Por que é tão difícil viabilizar terrenos e imóveis públicos para moradia social?

No último domingo, o jornal O Globo publicou uma matéria mostrando que o INSS é proprietário de quase 4 mil imóveis, espalhados em todo o país, sem nenhum uso. Desde 2005, pelo menos, o Ministério das Cidades vem buscando estabelecer políticas que viabilizem o uso de imóveis públicos, entre eles os de propriedade do INSS, para produção de habitação de interesse social.

Aliás, em 2009 o governo federal anunciou publicamente a intenção de disponibilizar esses imóveis para o programa Minha Casa Minha Vida. Para se ter uma ideia, além dos 4 mil imóveis do INSS, existem cerca de 400 mil imóveis da Rede Ferroviária Federal (RFFSA), além de outros milhares de terrenos da União. Foram inúmeros convênios e muitas idas e vindas entre o Ministério das Cidades, o Ministério da Previdência Social e a Secretaria do Patrimônio da União. Entretanto, até agora, mesmo com esses milhares de imóveis existentes, pouco foi feito. E o que foi “viabilizado”, na prática ainda não saiu do papel.

É o caso de 27 imóveis do INSS, adquiridos no início de 2010, por R$ 20 milhões, para serem reformados no âmbito do programa Minha Casa Minha Vida. Segundo a reportagem de O Globo, o Ministério das Cidades diz que desses 27 imóveis, “três estão em fase de regularização cartorial; cinco, em processo de elaboração ou aprovação de projetos; seis, em processo de chamamento de empresas para execução de projetos e obras; e nove, em fase final para contratação das obras”. Ou seja, são 23 imóveis ainda parados, 12 deles em São Paulo.

Há muitos exemplos de áreas públicas no país que poderiam ter sido utilizadas para habitação de interesse social, mas tiveram outro destino. É o caso de um terreno da RFFSA no cais José Estelita, no Recife, que foi comprado pela iniciativa privada para a construção de torres residenciais e comerciais (projeto Novo Recife), um projeto altamente contestado pela população local. Outro exemplo é o projeto Porto Maravilha, no Rio de Janeiro, onde enormes áreas públicas vão dar lugar a torres clone de Trump Towers. Enquanto isso, os movimentos de moradia lutam há mais de dez anos para que um imóvel do INSS abandonado em São Paulo seja usado para habitação social.

O fato é que a máquina do governo brasileiro é montada para não permitir o cumprimento da função socioambiental da propriedade, inclusive quando se trata de patrimônio público. Essa questão não diz respeito apenas ao INSS, mas também a terrenos da RFFSA, do patrimônio da União, entre outros. Apesar de serem reconhecidamente áreas privilegiadas para a construção de habitação de interesse social – já que é difícil encontrar terreno privado bem localizado para esse fim –, as dificuldades para tornar isso realidade são de fato enormes. Isso porque a legislação que rege o patrimônio público está construída para que estes apresentem a maior rentabilidade econômica possível – sob pena de os responsáveis por sua gestão serem acusados de lesar o patrimônio. Assim, as regras foram montadas para que o patrimônio público não possa ser utilizado em funções pouco rentáveis ou lucrativas, como é o caso de habitação de interesse social.

Em tempo: o Uruguai, nosso vizinho, constituiu um enorme banco de terras e imóveis públicos de suporte para a produção de habitação de interesse social por cooperativas.

14 comentários sobre “Por que é tão difícil viabilizar terrenos e imóveis públicos para moradia social?

  1. Oi professora, podemos desenvolver esta questão? Então O Estado prefere lesar o povo que está representando, ao invés de não ter lucro??? Qual é exatamente o lucro para o Estado, advindo da retenção especulativa? Como o Estado pode se aparelhar para utilizar o IPTU progressivo no tempo se ele mesmo não cumpre a função socioambiental da propriedade? Agradeço sua atenção, Professora 🙂 Abraço fraterno!

  2. E lá se vão por água abaixo as chances de serem construídas habitações de interesse social inseridas na malha urbana consolidada, servidas de infraestrutura, mobilidade e oportunidades. E ainda temos que ouvir dizerem que não há disponibilidade de terrenos vagos com essas condições…

  3. Cara Raquel
    Nós sabemos o que falta mesmo, é Vontade Politica, sempre.
    Só que o Povão não é informado sobre estes escandalosos latifúndios.
    O Governo oferece somente migalhas ao Povão, como Bolsa Família, Cestas Básicas, Saúde de graça, mas de péssima qualidade. O povo não sabe a força que tem. Assim como os Prédios e áreas do INSS e da Rede Ferroviaria Federal, existem outras milhares que são do Governo Federal ou Estadual que estão abandonadas há anos e muitas onerando os cofres publicas nos gastos de suas manutenções e guardas.
    Na região Central a Prefeitura deveria também desapropriar Imoveis pertencentes a Santa Casa de Misericórdia (fruto de doações) e da Curia Metropolitana, que também estão entre os grandes proprietários.
    Habitação digna para o Povão não é uma questão humanitária?
    Nada mais justo que a Santa Casa e a Curia participar deste mutirão, em contra partida teriam o valor venal dos imoveis, para serem investidos em diversos programas social, por exemplo na Saúde, Creches e na Educação.
    Acorda Povão !!!

