Revisão extemporânea do zoneamento de São Paulo: Para quê? Para quem?

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Ilustra: LabCidade

A Prefeitura de São Paulo está realizando um processo de “revisão e readequação” da Lei de Zoneamento da cidade, que foi completamente revista e alterada há pouco mais de um ano, em um longo processo que sucedeu a elaboração do mais recente Plano Diretor de São Paulo. De acordo com o texto de introdução constante no site gestão urbana a motivação para esta nova revisão é a “necessidade de ajustes nos dispositivos para melhor aplicação da lei”.

O poder público municipal afirma no mesmo documento, que o processo foi iniciado em janeiro, com um “estudo da aplicabilidade dos instrumentos” e que, desde o dia 26 de maio e até o dia 5 de junho, realiza uma “consulta pública” para colher propostas de mudanças nos dispositivos. Dois dias depois de finalizada a consulta, a gestão apresentará uma “minuta participativa” que deverá ser discutida em audiências regionais e encaminhada à Câmara Municipal.

Cabe, antes de mais nada, uma explicação: os tais “dispositivos” do zoneamento que aparecem como objetos da consulta, tais como “cota parte máxima”, “gabarito máximo”, “cota ambiental”, entre outros, foram inseridos no Zoneamento como instrumentos de implementação de uma estratégia contida no Plano Diretor.

Explicando um pouco mais: a cota parte máxima, por exemplo, limita o tamanho dos novos apartamentos em regiões onde o Plano Diretor permitiu construir o máximo de área construída na cidade.  São regiões em torno de estações de metrô e trem e de corredores exclusivos de ônibus. Ou seja, a tal da cota parte máxima entrou no Zoneamento para tentar garantir que a massa de novos prédios que futuramente vai ser construída nestes locais não contenha apenas apartamentos gigantes, com pouca gente dentro, impedindo o adensamento de locais que a estratégia do Plano Diretor propõe adensar. Portanto, mudar a cota parte máxima não é um ajustezinho de aplicabilidade, significa mudar a estratégia do Plano!

Assim, ao dizer que quer ajustar dispositivos para “melhor aplicação da lei”, ou “adaptação à cidade real, aquela já construída”, sem informar à sociedade qual foi a avaliação feita sobre estes instrumentos que justifique mudanças, a Prefeitura mais esconde do que revela as motivações do processo que acaba de lançar publicamente. Além disso, a consulta pública, que também propõe captar as propostas de “ajustezinhos” (em 10 dias!), tampouco exige justificativas, nem sequer a identificação clara das motivações.

Ainda em relação aos prazos, a Prefeitura diz que vai “sistematizar” todas as contribuições em dois dias (acelera, São Paulo!) e lançar uma minuta de projeto de lei com as alterações. Ora, é evidente que esta minuta já está em elaboração, se já não estiver pronta… Mas se ela não saiu de um processo público de avaliação crítica do Zoneamento existente, de onde saiu?

Antes mesmo de assumir o cargo, o prefeito João Doria e a Secretária Urbanismo e Licenciamento, Heloisa Proença, já deixaram claro que fariam mudanças nas leis para que a cidade ficasse mais atraente para o setor imobiliários. Em 22 de fevereiro, Heloisa afirmou em um evento no Secovi, o sindicato das empresas do setor imobiliário, que a pasta estava consultando “30 entidades de classe, universidades e agentes do setor” que estariam enviando propostas de alteração.

Ou seja, uma proposta nada inocente de alteração do Zoneamento está sendo elaborada levando em especial consideração as avaliações feitas por empresas com interesses diretos em potencializar seus ganhos na cidade, incluindo alterações de parâmetros construtivos sem respaldo técnico, a partir do acesso privilegiado àqueles que formulam as leis.

Não faço aqui uma defesa irrestrita do Zoneamento recém-aprovado, que merece, sim, uma revisão circunstanciada, motivada conceitual e tecnicamente em seu devido tempo, já que acabamos de passar por um ciclo deste tipo. Mas o que está sendo proposto neste momento nada tem a ver com um verdadeiro processo de revisão. O setor imobiliário tem toda a legitimidade para avaliar criticamente o Zoneamento e a Prefeitura para abrir um processo de debate em torno destas questões. Mas que isso seja feito à luz do dia, de forma clara, e submetido ao escrutínio público dos cidadãos de São Paulo, com linguagem, tempo e procedimentos para que todos compreendam o que está em jogo.

