito pelo governo estadual é de 2011.
    A distribuição é feita 50% por sorteio e 50% por decisão discricionária da prefeitura. Uma regra para “passar na frente” é quem está recebendo o auxílio aluguel, que é muito oneroso. Temos 30 mil pessoas assim. É muito perigoso deslegitimar os movimentos de moradia, nós contamos com eles.

    Por que o governo Haddad entregou tão poucas unidades habitacionais?

    Herdamos poucas. A equipe do Kassab (PSD) não se alinhou ao Minha Casa Minha Vida por razões políticas. Só contrataram 8.000 unidades, menos de um terço que no Rio de Janeiro. Preferiram construir prédios vistosos, feitos por bons arquitetos, mas que custam o dobro do Minha Casa Minha Vida, alguns de até R$ 250 mil a unidade.
    Eles retiravam as pessoas das favelas para construir esses prédios, pagavam auxílio aluguel –que se tornou um gasto enorme–, mas nunca fizeram em quantidade suficiente.

    Muitos conjuntos habitacionais estão com obras paradas há dois anos. Alguns foram até invadidos. O programa de reurbanização de favelas e de canalização de córregos empacou.

    O processo leva muito tempo, temos uma demanda gigantesca, precisamos de produção em massa, não os predinhos de arquitetos no lugar. O foco do Haddad foi alinhar a política municipal ao Minha Casa Minha Vida e deixar os projetos que eram caros demais. Mas o governo Dilma Rousseff (PT) foi impossibilitado de governar, a crise política se tornou crise econômica e a torneira de recursos federais foi fechada.

    Mas Dilma paralisou o Minha Casa Minha Vida em novembro de 2014, pouco após ser reeleita. Nem se falava de impeachment ainda, nem Joaquim Levy tinha sido nomeado.

    Há uma grande discussão a se fazer sobre o governo Dilma, mas o que eu quero dizer é que a crise se agravou. A falta de repasse das verbas federais nos prejudicou. São Paulo não foi privilegiada, apesar de sua centralidade no deficit habitacional brasileiro. A questão agora é como obter o financiamento, ver como será o Minha Casa Minha Vida com esse governo federal que julgo ilegítimo.

    O sr. criticou os predinhos de arquitetos do Kassab como caros. Mas o Minha Casa Minha Vida é muito criticado pela má qualidade arquitetônica e urbanística dos projetos.

    O que decide a qualidade é a arquitetura do programa de financiamento. A lógica do programa favorece as construtoras, que visam apenas o lucro e dão pouco espaço ao projeto. A pressão é por grande quantidade, sem muita qualidade. Falta uma sintonia fina entre arquitetos e construtoras em como produzir muito e barato, para atender muita gente. Produzir mais com qualidade não fecha as contas públicas.

    O sr. só assumiu a Habitação no último ano da gestão. Nos três primeiros anos, a secretaria ficou com o PP. Como foi essa herança?

    O prefeito Haddad deixa muito para o Doria (PSDB) poder começar. Há 34 mil unidades licenciadas, prontas para contratar, só falta o financiamento. Nenhum outro prefeito fez tanto quanto Haddad, ainda mais com uma recessão que fez a economia do país cair mais de 7%. Habitação é algo demorado. Comprar e regularizar o terreno, o projeto, a licitação, a obra. É miragem achar que em quatro anos você consegue começar e entregar as obras.

    Haddad, Kassab e Marta chegaram ao final do mandato dizendo que tinham um levantamento de edifícios vazios no centro que poderiam servir para a habitação. Mas pouquíssimos, de fato, foram reabilitados. Por quê?

    Se fazer habitação popular é lento, você pode triplicar isso para prédios antigos. Tem novas regras de bombeiros, de segurança, o que pode ou não ser feito na reabilitação, às vezes o imóvel tem diversos proprietários… Só daria para fazer se houvesse continuidade, algo incomum no Brasil.


    Raio-X

    Formação: graduação em economia pela PUC-SP, doutorado em arquitetura e urbanismo pela FAU-USP

    Carreira acadêmica: é professor livre-docente da FAU-USP. Lecionou na Universidade Mackenzie e foi professor-visitante na Université de Paris 3 – Sorbone Nouvelle, em Paris

    Carreira política: foi secretário municipal de Habitação de São Paulo no último ano (2.dez.2015 a 31.dez.2016) da gestão Fernando Haddad (PT)

    Livros: É coordenador da publicação “Produzir Casas ou Construir Cidades? Desafio para um Novo Brasil Urbano”, lançada em 2012

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