Velocidade, Transformação e Preservação

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O Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (CONDEPHAAT) notificou a prefeitura de São Paulo por ter executado uma obra de reforma no viaduto Santa Ifigênia sem pedir autorização ao órgão, segundo noticiou um dos telejornais da Rede Globo. O procedimento é obrigatório para obras em imóveis tombados ou em processo de tombamento e suas áreas envoltórias, como é o caso do viaduto.

A estrutura de ferro que liga o Largo de São Bento com o da Santa ifigênia  foi o segundo viaduto  a transpor o Vale do Anhangabaú, permitindo a expansão da malha urbana naquela direção.   Mas, ao contrário do Viaduto do Chá, cujo desenho original em ferro foi substituído pela atual estrutura em concreto, suas estruturas são originais.  Elas foram trazidas da Bélgica depois que uma empresa daquele país, associada ao escritório do arquiteto Giulio Micheli, ganhou  a licitação aberta pela prefeitura para a realização da obra. As estruturas de ferro em estilo Art Nouveau chegaram de navio no Porto de Santos, depois subiram de trem até a capital onde foram montadas e finalmente inauguradas como viaduto em 1913. A obra custou 250 mil libras, obtidos através de um empréstimo de um banco inglês, se tornando o primeiro grande endividamento da cidade. O viaduto Santa Ifigênia desde os anos 1970 é uma dos bens protegidos na cidade. Isto significa não apenas que ele não pode ser demolido, mas também que toda e qualquer intervenção ou obra sobre ele, deve passar por uma análise prévia, considerando seu impacto sobre suas características.

Essa notificação do CONDEPHAAT é mais um episódio de uma relação – cada vez mais tensa —  entre a gestão do prefeito João Doria e representantes dos Conselhos encarregados de proteger o patrimônio histórico e cultural da cidade. Há algumas semanas, o Instituto de Arquitetos do Brasil denunciou em carta pública que as demandas de preservação estavam sendo colocadas em segundo plano no Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (CONPRESP), com o arquivamento sumário de processos e desrespeito a trâmites internos.

Nessa semana, um mandato de segurança suspendeu uma reunião do CONPRESP em que se aprovaria – ou não – a construção de um edifício do grupo Silvio Santos no Bexiga, em um terreno ao lado do Teatro Oficina, que é tombado. Há anos o dramaturgo José Celso Martinez Corrêa trava esse embate com o apresentador empresário, na tentativa de proteger o entorno do teatro, transformando-o em ágora e ampliando as possibilidades do teatro se abrir para o espaço público, interpretando as possibilidades de continuidade do belíssimo projeto de Lina Bo Bardi  para o edifício. Mas agora o assunto ganhou outra dimensão e adesões, se reconfigurando como um movimento pelo Parque do Bexiga.

Essa tensão decorre, sobretudo, do desejo da prefeitura de acelerar a implantação de seus projetos – assim como de seus parceiros – desprezando as instâncias de debate e suas considerações como “burocracias paralisantes”. Se é verdade que processos de aprovação de projetos em bens tombados demoram e postergam decisões, é também verdade  que se um bem é considerado  patrimônio cultural e, portanto,  é protegido de sua destruição – ou desconfiguração – é porque este tem significados e valores  reconhecidos. As decisões sobre seu destino vão além dos desejos individuais de seus proprietários ou dos eleitos para a gestão da cidade.

 

Falei sobre esse assunto na minha coluna da última quinta-feira (30). Ouça aqui.

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