  4. Uma boa solucao que esta sendo pensada aqui em SC é a possibilidade de trocar estas áreas supervalorizadas por outras areas da cidade. Esta possibilidade amplia bastante o numero de pessoas atendidas e otimiza os recursos disponiveis.

  5. Raquel, não me lembro, mas acho que cheguei a comentar isso como você. Mas não me custa repetir. Aqui no Rio de Janeiro, um cidadão não consegue entrar no Programa Minha Casa Minha Vida, mesmo havendo condições para isso. Coloca-se todas as dificuldades inimagináveis impostas pelas incorporadoras que são autorizadas pelo Ministério das Cidades, que inventam uma maneira de pedir uma entrada de mais de R$ 30.000,00 até chegando ao um patamar de R$ 70.000,00. Quer dizer um imóvel valendo R$ 190.000,000, o interessado terá que desembolsar quase que 50% do valor total do imóvel. E dependendo de sua idade e da renda familiar, ele não deverá ter direito ao subsídio. Se o cidadão com família que ganha uma média de três salários mínimos, como pode pagar um valor tão alto para aquisição de seu imóvel? Em relação as Prefeituras que detém o mesmo sistema, os imóveis são construídos em localidades bem distante ao acesso de transportes e de trabalho. Fora que a qualidade dos materiais de construções é totalmente precária, isto é, qualidade péssima.
    O erro da portaria do Programa MCMV dando condições ao número X para a venda dos imóveis as incorporadoras, é que os 50% dos empreendimentos sejam destinados e repassados para os carentes e os outros 50% sejam destinados para as próprias incorporadoras fazerem o que quiserem com os imóveis. Já soube de antemão que ao construir os imóveis de melhor qualidade pelo Programa MCMV, uma grande parte destes imóveis vão para as mãos das prefeituras que decidem para aqueles que são de seu interesse, Isto é, usam, como meio de barganha eleitoral ou distribui para os amigos e parentes. E quanto a parte que cabe as incorporadoras colocam o valor não condizente com o tipo de material de construção, o lugar e com a realidade do Programa de Minha Casa Minha Vida. Já denuncie com a Caixa e a Ouvidoria do Ministério das Cidades, e ninguém toma um posição em relação a isso.

  6. Raquel, desculpe por não ter respondido o tema abordado em relação aos imóveis do INSS. O que vejo na Cidade do Rio de Janeiro, algumas casas centenárias, o governo federal, vendeu para a Prefeitura. Algumas foram entregues a rede de hotelaria para a construção dos espigões por conta da Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos. Outros são distribuídos temporariamente para a época de campanha eleitoral.. Outros abandonados e depredados. E quando existe a invasão, todos saem na base da chibata. Essa é a política habitacional que vem desde a época da vinda de Dom João VI. Ponha-se na Rua ou vai morar no morro.

  7. Interessante se falar sobre o óbvio sem que se escreva as palavras PT, Partido dos Trabalhadores, Lula e Dilma.

    União, INSS… são entidades que decidem por si próprias?

    Teriam uma burocracia forte que pudesse ser responsável por esta decisão?

    Ou seriam espaços “loteados” entre as forças políticas dos governos do PT? Com sempre se fez nesta País?

    Coragem para dar nomes aos bois Professora!

    Se o PT elegem Renan, é signatário de acordo que oferece a Comissão de Direitos Humanos ao Pastor preconceituoso; por qual motivo seria diferente?

    Beijo,

  8. Uma das respostas vem do próprio governo federal.

    Em entrevista à Folha desta semana, Jorge Gerdau criticou o exagerado numero de ministérios no governo, 38 ao todo. Isso só encarece a máquina estatal além de diminuir a rapidez na tomada de decisões. Segundo Gerdau, 6 ministérios seriam suficientes.

    A presidente respondeu com a criação de mais uma pasta com status de ministério.

