Pagar para não fazer Habitação de Interesse Social

Na semana passada, comentei aqui no blog sobre um substitutivo ao Plano Municipal de Habitação que seria apresentado, e possivelmente votado, na última quarta-feira na Câmara Municipal de São Paulo. Elaborado pelo Executivo, o substitutivo não foi votado e poderá voltar à pauta na sessão de amanhã em versão atualizada.

Além dos pontos que já comentei (leia aqui), soube através de movimentos de moradia que o novo texto inclui um artigo que permitirá que o empreendedor construa para o mercado em terrenos situados em áreas de Zeis (Zonas Especiais de Interesse Social), hoje reservadas à produção de HIS (Habitação de Interesse Social), mediante pagamento ao Fundurb (Fundo de Desenvolvimento Urbano), que hoje recebe os recursos da outorga onerosa do direito de construir.

Se isso vier a acontecer, estaremos diante de uma distorção do sentido das Zeis, cujo objetivo é justamente permitir a produção de habitação social em lugares com qualidade urbanística e integrados à cidade. Liberar as áreas de Zeis para o mercado significa condenar a produção de habitação social a lugares distantes, sem cidade.

Além disso, os recursos do Fundurb não são necessariamente aplicados em HIS e em urbanização de favelas. Seus objetivos são “apoiar ou realizar investimentos destinados a concretizar os objetivos, diretrizes, planos, programas e projetos urbanísticos e ambientais integrantes ou decorrentes do Plano Diretor” e seus recursos hoje estão sendo utilizados por seis secretarias.

Em 2011, por exemplo, dos R$ 278 milhões acumulados no fundo, apenas R$ 16 milhões (aproximadamente 6%) foram empenhados em obras de regularização de assentamentos no âmbito da Secretaria de Habitação (dados apresentados em reunião do Conselho Municipal de Política Urbana em agosto de 2011). No primeiro semestre de 2012, este valor subiu para R$ 37 milhões, ou cerca de 13% do total. Em geral, portanto, em torno de 10% dos recursos do Fundurb têm sido aplicados em habitação.

A meu ver, pagar para não produzir habitação de interesse social em Zeis é um total contrassenso.

8 comentários sobre “Pagar para não fazer Habitação de Interesse Social

  1. Do ponto de vista da gente diferenciada, não é, não: isso significa pagar para manter os pobres longe da classe média, e evitar, a todo custo, a implementação das HIS, criando definitivamente os BGB (bairros de gente de bem).

    • Srº ou Srª fps 3000: “Do ponto de vista da ‘GENTE DIFERENCIADA’?? “BAIRROS DE GENTE DE BEM”??? Ma que P…é essa? Onde vc vive? Que pensamento mais infame esse seu!!!

      • Carlos, o pensamento que expressei é uma ironia, mas que passa com certeza pela cabeça de alguns secretários da Prefeitura, vereadores, setores da classe média e de muitas pessoas que não acreditam numa convivência entre diferentes classes sociais no mesmo ambiente, a não ser que o pobre esteja lá para servir ao rico.

        Essa “gente de bem”, ou “gente diferenciada”, pagaria com muito prazer para evitar a existência das HIS, porque não quer conviver com pessoas diferentes, seja por medo ou por preconceito.

        É infame, sim. Mas verdadeiro. E triste.

  2. O Plano Municipal de Habitação altera o Plano Diretor e pode modificar ou extinguir a ZEIS-3 da Nova Luz também. Este Plano Municipal de Habitação engessa a cidade e os próximos prefeitos que serão obrigados a executar a política atual nos próximos 30 anos. Isto interessa ao paulistano?
    Suely Mandelbaum, urbanista

  3. São Paulo está presa a uma sequência de administrações que simplesmente não pensam em termos sociais. Uma mentalidade toda voltada a grandes interesses econômicos privados, como se fosse natural o “resto” da população permanecer como serviçal, acondicionada a alojamentos básicos e afastada da cidade quando não está trabalhando para ela. Essa mentalidade fortemente arraigada precisa ser questionada, discutida, precisamos todos fazer com que essa cultura comece a desaparecer o mais breve possível. Es eleições estão aí…

  4. Total distorção. E a julgar pelas declarações de alguns candidatos, as coisas tendem a piorar… é tentar ao máximo eleger gente séria para o legislativo nesta eleição, porque a briga vai ser feia na habitação.

  5. Raquel, seu texto é um alento para pessoas que, como eu, têm verdadeiro horror dos chamados “condomínios fechados”, sobretudo os loteamentos que nasceram assim ou que, a custo do empobrecimento da cidade, nisso se transformaram. Aqui em Campinas há um sem-número de condomínos que, como você disse, “enfeiam” a cidade com seus muros altos, excludentes. Mas o pior são os bairros que, antes abertos (e bonitos), foram fechados por seus moradores e excluíram o direito dos outros cidadãos de lá passar. Isso me causa, com o perdão da expressão, até mesmo náuseas, sobretudo porque as ruas dos loteamentos que nasceram ou não fechados são públicas, pertencem à comunidade, e não deveriam, em nome de uma proteção que é inócua, serem de uso exclusivo de uns poucos. Eu sou advogado e tudo isso, para mim, sintetiza a usurpação dos bens públicos e do direito de ir vir, ambos previtos e garantidos na Constituição de 1988. De qualquer modo, seu texto, para mim, não é surpresa: aqui em Campinas os “condomínios” são frequentemente alvo de ladrões, o que dá a dimensão da inutilidade desses guetos de luxo

  6. Gostaria de comentar pois estou sendo prejudicado pela Zeis, tenho um terreno (escriturado) sendo que a área toda foi alterada para Zeis e quando fiu solicitar o desdobro fui impedido. Concordo com a Zeis para a regularização daqueles terrenos irregulares e em áreas com necessidade de implantação de infra estrutura mas este não é o meu caso.
    O terreno é da família a muito tempo e não consigo de forma alguma fazer o desdobro. Quero construir duas casas para as minhas filhas e não para vender mas não consigo. O problema é que as coisas são feitas sem nenhum padrãoo.

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