Também falei sobre esse assunto na minha coluna dessa semana na Rádio USP. Confira aqui.

O dilema da exclusividade: é possível equilibrar a democratização dos espaços e a preservação de suas qualidades?

Fernando de Noronha. Foto: @Rosanetur/Flickr

Você já deve ter tido a experiência de visitar um lugar paradisíaco, uma praia, uma montanha, um povoado remoto ou uma cachoeira deserta e, alguns anos depois, ao voltar lá, encontrá-lo lotado de carros, barraquinhas, lixo, cheio de gente.

A experiência do contato com uma natureza pouco antropizada, ou seja, pouco transformada pelos homens, é única e excepcional. É ela que confere uma qualidade para lugares que, por serem inacessíveis ou muito distantes dos eixos de concentração demográfica e dinâmica econômica, são muito pouco visitados e, portanto, muito preservados em suas características naturais originais. Esses ecossistemas são, entretanto, frágeis e facilmente destruídos pela presença intensa de turistas. E são normalmente os turistas pioneiros ou os moradores eventuais que usam esses lugares como refúgio que mais resistem à popularização de tais paraísos, pensando justamente na preservação dessas qualidades excepcionais. Contra essa posição estão certamente os empreendedores do turismo, vendo ali uma possibilidade de rentabilidade econômica, e, muitas vezes, os moradores originais ou nativos que veem o aumento da presença de visitantes como uma perspectiva de geração de trabalho, de mobilidade social, de oportunidades que até então não existiam.

Dessa forma, arma-se um conflito, polarizado entre um desejo de preservação, que acaba se apresentando como manutenção de “exclusividade”, e o de “desenvolvimento”, que, conhecendo a história de inúmeros locais como esses no país, acaba por atrair tantos negócios e tantos turistas que as paisagens naturais e culturais que encantavam os visitantes acabam por ser destruídas.

Em tese, a legislação ambiental ou mesmo as regras de uso e ocupação municipais deveriam definir limites, estabelecendo padrões, assim como vetando ou permitindo a ocupação em determinados locais. Mas, na prática, não é o que ocorre. Para além dos condomínios que são abertos em áreas de preservação ao arrepio da lei e que se mantêm abertos e se consolidam graças a liminares em um judiciário que só conhece a regulação da propriedade, e não suas funções socioambientais, as próprias normas de ocupação não dão conta desse dilema.

Nas cidades, as leis de zoneamento são uma tentativa de resolver essa situação. As áreas exclusivamente residenciais, por exemplo, são uma forma de manter as características paradisíacas de bairros tranquilos, mas às custas de um modelo de ocupação para poucos, com pouca diversidade, com pouca gente, voltado apenas para as altas rendas. Isso significa que não há outra forma de preservação senão a elitização? Será que não somos capazes de organizar formas de controlar densidades e relação com o meio físico sem que isso implique em cair na equação maldita do local paradisíaco exclusivo e vetado para as maiorias versus o espaço destruído e depredado disponível para as massas?

É preciso buscar soluções, fórmulas que ainda não estão prontas para enfrentar essas questões. Sua formulação passa por romper, antes de mais nada, com a lógica predatória que (des)organizou a forma de ocupação do território do país desde sempre. Mas, seguramente, também por outras formas de diálogo entre os interesses envolvidos.

Originalmente publicado no Portal Yahoo!

São Paulo merece mais parques

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Foto: Flickr Virada Sustentável. Alguns direitos reservados.

Na esteira dos movimentos dos moradores de São Paulo por mais e melhores espaços públicos, crescem também as mobilizações pela criação de novos parques e manutenção de áreas ameaçadas, resultando inclusive na criação de uma articulação, a Rede Novos Parques SP.

São organizações de moradores em todas as regiões da cidade, desde a Zona Leste (Parque da Vila Ema e da Mooca), à Zona Oeste (Parque Linear Água Podre), passando pela zona Zona Sul (Parque dos Búfalos) e Zona Norte (Parque da Brasilândia), só para dar alguns exemplos.

É verdade que alguns casos chamaram mais atenção da mídia, como o do Parque Augusta, localizado na região da Consolação, área central da cidade. Mas as lutas pelos parques estão presentes em áreas muito distintas da cidade, do ponto de vista da renda, da história e perfil social de seus moradores.

