Lições do High Line Park

Quase 20 anos após sua desativação, em 2009 a linha férrea suspensa que passava por bairros industriais da região oeste de Nova York transformou-se no High Line Park, um parque elevado de 8 metros de altura e 2,5 quilômetros de extensão, que virou uma espécie de “superstar” do urbanismo, celebrado e até replicado em outras cidades do mundo.

De fato, trata-se de um excelente projeto paisagístico que, com soluções simples e aproveitando a antiga estrutura e materiais, tornou-se um belo parque público, rapidamente apropriado por moradores e visitantes da cidade. Já conhecia o parque, mas recentemente estive na cidade e fiquei impressionada com o que está ocorrendo à sua volta.

Dezenas de empreendimentos residenciais e comerciais de altíssimo padrão, assinados por “grifes” da arquitetura internacional –como Zaha Hadid, Norman Foster, Jean Nouvel e Frank Gehry– pipocam e, literalmente, passam por cima do novo parque, vendidos a peso de ouro: hoje um apartamento ali chega a custar 25 milhões de dólares…

A Prefeitura de NY, que investiu mais de 100 milhões de dólares no projeto, celebra o fato de que o IPTU gerado com os novos empreendimentos já pagou a implementação do parque e ajuda a mantê-lo. Mas o próprio setor imobiliário da cidade comenta que se trata de uma “stravaganza” insustentável, um mercado apenas para investidores internacionais, que não são nem nunca serão moradores.

Por outro lado, moradores dos dois conjuntos de habitação social existentes na região, Elliot e Fulton Houses, construídos entre os anos 40 e 60, e aqueles que vivem no que restou do estoque de moradia de aluguel controlado no bairro já sentem o fechamento de estabelecimentos que os atendiam, como restaurantes e comércios populares, além da alta dos preços. O que mantém essas pessoas no bairro é sem dúvida a política de aluguel social, que garante, até hoje, que muitas famílias de baixa renda paguem aluguéis com valores bem abaixo dos de mercado.

Fala-se muito sobre o High Line Park sob o ponto de vista do desenho urbano e da paisagem, mas essa experiência mostra que outros aspectos precisam ser considerados. Não dá para planejar projetos desse tipo sem contextualizá-los, sem levar em conta que impactos terão nas dinâmicas sociais e econômicas da região onde serão implementados. No caso de NY, foram mudanças no zoneamento e políticas de venda de direitos de construção adicional na área em volta do High Line que contribuíram decisivamente para o boom imobiliário; assim como são as políticas públicas de moradia da cidade que ainda asseguram a permanência de moradores de menor renda, apesar da valorização da região.

Nessa minha última visita, foi impossível não pensar, por exemplo, nas discussões que temos feito em São Paulo sobre o futuro do Minhocão. Obviamente, são casos diferentes, a começar pelas características muito distintas desses lugares. Mas me parece que devemos observar com atenção o que está acontecendo hoje no entorno do High Line Park para evitar decisões equivocadas sobre o destino que queremos para as regiões atravessadas por nosso elevado. Principalmente porque a demolição ou transformação em parque é apenas um dos muitos aspectos do que pode –ou não– acontecer nessas áreas.

*Coluna publicada originalmente no Caderno Cotidiano da Folha.

Festa junina colaborativa no Minhocão

Desde o mês passado, o pessoal que realizou o Festival Baixo Centro está envolvido na organização de uma grande festa junina no Minhocão, em São Paulo. Mas, para viabilizar a infraestrutura do evento, os organizadores precisam arrecadar R$ 8 mil até o dia 21 de junho.

A festa está marcada para acontecer no dia 1º de julho, a partir das 15h, e os idealizadores do evento convidam todos a “aproveitar o domingo para comer pipoca, pé de moleque e bolo de fubá, um domingo para brincar com as crianças, escutar baião, sentir o cheiro do quentão e dançar quadrilha no Minhocão!”.

Além de homenagear o centenário de Luiz Gonzaga, a festa contará com oficinas de arte, brincadeiras típicas, teatro, grupos folclóricos, contação de história, palhaços, projeções de arte digital e, claro, forró pé de serra e sambada de coco.

A alimentação, no entanto, será por conta dos participantes, ressaltando o caráter colaborativo do evento. Segundo os organizadores, “A ideia é realizar um piquenique coletivo em que cada participante traga um prato típico.”

Até o dia 15 de junho, os organizadores receberão propostas de atividades de colaboradores. A ideia é que estas atividades sejam realizadas com apoio dos recursos arrecadados coletivamente. Para enviar propostas, é necessário preencher este formulário.

Para mais informações sobre a festa (inclusive com relação ao orçamento) e para participar da vaquinha, clique aqui.

O evento tem também uma página no Facebook.

Leia também o comunicado enviado à imprensa pelos organizadores.

O Minhocão pode ser desativado?

Matéria publicada hoje na Folha Online mostra como os paulistanos ocuparam este ano o Minhocão como área de lazer e eventos, entre os quais a Virada Gastronômica, o Festival Baixo Centro, o carnaval e a Meia Maratona Internacional de São Paulo.

