Em Pernambuco, repete-se o desrespeito ao direito à moradia

Na última sexta-feira, estive em Pernambuco a convite do Comitê Popular da Copa local, para visitar comunidades ameaçadas de remoção, especialmente por conta de obras relacionadas à Copa do Mundo. Na ocasião, visitei a comunidade do Coque, no Recife, e o loteamento São Francisco, em Camaragibe, durante todo o período da tarde.

No Coque, centenas de famílias estão ameaçadas de remoção por conta de distintas obras que estão sendo levadas a cabo pelo Governo do Estado: entre a limpeza de um canal, velha reivindicação dos próprios moradores, e a construção de um terminal de ônibus, vários são os projetos que incidem sobre o direito à moradia daquela que é uma das comunidades mais bem localizadas na cidade. Há décadas o local onde está o Coque foi definido como ZEIS, uma Zona Especial de Interesse Social, que reconhece o direito de as pessoas permanecerem ali e determina que um projeto de urbanização – o PREZEIS – viabilize a urbanização e regularização da área.

Infelizmente não é nada disso que está acontecendo. Ao invés de beneficiar a comunidade, garantindo sua permanência em condições melhores, como determina a lei, os projetos veem nos moradores um empecilho a ser removido do meio do caminho, sem a mínima preocupação com seu destino, nem respeito a seus direitos.

O que eu vi em Pernambuco só confirma que a falta de transparência e de espaços de participação da população na definição dos projetos é uma regra, bem como as baixas compensações financeiras e a total ausência de alternativas habitacionais oferecidas para os atingidos.

Conversei com uma moradora do Coque a quem foi oferecida uma indenização de R$ 5.600,00 por sua casa. Obviamente, ela não tem como viabilizar uma nova moradia com essa quantia. Além disso, ela hoje vive da atividade comercial que realiza na própria comunidade. Também visitei uma senhora de 85 anos que, depois de uma indenização de R$ 4.000,00 está vivendo – pasmem – em um novo barraco, mais precário que o anterior, em cima do canal.

No loteamento São Francisco, em Camaragibe, foram muitos os relatos que ouvi de moradores idosos com problemas de saúde decorrentes da total insegurança em que vêm vivendo desde que foram comunicados da remoção. São casos de depressão, de AVC, de hipertensão, entre outros.

Aliás, soube que nesta segunda-feira oficiais de justiça estiveram na comunidade para pressionar a saída dos moradores, com ameaças de que haverá uso de força policial caso as pessoas não saiam em 24 horas. Ou seja, a ordem é pra sair, sem compensações financeiras que garantam previamente o acesso a uma nova moradia, muito menos uma alternativa de reassentamento.

No período da manhã, aproveitei a oportunidade para me reunir com a prefeitura do Recife e com o Governo do Estado de Pernambuco. Ambos garantem que estão seguindo a legislação, mas que não pagam compensações melhores porque a Procuradoria do Estado e o Tribunal de Contas não permitem… Será que as procuradorias ignoram o marco internacional do direito à moradia adequada? Será que os tribunais de contas não conhecem a legislação brasileira (que reconheceu o direito de posse desde a Constituição), nem a legislação internacional dos direitos humanos?

À noite, um debate sobre megaeventos esportivos e direito à moradia que estava marcado para acontecer na Câmara Municipal foi inexplicavelmente cancelado pelo presidente da casa. No fim das contas, os organizadores conseguiram transferi-lo para a Faculdade de Direito do Recife e assim o debate pôde ser realizado, com a presença de diversas organizações da sociedade civil e de moradores de comunidades afetadas.

* Confira a cobertura que a imprensa fez da visita:

NETV – Rede Globo: Relatora da ONU visita comunidades da região metropolitana
Portal Terra: Câmara do Recife cancela debate sobre Copa e moradia
Agência Pulsar: Relatora da ONU visita afetados pela Copa e critica fechamento da Câmara para debater remoções em Recife
Diario de Pernambuco: Relatora da ONU vem ao Recife para discutir Copa e moradia
Jornal do Commercio / Blog de Jamildo: Coque recebe visita de relatora da ONU para Direito Humano à Moradia Adequada

6 comentários sobre “Em Pernambuco, repete-se o desrespeito ao direito à moradia

  1. E assim segue a política de cabresto e o desrespeito jurídico e social a direitos assegurados. Essa “democracia representativa de espetáculo” favorece manipulações crescentes e o claro uso do aparelho repressor para facilitar intervenções urbanas do estado e privadas, atropelando vidas em nome do velho discurso do “progresso”, mesmo que seja passando por cima das pessoas e das leis.

  2. É realmente um absurdo e irônico falarem que a copa iria trazer oportunidade e prosperidade a agora é querem expulsar a populaçao a qualquer custo das margens dos estádios..absurdo!

  3. Repete-se em âmbito nacional, nas obras do PAC também não houve o menor respeito e as remoções foram muitas. Absurdo!

  4. Raquel,
    Gostaria que você comenta-se a situação da Reserva do Paiva aqui em PE. Pois, os construtores alegam ser o primeiro bairro planejado aqui não região, apesar de não ter tido a participação da população envolvida!

  5. Pingback: Próximo à Arena Pernambuco, desapropriados ainda não receberam indenizações | Mídia Capoeira

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