No processo de discussão da lei do zoneamento, a Rede Novos Parques está lutando pela demarcação de Zonas Especiais de Preservação Ambiental (Zepam) nas áreas objeto da mobilização. Gravar uma área como Zepam no zoneamento significa dizer que as condições ambientais dessa área deverão ser preservadas, mas não significa que a área se transformará imediatamente em um parque, muito menos público.

O caso do Parque Augusta é emblemático do que acabo de afirmar: trata-se de um terreno privado, dentro do qual se encontra uma área de Mata Atlântica tombada, e onde os proprietários desejam construir um conjunto de torres. Em 2014, com a aprovação do novo  Plano Diretor, a área foi gravada como Zepam.

Entretanto, a luta pela implementação de um parque 100% público continua! Neste momento, embora o projeto proposto pelas construtoras Setin e Cyrella para a área ainda não esteja aprovado, o terreno está cercado por tapumes, mesmo após uma decisão judicial ter definido que a área remanescente de Mata Atlântica que existe ali deve ser aberta e franqueada ao público.

Inclusive, o Organismo Parque Augusta, movimento que luta pela implementação do parque sem edifícios e 100% público, lançou uma campanha pela cobrança das multas devidas pelas construtoras pelo não cumprimento da decisão judicial.

Inúmeras vezes me manifestei assinalando a possibilidade que a Zepam oferece – nesta e em outras zonas semelhantes da cidade – de o proprietário doar o terreno para o poder público e transferir o potencial construtivo, em dobro, para outro local, o que constitui uma alternativa à desapropriação da área pela prefeitura. Trata-se de uma solução que não onera os cofres públicos e, ao mesmo tempo, compensa o proprietário.

Por essa razão, marcar uma área como Zepam é apenas o começo, e não o fim de uma luta por áreas verdes e parques. Mesmo equacionando o caráter público da área (via transferência, permuta ou desapropriação), ainda é necessário também investir em recursos para implementar o equipamento propriamente dito.

Além disso, é importantíssimo pensar a forma de gestão, se esta ficará totalmente a cargo do poder público ou se é possível desenvolver formas comunitárias e compartilhadas de gestão, envolvendo e comprometendo a comunidade que frequenta e utiliza o espaço.

O conjunto de questões, desafios e etapas aqui elencados apenas sinaliza que esses movimentos têm um longo caminho pela frente em suas lutas. Mas, como em outras mobilizações que estamos vendo pela cidade, esta só tende a crescer em número, força e densidade política, já que, de fato, a maior parte da cidade se constituiu sem espaços públicos e muito menos sem qualquer presença forte do poder público na sua implantação e manutenção.

*Publicado originalmente no portal Yahoo!.

Audiência pública discutirá Plano Municipal de Habitação nesta quinta-feira

Desde o mês passado, venho comentando aqui no blog sobre uma proposta de substitutivo ao Projeto de Lei que institui o Plano Municipal de Habitação (PL 509/2011) que, entre outras coisas, vai alterar o zoneamento da cidade, permitindo a construção de prédios residenciais em vários bairros onde hoje isso não é possível.

Depois de muitas críticas ao projeto veiculadas pela mídia, por movimentos sociais e entidades da sociedade civil, finalmente, a Câmara Municipal marcou uma audiência pública para discutir o assunto. A conversa acontecerá nesta quinta-feira (6), às 10h, no auditório Prestes Maia.

Leia mais aqui no blog:

Gambiarra no Projeto de Lei da Política Municipal de Habitação libera verticalização em São Paulo

Pagar para não fazer Habitação de Interesse Social

Iniciativas procuram pensar os bairros a partir de seus cidadãos

No início do mês, divulguei aqui no blog um evento que discutiria um Plano de Bairro da Vila Madalena. No evento, que contou com mais de 100 participantes, ficou clara a importância e complexidade de se pensar o bairro a partir de seus moradores e usuários. Alguns leitores deixaram comentários sobre este assunto, um deles foi o urbanista e professor aposentado da FAU USP, Cândido Malta Campos Filho.

De acordo com Cândido, desde junho do ano passado, está em tramitação na Câmara Municipal de São Paulo o Plano de Bairro de Perus (PL 00331/2011), cuja elaboração foi coordenada por ele. Segundo o urbanista, “a aprovação maciça [do plano] em assembleias abertas a toda a população com votação formal indica que deverá ser aprovado pelos vereadores”. Ele lembra ainda que, se aprovado, este será o primeiro Plano de Bairro aprovado previsto pelo atual Plano Diretor.

