Quem encomendou esse decreto sobre HIS agora?

Na semana passada, a prefeitura de São Paulo publicou um decreto (54.074, de 5 de julho de 2013) que trata da produção de Habitação de Interesse Social (HIS) e Habitação de Mercado Popular (HMP). Parte do conteúdo desse decreto já tinha sido objeto de uma grande celeuma, no ano passado, quando entrou como substitutivo do Plano Municipal de Habitação na Câmara (leia comentário que fiz aqui no blog). Mas acabou não sendo aprovado. Em tese, o decreto tem como objetivo facilitar a produção de HIS na cidade, mas na prática ele faz alterações ao zoneamento e em outras questões que estão sendo debatidas exatamente neste momento de revisão do Plano Diretor.

Embora seu conteúdo não seja exatamente igual ao discutido ano passado, não é hora, em plena discussão do Plano Diretor, de soltar um decreto como este, que consolida, por exemplo, a impossibilidade de produção de HIS em zonas exclusivamente residenciais (em vigor desde 2004), justamente quando isso pode ser revisto.  No mundo inteiro – não apenas em São Paulo – estão ocorrendo discussões sobre espaço e mistura social. O decreto aprovado, no entanto, segue um sentido contrário. Se a zona é exclusivamente residencial, por que não residencial para todos? Por que não há uma mistura de faixas de renda diferentes?

Além disso, atualmente, a definição de HIS vai até seis salários mínimos de renda familiar mensal, segundo definição de 2002 quando foi feito o PDE, ou seja, muito antes da recente política de valorização do salário mínimo. Essa é uma das discussões mais importantes dentro da revisão do Plano: para ser realmente habitação de interesse social, seria necessário reduzir a faixa de HIS para 0 a 3 salários mínimos assim como reduzir drasticamente as faixas da HMP (que hoje vai até 16 salários mínimos!). O próprio programa Minha Casa Minha Vida abandonou o parâmetro dos salários mínimos e definiu faixas fixas de acordo com a renda familiar. Nele, os empreendimentos produzidos para a primeira faixa do programa (ou seja, para HIS) destinam-se a famílias com renda de até 1600 reais; enquanto os empreendimentos produzidos para a segunda faixa, a famílias com renda de até 3100 reais.

Portanto, emitir um decreto desse tipo em pleno questionamento de tudo isto é extemporâneo. Preocupa ainda mais que na gestão anterior essas propostas tenham sido apresentadas sob a forma de projeto de lei – e, portanto, debatidas pela sociedade na Câmara Municipal. Dessa vez isto sai como um decreto, sem debate nenhum… Por que este decreto agora? A quem/que ele procura atender?

Plano Municipal de Habitação: substitutivo deve ser elaborado com transparência e participação

Na semana passada, a Câmara Municipal de São Paulo realizou uma audiência pública para discutir uma proposta de substitutivo ao Projeto de Lei que institui o Plano Municipal de Habitação (PL 509/2011). Os participantes da audiência cobraram do governo transparência com relação ao projeto, que até então sequer havia sido oficialmente publicizado.

Além disso, ficou acordado que um novo substitutivo deveria ser produzido em conjunto com os movimentos presentes na reunião e que o processo de votação deverá ocorrer apenas depois do período eleitoral. Uma nova reunião ficou marcada para hoje e, em tese, o projeto pode voltar à pauta amanhã.

Como já comentei aqui, a proposta de substitutivo, teoricamente, tem como objetivo promover a produção de HIS (Habitação de Interesse Social) e HMP (Habitação de Mercado Popular) sem contar no cálculo do estoque, ou seja, possibilitando a produção de área construída em bairros onde os estoques já estão esgotados.

Mas se examinarmos como os estoques disponibilizados até agora foram consumidos veremos que essa proposta não faz sentido. Um cruzamento dos dados das planilhas de aprovação de projetos de empreendimentos (disponível no site da Prefeitura) com o estoque de potencial construtivo (disponível no site da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano) mostra que, de 2005 para cá, dos 2.921 empreendimentos residenciais aprovados, 1.035 consumiram estoque e 1.886 não consumiram.

Deste total, 5% são HIS, 11% são HMP, 2% são empreendimentos mistos com HIS e HMP e 81% são residenciais, isto é, empreendimentos destinados ao mercado habitacional acima de 16 salários mínimos de renda familiar mensal. Em números relativos, no entanto, entre os empreendimentos aprovados que consumiram estoque até agora, quase todos foram do mercado residencial de maior renda (97%). HIS consumiu apenas 1% do estoque e HMP, 2%. Ou seja, não é a falta de estoque que está bloqueando a produção de HIS e de HMP na cidade de São Paulo. Quem está precisando de estoque desesperadamente é o mercado residencial voltado para famílias com renda superior a 16 salários mínimos (acima da faixa de HMP).

É muito importante, portanto, que os compromissos assumidos na audiência pública sejam cumpridos e que um novo substitutivo seja elaborado com transparência e participação das organizações e movimentos que vêm discutindo o tema. Além disso, o compromisso anunciado de votar este projeto com calma e tempo, adiando sua aprovação final para depois das eleições, é também fundamental.

Pagar para não fazer Habitação de Interesse Social

Na semana passada, comentei aqui no blog sobre um substitutivo ao Plano Municipal de Habitação que seria apresentado, e possivelmente votado, na última quarta-feira na Câmara Municipal de São Paulo. Elaborado pelo Executivo, o substitutivo não foi votado e poderá voltar à pauta na sessão de amanhã em versão atualizada.

Além dos pontos que já comentei (leia aqui), soube através de movimentos de moradia que o novo texto inclui um artigo que permitirá que o empreendedor construa para o mercado em terrenos situados em áreas de Zeis (Zonas Especiais de Interesse Social), hoje reservadas à produção de HIS (Habitação de Interesse Social), mediante pagamento ao Fundurb (Fundo de Desenvolvimento Urbano), que hoje recebe os recursos da outorga onerosa do direito de construir.

Se isso vier a acontecer, estaremos diante de uma distorção do sentido das Zeis, cujo objetivo é justamente permitir a produção de habitação social em lugares com qualidade urbanística e integrados à cidade. Liberar as áreas de Zeis para o mercado significa condenar a produção de habitação social a lugares distantes, sem cidade.

Além disso, os recursos do Fundurb não são necessariamente aplicados em HIS e em urbanização de favelas. Seus objetivos são “apoiar ou realizar investimentos destinados a concretizar os objetivos, diretrizes, planos, programas e projetos urbanísticos e ambientais integrantes ou decorrentes do Plano Diretor” e seus recursos hoje estão sendo utilizados por seis secretarias.

Em 2011, por exemplo, dos R$ 278 milhões acumulados no fundo, apenas R$ 16 milhões (aproximadamente 6%) foram empenhados em obras de regularização de assentamentos no âmbito da Secretaria de Habitação (dados apresentados em reunião do Conselho Municipal de Política Urbana em agosto de 2011). No primeiro semestre de 2012, este valor subiu para R$ 37 milhões, ou cerca de 13% do total. Em geral, portanto, em torno de 10% dos recursos do Fundurb têm sido aplicados em habitação.

A meu ver, pagar para não produzir habitação de interesse social em Zeis é um total contrassenso.