Ninguém vai morar em área de risco porque quer ou porque é burro

Na última terça-feira participei do Jornal da TV Cultura, falando sobre o problema das chuvas que atingem várias regiões do nosso país nesta época do ano. Depois da apresentação de uma reportagem que mostrava deslizamentos de encostas e perdas de vidas em várias cidades, a primeira pergunta do apresentador Heródoto Barbeiro foi: “isso tem solução?”

Segue abaixo a minha resposta:

“Tem solução, sim. Evidentemente algumas medidas são paliativas. Há formas de intervenção para melhorar a estabilidade dos terrenos, drenar melhor a água, conter encostas, ou seja, melhorar a condição de segurança e a gestão do lugar para que, mesmo numa situação de risco, se possam evitar mortes.

Mas a questão de fundo é que  ninguém vai morar numa área de risco porque quer ou porque é burro. As pessoas vão morar numa área de risco porque não têm nenhuma opção para a renda que possuem. Estamos falando de trabalhadores cujo rendimento não possibilita a compra ou aluguel de uma moradia num local adequado. E isso se repete em todas as cidades e regiões metropolitanas.

Não adiantam nada as obras paliativas aqui e ali se não tocarmos nesse ponto fundamental que é: quais são os locais adequados, ou seja, fora das áreas de risco, que serão abertos ou disponibilizados para que a população de menor renda possa morar?”.

Quem quiser assistir a edição completa do telejornal, pode acessar o site da TV Cultura no seguinte link: http://www.tvcultura.com.br/jornal-da-cultura/programa/jc20110111

21 comentários sobre “Ninguém vai morar em área de risco porque quer ou porque é burro

  1. Exatamente isso, ninguém escolhe morar no morro ou encosta se tiver um outro lugar mais adequado para morar, e os governos tem culpa nisso sim…

  2. Raquel. Parece que isto é assim, simples, onde os culpados são os governantes ou a especulação imobiliária e, a sociedade apenas uma vítima. Porém, nossa história forma um forte condicionante cultural de comprtamentos recheados de desvios. Ela transpassa os valores éticos levando-nos ao hábito de ignorar regras e o respeito às leis e, dentro desta ótica míope, pessoas menos favorecidas teriam imunidade em respeitá-las. Ricos, pobres, letrados ou analfabetos, somos uma nação que tem quase por norma ignorar regras e, neste caminho, todos nós temos a parcela de responsabilidade. Desta cultura surgem a expressão que nos equaliza: queremos sempre levar vantagem sobre os outros. Não está aqui apenas quem oferece uma crítica, é também uma autocrítica, pois me cabe esta carapuça também. Os problemas urbanos são um espelho deste comportamente e de tão expressiva ordem que superá-los parece-nos impossível. Tenho comigo a experiência das enchentes de 1983 e 1984 em SC que vitimaram dezenas de pessoas e trouxeram enormes prejuízos econômicos. Poucos anos após o desastre, estavam todos ocupando os mesmos lugares e, por mais que fossem orientados não inslararem-se nas barrancas e encostas, lá voltaram em maior número. As enchentes de 2008 trouxeram uma repetição de 1983 mas em escala maior. Na região serrana do Rio de Janeiro, em 1981, houveram grandes deslizamentos com os mesmo contornos do desastres e as inevitáveis mortes. Milhares de famílias ocupavam encostas e foram vítimas das enchurradas. Ontem, a catástrofe se repetiu e todos, absolutamente todos, sabiam que estas consequencias eram apenas uma questão de tempo. Talvez Deus diou de ser brasileiro, disse uma das vítimas. è assim que encaramos nossa realidade. Se existe um processo de exclusão, também existe a falta de uma conciência coletiva e uma irritante teimosia em desafiar, a natureza, as leis e as autoridades constituídas pelo voto, o nosso voto. Nesta teimosia incluem-se também dezenas de entidades e pessoas que seguem numa linha que hoje me parece desprovida de bom senso, que mesmo sabendo que muitos locias estão em áreas de riscos, considera que é melhor regularizar do que remover. OK, e agora, o que devemos fazer? Crescimento econômico não é suficiente para mudar uma cultura em tão pouco tempo, ainda mais quando temos hábitos tão “feios”.