Também recebi aqui no blog um comentário de Eduardo Abramovay, integrante de um grupo chamado “Moradores de Pinheiros contra a Verticalização Desenfreada”. Segundo Eduardo, atualmente o grupo tem defendido a criação de um parque em terreno na Rua João Moura onde havia um casarão que, embora protegido pela Justiça, foi derrubado por uma construtora. Os donos do imóvel pretendem construir na área algumas torres e um shopping center. A proposta de criação do parque já se tornou Projeto de Lei e há uma audiência pública sobre o assunto marcada para setembro. Além disso, está circulando um abaixo-assinado em favor da criação do parque.

O fato é que o zoneamento do bairro de Pinheiros permite a verticalização. Isso só poderia ser modificado com a revisão do atual Plano Diretor, que deveria acontecer este ano. No entanto, se o bairro conseguisse elaborar o seu Plano de Bairro, esse debate já poderia ser feito e serviria de subsídio para a revisão do zoneamento.

Saiba mais sobre o grupo “Pinheiros contra a Verticalização”:
Site: http://moverpinheiros.wordpress.com/
Grupo no Facebook: http://www.facebook.com/groups/219598781449304/

Proprietário do imóvel do Belas Artes acha pouco R$ 1 milhão por ano. Dá pra acreditar?

Os sócios do Belas Artes ofereceram pagar R$ 1 milhão de aluguel por ano ao proprietário do local, mas a oferta foi recusada. O dono do imóvel insiste em cobrar R$ 150 mil por mês. As mobilizações contra o fechamento do cinema continuam, mas se não houver avanço nas negociações, ele fechará as portas semana que vem. Vejam abaixo matéria do Estadão, publicada hoje, sobre este assunto:

Sem acordo, Belas Artes deve fechar na quinta

Dono do prédio na Consolação não aceita proposta de R$ 1 milhão de aluguel por ano

17 de fevereiro de 2011

Bruno Paes Manso – O Estado de S.Paulo

Nem as manifestações sucessivas feitas desde janeiro, nem os mais de 70 mil filiados ao Facebook contra o fechamento do Belas Artes serviram para levar o proprietário do imóvel na esquina da Avenida Paulista com a Rua da Consolação a renovar o contrato de aluguel com os donos do cinema. Assim, o Belas Artes, que funciona no mesmo local desde 1943, vai fechar as portas na próxima quinta-feira, dia 24.

Ontem, um dos sócios do cinema, André Sturm, recebeu a negativa para sua última cartada comercial. Com o apoio de um patrocinador, Sturm havia oferecido na segunda-feira aluguel de R$ 1 milhão por ano (R$ 85 mil mensais) ao dono do imóvel, Flávio Maluf. O proprietário recusou a oferta. O valor pago atualmente, reajustado no ano passado, é de R$ 63 mil. O dono do prédio quer receber R$ 150 mil mensais.

A última sessão de filmes vai ocorrer na quinta. Depois, serão mais quatro dias para esvaziar e entregar o prédio. “Quero fazer algo para cima. Mas ainda não tive tempo para pensar em nada, porque estava muito ansioso e tinha esperança de reverter a situação”, diz Sturm.

Apesar do fim da negociação, ainda corre no Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental (Conpresp) o processo de tombamento do Belas Artes. Caso ocorra, as restrições impostas ao imóvel podem limitar o uso e a negociação do prédio. Antes de decidir, conselheiros aguardam um parecer do Departamento de Patrimônio Histórico (DPH) da Prefeitura sobre o assunto. “Desde a abertura do processo, ainda não voltamos a discutir o caso. É importante primeiro termos o parecer”, disse o arquiteto José Eduardo Lefèvre, presidente do conselho.

Segundo Lefèvre, existe uma dificuldade porque o caso do Belas Artes não pode se enquadra nem como “tombamento material, nem como imaterial”. O primeiro está voltado a preservar aspectos físicos e arquitetônicos de um prédio. Projetado nos anos 1940 pelo arquiteto italiano Giarcarlo Palanti, o imóvel sofreu várias reformas internas e na fachada nas décadas seguintes, diminuindo sua relevância arquitetônica.

