Entrevista publicada no portal do IG (São Paulo | 06/05/2010 20:30)
Por Matheus Pichonelli
Raquel Rolnik, professora da FAU-USP, cobra “alternativa clara de mobilidade” para que Centro não se transforme em nova Faria Lima
A urbanista Raquel Rolnik, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP, afirma ser “muito favorável” à desmontagem ao Minhocão, mas explica que, sem “alternativa clara de mobilidade”, o problema dos moradores da região não será resolvido. Relatora especial da ONU para a moradia adequada, Rolnik diz que o modelo que está sendo proposto pela Prefeitura de São Paulo para promover a transformação na orla ferroviária do centro da cidade, primeira condição para eliminar o Elevado Costa e Silva, é o mesmo que já foi adotado em áreas como a avenida Faria Lima e Água Espraiada.
Gravações do filme “Ensaio sobre a cegueira” no Minhocão, em SP (Fonte: Agência Estado)
As mudanças, diz a especialista, preveem a exploração do potencial de construção do entorno de uma nova avenida, que eleva a arrecadação e financia, em tese, melhorias no local – o que, pelo raciocínio do governo, atrairia novos moradores. Não é o que acontece na prática, afirma a especialista. Segundo ela, esses lugares se transformam em bairros para poucos, sem transporte coletivo, ciclovias ou calçadas adequadas. Ela cita o exemplo do Itaim Bibi, bairro de São Paulo que em 1991 tinha 107 mil pessoas e em 2008, já sob impacto da expansão da Faria Lima, concentrava apenas 81,7 mil moradores.
Rolnik diz temer que pessoas de classe média e baixa renda sejam expulsas de bairros como o Brás, que passará a atrair apenas mais carros e especulação imobiliária.
“O modelo é de grandes áreas construídas, muitas garagens, apartamentos grandes. Os sobradinhos desaparecem. Só carro circula. A ideia de se vender o potencial construtivo para verticalizar em volta é uma falácia. Esse uso e ocupação do solo só atraem pessoas de alta renda. Precisamos parar agora e começar a discutir esse modelo de adensamento, de valorização mobiliaria”.
No caso do centro da cidade, afirma a especialista, o risco é que um problema seja apenas substituído por outro: a nova via expressa. “O Minhocão foi responsável por promover o despovoamento da área central. Mas qualquer via expressa, com quantidade de carros circulando, ônibus, caminhão e fumaça, degrada uma região. Foi um conjunto de vias expressas que bloquearam a área central. Ao transformá-la em região só de passagem, desqualificou a área como moradia. E uma nova via expressa não vai resolver problema”, prevê.
Ela afirma que, um dia, o Minhocão era de ser demolido. Mas defende que, até lá, uma nova concepção de uso de solo seja adotada pelo poder público.
Em 2006 foi feito um concurso (embora pouco divulgado) no qual escolheu-se uma proposta de transformar o elevado em um parque (com a estranha construção de um segundo tabuleiro, o que discordo), penso a adequação do espaço tanto superior (uma praça suspensa com ciclovia) e da parte inferior (oficinas culturais e serviços) tornaria o espaço melhor para população. Concordo que vender o potencial construtivo sem o menor atrelamento a concepção das unidades e sequer limitação do número de vagas de garagem tornaria o centro uma “nova Faria Lima” com seus moradores originais expulsos pela especulação imobiliária.