    • “também existe a falta de uma conciência coletiva e uma irritante teimosia em desafiar, a natureza, as leis e as autoridades constituídas pelo voto”.
      Que outra opção essas pessoas têm de moradia, caro sergio.
      Acampar na praia?
      Passar fome na general jardim?
      Colocar qualquer parcela de culpa nos que lá moravam é não apenas ingênuo como ignorância.
      Desafiar as leis e as autoridades constituídas pelo voto?
      Você está falando de pessoas cujo poder público não contempla.
      E todo o sistema social já constituído que obriga essas pessoas a morar em áreas de risco? Você acha mesmo que o problema é teimosia e falta de informação?

      • Caro Juliano. O Brasil real é fantásticamente desigual e não podemos simplesmente lavar nossas mãos dizendo que a responsabilidade é unicamente daqueles que nos governam. Falta sim formação, mais do que informação, pois a segunda é passível de ser mal dirigida. Somos o produto das nossas próprias mazelas e das nossa próprias decisões. Somos os Tiriricas, Malufs, Sarneys, Jaders, Dirceus, Renans todos levados ao poder por milhões de votos dos excluídos, estes mesmos que os fazem conduzir os destinos de um país. É disto que faço referência e é nisto que exponho minha inidganção sem, no entanto, excluri-me de culpa. Teimosamente reconduzimos ao poder estes crápulas que dão ao povo uma parcela de ração em formato de bolsa, como se este neopaternalismo equalizasse a profunda exclusão social que persiste e se multiplica em novas formas. A moradia é uma pequena parte de um imenso processo exclusões e de eleição de privilégios ao qual somos avalistas, todos nós. Não podemos esquecer que as pessoas a qual vc faz referência elegem governantes e, portanto, o sentido da palavra Poder Público é tão abrangente que nos coloca avalistas, até do que discordamos. Gostaria de concordar com a simplicidade de delegar responsabilidades ao que chamamos Poder Público, mas não posso ser obtuso e omisso em pensar que não tenho nada haver com isto. Se a sua visão me imputa ignorância, lamento. Ao longo de 30 anos de profissão e de atuação permanente em projetos e programas urbanos, sinto-me tranquilo em expressar certa indignação através das minhas opiniões pelo que vejo e expreimento, mesmo sabendo que algumas afirmações podem parecer incompreensíveis, face aos discursos fáceis e também velhos, pouco resolutivos e cujo maior mérito, pelo menos, é fazer um debate de temas tão sérios, mas que necessitam também de reflexões mais pragmáticas e honestas.

  3. De Sérgio Cabral: “lastimo as mortes, mas foi uma tragédia anunciada por conta das ocupações irregulares”…
    H. Arendt diz da “mentira completa”, p a situação dos campos… p o dito-cujo-governador, digo “cinismo completo”… Agora aparece c cara de choro no Estadão………………

  4. Concordo com o que você disse. Existem casos ainda piores que são quando lotes de terra em áreas de risco são vendidos com o aval da prefeitura. Além de expor a pessoa ao risco à vida, existem um lucro para esses que cometem esse crime “dentro da lei”.

  5. Concordo que ninguém vai morar nesses lugares porque quer, e as autoridades tem sim culpa por não ter retirado essas pessoas desses lugares.
    Eles sabem, tem estudos e tudo mais de quais são as áreas de risco, mas só aparecem pra falar isso depois que a tragédia já aconteceu.

    Por outro lado, essas pessoas que moram nas zonas de risco, são no mínimo inocentes (pra não dizer burras mesmo) de contribuir para o agravamento da situação.
    Eles jogam lixos nos rios, constroem casas na beira dos córregos para jogar o esgoto neles, desmatam toda a área da região.

    Ou seja, a culpa é de ambos!