No caso do tombamento imaterial, a decisão ocorre para que sejam determinados parâmetros de movimentos culturais relevantes, como é o caso do frevo, em Recife. “O que seria tombado no Belas Artes? A lei não permite definir um tipo de uso para o imóvel, por exemplo. Também é inviável tombar a programação. Mas, ao mesmo tempo, é inegável o valor do cinema para a cidade. Ele foi abraçado pela coletividade. Essas questões serão estudadas pelo DPH e deliberaremos a respeito”, diz Lefèvre.

Zoneamento. Para a arquiteta Raquel Rolnik, professora da Faculdade de Arquitetura da Universidade de São Paulo, o caso do Belas Artes evidencia como as autoridades de São Paulo não têm conseguido usar de forma adequada as políticas de zoneamento, instrumento que determina o uso e a ocupação do solo na cidade. “Em São Paulo, o zoneamento é visto de maneira torta, para se definir quantos andares podem ser construídos em cada bairro. É a lógica do mercado imobiliário”, diz. Ela defende que o zoneamento seja usado para estabelecer áreas da cidade para interesses sociais e ambientais. “Como esse costume não existe, o tombamento se transformou em um instrumento de resistência, o único que permite levar em conta valores diferentes aos pregados pelo mercado.”

TRÊS PERGUNTAS PARA…

Fabio Luchesi Filho, ADVOGADO DO DONO DO IMÓVEL DO BELAS ARTES, FLÁVIO MALUF

1. Vocês vão ter o prédio de volta na próxima semana, dia 28. Que fim pretendem dar ao imóvel?

O proprietário (Flávio Maluf) já decidiu que não pretende renovar com nenhum novo cliente enquanto o Conpresp não decidir se o imóvel vai ou não vai ser tombado.

2.As informações são que vocês pedem R$ 150 mil mensais de aluguel. E que recusaram a oferta de R$ 85 mil. São esses mesmos os valores?

Os valores acabaram ficando para segundo plano. Precisamos primeiro esperar que a situação jurídica se resolva.

3. Caso o Conpresp se decida pelo tombamento, vocês considerariam a hipótese de voltar a alugar o prédio para os proprietários do Belas Artes?

Essa é uma questão que ainda deve ser analisada pelo proprietário. Difícil responder antes de uma definição.

Cine Belas Artes: a polêmica continua

O anúncio do fechamento do Cine Belas Artes e a posterior abertura do processo de tombamento do local têm gerado debates e controvérsias,
inclusive aqui no blog.

O Francisco questiona o instrumento do tombamento e pergunta: “Supondo que o tombamento seja aprovado, existe algum dispositivo que obrigará o proprietário a manter aberto um estabelecimento com determinado uso (no caso, “cinema”)? Caso seja garantido que o uso seja “cinema”, existe algum dispositivo que obriga este proprietário a alugar o seu imóvel a um determinado valor?”.

Na mesma linha, o Daniel diz que acha pouco provável que “limitar o uso do imóvel a ‘cinema’ consiga preservar a programação de qualidade que hoje ainda tem o Belas Artes. A chance maior é de que lá se instale um Kinoplex ou Cinemark da vida, que banque os R$150 mil vendendo pipoca a dez reais e ingresso a vinte para os últimos sucessos de Hollywood, dublados e em 3D.”.

E o Marcelo questiona o papel do Estado nessa história. “Não quero que o Belas Artes feche, gosto daquele espaço. Mas acho muito complicado botar o Estado no meio pra proteger uma empresa específica da especulação imobiliária. Que existe e é muitas vezes injusta – mas é injusta com todos, inclusive os que não desfrutam de praticamente nenhum outro benefício do Estado.” diz.

Estes questionamentos são importantes e merecem debate.

Em primeiro lugar, pode o Estado limitar o direito do proprietário de usar seu imóvel da forma que melhor lhe parecer? Sim! Pode e deve. De acordo com a nossa Constituição, toda propriedade tem uma função social. E o conteúdo dessa função social não se opõe ao direito do proprietário, muito pelo contrário, é um componente desse direito.

A função social de cada propriedade é basicamente o papel que ela vai ter no conjunto do território que é a cidade. E quem define isso, no caso das cidades, é a regulação urbanística – as regras de uso e ocupação do solo da cidade, que devem expressar a política urbana.

