A Cidade é Nossa com Raquel Rolnik #31: Custo morar na segunda onda de Covid-19

Enquanto a curva dos casos de Covid-19 sobe aceleradamente, indicando uma “segunda onda” sem sair da primeira, o custo morar também vai ficar nas alturas e sem previsão de proteção às famílias de baixa renda. Mesmo em um horizonte de desemprego e perda de renda em meio às medidas de restrição sanitárias, a conta de luz entrou em bandeira vermelha, o índice que regula os aluguéis está com um valor acumulado de quase 25%, e não há mais suspensão do corte de água/luz por inadimplência. É sobre isso que fala o episódio 31 do “A Cidade é Nossa”, produzido por Raquel Rolnik e Amanda Mazzei, da equipe do LabCidade. Para ouvi-lo na sua plataforma de podcast favorita acesse: spotifyapple podcastsgoogle podcasts e overcast.

Aluguéis caros e despejos: a nova crise habitacional em Lisboa e Barcelona

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Amadora, Portugal. Foto: Raquel Rolnik

Os problemas de moradia não são exclusivos de cidades do chamado Sul Global, como as latino-americanas, entre as quais as brasileiras, e as africanas. Barcelona, na Espanha, e Lisboa, em Portugal, vivem uma enorme crise de moradia, que teve início em 2008, com o estouro da bolha imobiliária, e se perpetua,assumindo novas configurações neste momento.

Em 2008, quando a bolha estourou, pessoas que haviam comprado apartamentos produzidos em massa nas periferias das cidades, através de financiamentos subprime, com a crise econômica (que afetou especialmente a Espanha), não conseguiram mais pagar as prestações. O subprime é uma modalidade de financiamento que oferece inicialmente uma série de vantagens para atrair pessoas com pouca capacidade de crédito, mas que, ao longo do tempo, aumenta a pressão sobre o devedor, deixando-o vulnerável. Com isso, hipotecas foram executadas e casas foram entregues aos bancos credores, deixando as pessoas sem moradia. Agora, nesse segundo momento, além de as execuções hipotecárias continuarem, apesar de terem diminuído, a crise assume outra característica: a explosão dos preços dos aluguéis.

Em visita a estas duas cidades este mês, vi o surgimento de sindicatos e outras organizações de inquilinos para enfrentar este problema, e pude testemunhar situações de extrema precariedade habitacional, como é o caso de favelas que tive a oportunidade de conhecer na região metropolitana de Lisboa.

Essa alta dos aluguéis está relacionada a fenômenos interligados: o crescimento do fluxo de turistas e o surgimento de um forte setor corporativo de aluguéis. Por conta do aumento da tensão relacionada ao  terrorismo em destinos turísticos europeus como Paris e Londres, associado à implementação de estratégias urbanísticas de atração de visitantes em Barcelona e Lisboa – como a proliferação de equipamentos culturais –, estas cidades passaram a ser cada vez mais procuradas para visitação. Este fenômeno provocou a conversão de parte de seu estoque habitacional – especialmente em bairros centrais – em locais de hospedagem, por meio de sites como o Airbnb, o que inflacionou o preço dos aluguéis para a população moradora, principalmente a de baixa renda.

Junto a isso, em 2013, a Comissão Europeia praticamente obrigou todos os países do bloco a flexibilizar ainda mais os aluguéis, permitindo o livre aumento de preços a cada ano, mesmo em casos de contratos em andamento, e facilitando os processos de despejo. A consequência foi o crescimento vertiginoso dos despejos, tanto em Barcelona, apesar das novas políticas que vem sendo implementadas pela prefeita Ada Colau, quanto em Lisboa. Para piorar, imóveis que estavam nas mãos dos bancos estão sendo comprados por grandes fundos de investimento – os mesmos, muitas vezes, que estiveram na origem da crise financeira – para serem destinados a locação, colaborando para o aumento dos preços.

Além disso, tanto o governo da Espanha como o de Portugal facilitaram a obtenção de visto para quem viesse de outros países para comprar imóveis acima de determinado valor, ou seja,pessoas com alta renda e capacidade financeira. A pressão desse processo sobre a população mais pobre e, particularmente, moradora de bairros centrais que tradicionalmente tinham característica popular, como Mouraria, em Lisboa, ou o Bairro Velho, em Barcelona, revela a agudização da crise da moradia nestas cidades.

Também falei sobre esse assunto na minha coluna na  Rádio USP na semana passada. Ouça aqui.

Moradores e comerciantes da Praça Roosevelt já sentem impactos da reforma

Ontem o leitor Rafael Tsavkko comentou aqui no blog sobre a situação da Praça Roosevelt, no centro de São Paulo, que está em reforma desde o ano passado. Ele diz que, como morador da praça, está apreensivo com as recentes mudanças ocasionadas pelo início das obras, que custarão R$ 38,6 milhões.

Segundo Rafael, muitos dos tradicionais estabelecimentos comerciais e culturais do entorno da praça vão ter que deixar a região por conta do aumento dos aluguéis, já que, antes mesmo da conclusão da reforma, os imóveis já se valorizaram.

Em seu blog, o leitor conta que “a HQ Mix, livraria já famosa na Praça deixará o local. Os teatros estão ameaçados (exceto o Parlapetões, que é dono do imóvel) e até o tradicional PPP (Papo, Pinga e Petisco), bar sempre lotado, está ameaçado de despejo.”

Veja abaixo um vídeo da Folha sobre a reforma da praça.