  6. Muitas vezes não são burros, são é “espertinhos” que querem que o “Estado”, com o dinheiro do contribuinte, resolva o problema deles, pois “estão em área de risco”. Aí recebem uma indenização ou auxílio, saem e em seguida voltam de novo, a espera de outra “ajudinha”. Se não têm renda tem obrigatoriamente de morar em área de risco ??? Não tem nenhum outro lugar nesse Brasil imenso para morar que não seja em área de risco ? Ah, aí não recebe a “ajudinha”. Fora o lixo que joga nos córregos (não só eles).
    A Prefeitura diz que precisa retirar as pessoas das áreas de risco (a vida em primeiro lugar), mesmo sem ter outro lugar, e aparece um monte de “defensores” dizendo que não, que precisa dar moradia digna. Criticar é fácil, o difícil é encarar a realidade… Quantos precisam morrer ?
    Não é possível regularizar um imóvel em área de risco. Diferente é regularizar centenas de milhares de imóveis em áreas invadidas junto a represas (estimuladas por políticos populistas e inconsequentes), numa situação que não tem volta – salve-se pelo menos a água da represa.

  7. Essas pessoas também são contribuintes, aliás, pagam mais do que os ricos.
    E não sei que indenização ganham, pois aqui no Rio não pagam nem o tal do aluguel social… e aliás, os alugueis ainda por cima subiram!

  8. E o jornalismo brasileiro faz um sensacionalismo e ainda acaba saindo como santinho da história.Ninquém pronuncia tragédia social em vez de natural…Acham que vão resolver o problema com papinho de solidariedade.Sinto muito revoltado ao acompanhar essas coberturas.

    Tem que tocar no problema,e não é so isso que Raquel colocou.Se notarmos bem tem toda um logica do sistema empurando para isso.Para resolver os problemas tem que buscar lá no rural,depois na reforma urbana e etc…

  9. Trabalho numa empresa de habitação do governo…Lido diretamente com esta população e posso afirmar:

    Muitos teem atendimento habitacional, mas vendem seus imóveis, retornando às áreas de risco;

    Numas das áreas aqui em SP, que precisa ser retintegrada, 250 familias se recusam a aceitar um imóvel ou uma carta de crédito no valor de 70 á 100 mil, alegando que é muito tempo para pagar(25 anos) , que apto. é pombal e que com 100 mil não acha imovel neste valor;

    São desinteressados,não tem documentos pessoais, são negativos e para eles tudo vai dar errado

    Chegam nas áreas numa situação de necessidade e depois que a vida melhora continuam ali por anos, pois não pagam sequer luz e água.

    Resumindo: O governo falta com a sua parte e a população falta com a parte dela!

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  13. Muito bem colocada Raquel, este é o ponto em que devemos tocar. Pois até agora em sua maioria os comentários relaionados a este tema continua sendo abordado de forma no mínimo incompleta e dissociado a questão social e sistemática, como se a população fosse diretamente culpada ou incapaz…

  14. A verdade é que há muito o estado – nos seus 3 níveis, municipal, estadual e federal – se ausentou da vida dos trabalhadores, isso aliás é uma determinação do modelo neoliberal onde só há preocupação com o deus MERCADO, este sim não pode ficar nervoso ou sofrer qualquer abalo ou perda. Há muito o estado deixou de ser o provedor de saúde, educação, segurança, transporte, moradia, lazer, foi tudo sendo passado para a iniciativa privada e seu único papel é o de “regulador” das relações.
    O povo brasileiro deve ir à luta para fazer com que o “estado” volte a lhe devolver em serviços os altos tributos que lhes são cobrados, pelo menos até que não chegue a revolução socialista.

  15. É bem verdade que grande parte dos atingidos são proletários, e que se estavam ou ainda estão nessas áreas não é por vontade própria.
    Por outro lado, o capital imobiliário explora áreas de preservação permanente para alí fazer pousadas, sítios, resorts e assim por diante. É claro que o sofrimento e as conseqüencias para uma e outra classe são incomparáveis. E quem acaba sofrendo mais pela exploração dos recursos naturais que a burguesia implenta são os pobres.

  16. Não gostaria de afirmar isso mas esse problema de uso do solo, ocupação irregular, ultrapassa os domínios do urbanismo e da arquitetura. É caso de Policia. Prisão àqueles que nao fiscalizam, que não exercem seus cargos como deveriam, governantes ou não, à população que ocupa essas áreas de forma irregular (há inumeras familias abastadas ocupando áreas devolutas em Teresópolis, Petrópolis, Angra (lembram-se?) Ilha Bela e tantas outras cidades).
    O capitalismo encontrou sua maior barreira, a Natureza e se não aprendermos dessa vez, sofreremos ainda mais. Como dizem: Quem não tem cabeça, tem corpo para sofrer.

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