  9. 1 – Um dos negócios que mais prosperam na periferia de São Paulo é a construção de barracos e cortiços para alugar. Imagine 20 cômodos alugados a algo em torno de R$500 ou R$600 por mês e você compreenderá porque a realidade das favelas precisa ser melhor investigada. Por ‘cômodos’ entenda-se quarto, cozinha e banheiro geralmente sem ventilação ou iluminação natural em um ambiente promíscuo e insalubre. Um autêntico buraco.

    2 – Recentemente a Prefeitura demoliu centenas de barracos no Morro dos Macacos indenizando e alojando os moradores em apartamentos de 50m² novinhos em folha, com parquinho e salão comunitário. Entretanto, alguns moradores já falam em alugar o apartamento e voltar a construir um barraco para morar, passando a viver do aluguel. Embora proibida, essa prática é bastante comum entre os assentados do CDHU e Prefeitura.

    3 – Enquanto esses problemas são discutidos nas esferas estadual e municipal, mais e mais famílias deixam suas terras deslocando-se rumo às saturadas metrópoles do sudeste reiniciando o ciclo. É um enxugamento de gelo sem fim ante os braços cruzados do governo federal.

    5 – A pergunta incômoda que não quer calar é: como vamos recuperar o dano ambiental deixado no rastro das ocupações? Do ponto de vista técnico é possível. Basta retirar as famílias de perto dos córregos e nascente, encaixotando-as e empilhando-as em apartamentos de 50 m² onde vivem até 8 pessoas. Isso porém gera novo problema: e as demandas por serviços públicos de saúde, educação e transporte? Sem falar na febre de violência que não passa e o ar quase irrespirável de São Paulo.

    Precisamos rever as politicas públicas de habitação nesse país gigantesco e mal habitado. Caso contrário,em poucos anos as metrópoles entrarão em colapso.

  10. É uma situação que ocorre na maioria dos municípios . Muitos deles , também tem problemas com os seu próprios municipais , falta um controle, ocupação indevida , falta de RGI , enfim……Poderia se unificar os próprios nas três esferas para atender a habitação social. O INSS não pode repassar seus bens, só com a venda. A reforma de prédios comerciais para habitação social é, também, onerosa . O foco do deficit recai sobre os 0a3 sal.mínimos . O preço da “terra”, material básico para habitação é muito cara.Assim, onde estão os terrenos mais baratos ? Na periferia , sem infra estrutura e transporte. Trata-se de “correr atrás do rabo “. Temos que quebrar paradigmas e buscar novas soluções para velhos problemas !

  11. Em Santos o terreno da RFFSA virou um centro de convenções e o do INSS um shopping center, ambos de propriedade de um Sr que detem 3% do território local. O pagamento do segundo seria em construção de casas populares em um município periférico, que até hoje não sei se saiu.

  12. Entendo (e não concordo) que haja um problema legal na alienação deste bens. Mas não há nada que se possa fazer, haja visto o claro interesse público na transferência? Uma solução não poderia ser incluír na Lei do MCMV um artigo liberando-os? Ou algo semelhante?

  13. Há anos os Movimentos Sem Teto pressionam os poderes públicos pela destinação destes imóveis para moradia popular. Neste processo de pressão e lutas que ocorre em varias capitais do país, os Movimentos Populares de Moradia, vem ocupando estes imóveis abandonados. Um caso emblemático é o prédio da Avenida Nove de Julho em SP, pertencente ao INSS. Ocupado por diversas vezes, desde 1997, este imóvel literalmente apodrece no centro São Paulo sem qualquer destinação habitacional. No ano 2009, o governo federal, destinou recursos para compra de ao menos 18 imóveis do INSS para destiná-los para habitação popular. Apenas um imóvel no estado Piauí foi reformado. Os outros projetos até o momento, não saíram do papel. Desde 2011, o Grupo de Trabalho do Conselho das Cidades para destinação de imóveis vazios, não se reúne sistematicamente.. Quanto aos imóveis da União, a situação não é muito diferente: foram constituídos GTs nos estados, para destinar os imóveis da União e da Rede Ferroviária Federal para moradia popular. Funcionários da SPU, são denunciados por destinarem imóveis para Resorts e outros empreendimentos imobiliários, como recententemente ocorreu no Estado de Sergipe. Por outras vezes, boicotam os GTs regionais, escondem dos Movimentos as áreas para moradia, não convocam reuniões do GTs estaduais, ou simplesmente não destinam os imóveis. Assim este drama segue….não dando alternativas aos Movimentos Sem Teto, que não seja fazer a luta e continuar ocupando estes imóveis vazios…Neste momento em São Paulo há três imóveis do INSS ocupados pelo Movimentos de Moradia, um na Rua Martins Fontes, outro na Rua Maria Domitila no centro de São Paulo, e outro na Avenida Teotônio Vilela na zona sul da cidade…seguimos lutando….

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