A construção do  Minhocão fez parte de uma série de intervenções urbanísticas da cidade através de vias expressas para garantir as conexões  leste-oeste e norte-sul que cortam o centro, viabilizando a abertura de frentes de expansão imobiliária das classes médias, baseadas nos deslocamentos por automóvel.

A abertura destas vias rasgou diversos bairros residenciais centrais, gerando verdadeiras cicatrizes… É o caso do Minhocão na Avenida São João, que era espaço residencial de alta qualidade, e também do bairro da Bela Vista, de um pedaço da Liberdade… tudo isso para que os carros pudessem circular mais rapidamente.

A transformação do minhocão em área de lazer permanente – hoje isto ocorre apenas aos domingos e feriados – ou até mesmo sua demolição, como querem alguns, depende basicamente de um equacionamento da mobilidade urbana que dispense a necessidade destas vias expressas para os automóveis. Hoje em dia, do jeito que São Paulo está, não dá para simplesmente demolir o minhocão ou passar a utilizá-lo como área de lazer permanente. Para que isso seja possível, precisamos de um projeto de mobilidade mais integrado e mais completo para a cidade de São Paulo.

TCU autorizou licitação do trem-bala. Mas ele ficará pronto para 2014?

O leilão que define o consórcio construtor do trem de alta velocidade que vai ligar Rio de Janeiro, São Paulo e Campinas vai ocorrer até o final de novembro. A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) informou que, com a licitação acontecendo no final do ano, as obras poderão ser iniciadas até o final de 2011. O prazo para conclusão é de 5 anos. Muitos estão se perguntando se poderemos contar com esse meio de transporte para a Copa de 2014. Esqueçam. Talvez para as Olimpíadas de 2016 e olhe lá.

O Tribunal de Contas da União (TCU) havia suspendido o edital de licitação do trem-bala e passou um longo tempo fazendo uma análise técnica. Agora foi anunciado que o governo federal já pode fazer o edital de licitação para contratar a empresa que vai desenvolver o projeto-executivo, que pode ser diferente do projeto básico, e construir o trem contando com financiamento público.

Entre as decisões tomadas pelo TCU, estão a de que o financiamento público deverá corresponder a apenas 60% do custo total da obra – isso quer dizer que a empresa que apresentar a proposta terá que entrar com 40% -, e que o preço máximo da passagem será de R$ 200,00, valor que muitos acharam alto já que é muito próximo ao da ponte-aérea Rio-SP e, portanto, ficam dúvidas em relação à atratividade de um trem-bala com este custo.

Por outro lado, o TCU também definiu que só poderá vencer o edital quem apresentar o menor preço da passagem. Havia uma possibilidade de fazer um edital cujo critério básico fosse o maior aporte de capital. O fato é que estamos numa guerra entre os grandes fornecedores de trem-bala do mundo: os chineses, coreanos e japoneses, de um lado e, de outro, os europeus, principalmente a Alemanha e a França. E os chineses contavam com a possibilidade de aportar mais capital, coisa que os europeus não consideravam. Então, de certa maneira, esta decisão favorece as companhias europeias. De qualquer maneira, como eu já disse, não podemos contar com este trem-bala para a Copa.

De outro lado, eu já tinha comentado que uma das obras mais adiantadas era a do VLT (veículo leve sobre trilho) de Brasília, mas os atrasos já começaram. O governo do Distrito Federal não apresentou o projeto-executivo ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e isso devia ter sido feito, já que o plano-piloto de Brasília é inteiramente tombado. Resultado: o IPHAN suspendeu a obra. E isso significa atraso nas obras até que o governo do DF apresente o projeto e o IPHAN possa aprová-lo. O VLT fará a ligação do aeroporto com a avenida W3 norte-sul e com o sistema de metrô.

E em São Paulo a novela continua. Foi assinado um convênio entre o governo do estado e a prefeitura do município de São Paulo para contratar o projeto de um monotrilho, que está sendo chamado de linha 17 ouro do metrô, mas é um monotrilho que vai ligar a estação Jabaquara com o Morumbi, passando pelo aeroporto de Congonhas. Mas este projeto sequer existe. Ele ainda será contratado e, a partir daí é que poderão ter início as obras do monotrilho.

Eu já havia comentado aqui que me parece bastante complicado esse monotrilho já que trata-se de um trem suspenso no ar, passando por várias avenidas da capital, como a Washington Luis, a Chucre Zaidan e a Giovanni Gronchi. Enfim, me parece que São Paulo não precisa de um novo minhocão exatamente no momento em que se discute desmontar os já existentes.

Falácia em promessa de SP sem Minhocão

Entrevista publicada no portal do IG (São Paulo | 06/05/2010 20:30)

Por Matheus Pichonelli

Raquel Rolnik, professora da FAU-USP, cobra “alternativa clara de mobilidade” para que Centro não se transforme em nova Faria Lima

A urbanista Raquel Rolnik, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP, afirma ser “muito favorável” à desmontagem ao Minhocão, mas explica que, sem “alternativa clara de mobilidade”, o problema dos moradores da região não será resolvido. Relatora especial da ONU para a moradia adequada, Rolnik diz que o modelo que está sendo proposto pela Prefeitura de São Paulo para promover a transformação na orla ferroviária do centro da cidade, primeira condição para eliminar o Elevado Costa e Silva, é o mesmo que já foi adotado em áreas como a avenida Faria Lima e Água Espraiada.

Fonte: Agência Estado Gravações do filme “Ensaio sobre a cegueira” no Minhocão, em SP (Fonte: Agência Estado)

As mudanças, diz a especialista, preveem a exploração do potencial de construção do entorno de uma nova avenida, que eleva a arrecadação e financia, em tese, melhorias no local – o que, pelo raciocínio do governo, atrairia novos moradores. Não é o que acontece na prática, afirma a especialista. Segundo ela, esses lugares se transformam em bairros para poucos, sem transporte coletivo, ciclovias ou calçadas adequadas. Ela cita o exemplo do Itaim Bibi, bairro de São Paulo que em 1991 tinha 107 mil pessoas e em 2008, já sob impacto da expansão da Faria Lima, concentrava apenas 81,7 mil moradores.

Rolnik diz temer que pessoas de classe média e baixa renda sejam expulsas de bairros como o Brás, que passará a atrair apenas mais carros e especulação imobiliária.

“O modelo é de grandes áreas construídas, muitas garagens, apartamentos grandes. Os sobradinhos desaparecem. Só carro circula. A ideia de se vender o potencial construtivo para verticalizar em volta é uma falácia. Esse uso e ocupação do solo só atraem pessoas de alta renda. Precisamos parar agora e começar a discutir esse modelo de adensamento, de valorização mobiliaria”.

No caso do centro da cidade, afirma a especialista, o risco é que um problema seja apenas substituído por outro: a nova via expressa. “O Minhocão foi responsável por promover o despovoamento da área central. Mas qualquer via expressa, com quantidade de carros circulando, ônibus, caminhão e fumaça, degrada uma região. Foi um conjunto de vias expressas que bloquearam a área central. Ao transformá-la em região só de passagem, desqualificou a área como moradia. E uma nova via expressa não vai resolver problema”, prevê.

Ela afirma que, um dia, o Minhocão era de ser demolido. Mas defende que, até lá, uma nova concepção de uso de solo seja adotada pelo poder público.

http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/sp/urbanista+ve+falacia+em+promessa+de+sp+sem+minhocao/n1237611651418.html

SP pode ganhar novos minhocões: governo e prefeitura investirão em monotrilho nos próximos anos

O Governo do Estado de São Paulo e a Prefeitura optaram pelo monotrilho para ampliar o sistema de transporte público. Estão previstos 110 quilômetros, divididos em seis projetos a serem concluídos até 2013. Quais as desvantagens e as desvantagens envolvidas?

Entre os sistemas com grande capacidade de transporte coletivo, em ordem crescente temos primeiro o corredor de ônibus, em faixa exclusiva e segregada, a um custo aproximado de 35 a 40 milhões de reais por quilômetro.

Em seguida, uma opção que não foi colocada aqui em São Paulo, é o trem em superfície, como se fosse um bonde, mas bem mais moderno e confortável e em um corredor exclusivo, no próprio nível da rua.

Depois, o monotrilho, elevado, que a opção que está sendo tomada:  montar um trilho mais ou menos na altura de 12 a 15 metros no meio da rua, que segue paralelamente ao próprio leito carroçável.

E por último, o que tem maior capacidade, mas também o maior custo, é o metrô subterrâneo. O bonde seria como um metrô de superfície e o monotrilho a mesma coisa, mas elevado.

Em relação ao custo de um metrô subterrâneo, o monotrilho tem um custo menor. Mas, por outro lado, tem um custo muito maior do que o de um corredor exclusivo ou de um trem de superfície.

Temos dois problemas em relação à implantação do monotrilho.  Primeiro é essa mania de ficar mudando o projeto toda hora, vai para lá e para cá. Por exemplo, o corredor Celso Garcia, que há tempos esperamos que fique pronto de uma vez por todas, agora já estão rediscutindo para que não seja mais corredor, mas monotrilho.

Em segundo, imagina, você está lá, no nível da rua, e de repente tem um troço a 15 m de altura. Há uma enorme interferência na paisagem. É como se fosse um minhocão, mas em vez de ter os carros, tem um trem passando. Como interferência, é muito maior do que um corredor, e a um custo maior também.

O monotrilho é um sistema que é bastante interessante e usado para atravessar áreas de parques, protegidas ou turísticas, por causar pouquíssima interferência em nível e não provocar cortes nem aterros.

Agora, usar o monotrilho na cidade de São Paulo, a esta altura dos acontecimentos, só para não brigar com o carro? Porque, no fundo, a questão do corredor exclusivo é você optar definitivamente que a prioridade nessa via é do transporte coletivo, e não dos carros, que são prejudicados e têm de se acomodar.

Só pra não optar por isso, ou seja, não fazer a opção pelo transporte coletivo de uma vez por todas, o plano é jogar um negócio elevado, com enorme impacto sobre a paisagem e, ainda, a um custo maior do que o do um corredor.