Essa regulação interfere no valor da propriedade? Sim, e, por sinal, muitas vezes ela interfere aumentando o valor destas propriedades… Por exemplo, se em um local onde só existiam casas térreas a regulação diz que é permitido construir edifícios altos, ela claramente está aumentando o valor das propriedades. Em outras situações, ela interfere desvalorizando. É assim que funciona esse que é um dos elementos reguladores do mercado imobiliário urbano.

Uma segunda questão levantada é o fato de o Belas Artes se tratar de uma empresa privada. É preciso esclarecer que a função social da propriedade independe de ela ser  pública ou privada, ou seja, vale para ambas. Também não importa se ela será usada para fins comerciais ou não. Ou seja, a regulação define se em determinado lugar é permitido construir prédios ou não, instalar comércios ou não e de que tipo, se a área é de preservação ambiental ou não, se é de interesse cultural ou não etc.

Outro ponto importante de esclarecer sobre essa questão do público x privado é: ao designar uma função para determinado imóvel, o Estado estaria deixando de investir em habitação para proteger um estabelecimento privado? Não. Simplesmente porque não há investimento de dinheiro público na definição de uma regulação.

Seria um gasto público se a prefeitura ou o governo estadual desapropriassem o imóvel, transformando-o em imóvel público e pagando para o proprietário do terreno seu valor de mercado para transformá-lo em cinema… privado! Sou totalmente contra esta alternativa. Além de caríssima e de prioridade discutível, este instrumento só pode ser usado se o espaço se transforma num equipamento cultural público e gratuito, acessível a toda a população. Portanto, não me parece ser esta uma alternativa sequer razoável.

Por fim, sobre a utilização do tombamento como instrumento para resolver um caso como o do Belas Artes, concordo com o Francisco e o Daniel e não acho que essa seja a melhor saída. É possível tombar aquele espaço como cinema? Sim, mas como o Daniel falou, isso não resolve a questão. O melhor instrumento está, portanto, no campo da regulação urbanística, ou seja, da gestão do uso e ocupação do solo.

O tombamento só está sendo usado porque a gestão do uso e ocupção do solo em nossa cidade não tem sido usada com seu sentido de “estabelecimento da função social” de cada um dos imóveis da cidade.

Da mesma forma que se faz uma ZEIS (Zona Especial de Interesse Social) é possível fazer ali uma zona especial de interesse cultural, por exemplo. E dentro dessa regulação é possível determinar o uso que terá aquele espaço: será um cinema de rua, com programação diferenciada, etc. Isso vai interferir no valor comercial do imóvel? Sim. E é isso mesmo que precisa acontecer. Com isso, é possível melhorar as condições de negociação entre os candidatos a instalar ali a  atividade determinada naquele local e o proprietário.

E não há porque se indignar com relação a isso, já que esse é o arroz com feijão do zoneamento da cidade de São Paulo. O zoneamento precisa de fato ser usado para definir efetivamente a função social que a cidade deve ter.

Curitiba: frustrada primeira tentativa de alteração de zoneamento em função da Copa

A câmara municipal de Curitiba tentou aprovar ontem, em regime de urgência, a alteração da lei de zoneamento do município para viabilizar a atribuição de potencial construtivo adicional no terreno do Clube Atlético Paranaense. A ideia é que o potencial construtivo seja usado como garantia para o empréstimo do Fundo de Desenvolvimento Econômico do Estado destinado à reforma da Arena da Baixada para a Copa do Mundo de 2014.

Mas a tentativa da prefeitura foi frustrada depois que vereadores oposicionistas argumentaram que não dava para passar um projeto desta natureza sem debate. Após muita discussão, acabou sendo decidido que será encaminhado um projeto de lei ordinário que, portanto, terá que passar pelas comissões de Legislação e Justiça, de Economia e Urbanismo, podendo ser votado a partir do dia 27 de outubro.

Como eu já comentei aqui antes, o que estamos vendo em Curitiba é um malabarismo urbanístico político para viabilizar o uso de recursos públicos em empreendimentos privados. Vale lembrar que, no mês passado, o BNDES recusou os títulos de potencial construtivo como garantia para o empréstimo. Caso seja votado no final de outubro, saberemos se os vereadores aprovarão ou não essa estratégia. Se isso acontecer, a concessão do empréstimo pelo FDE ainda precisará ser aprovada pela Assembleia Legislativa.

Clique aqui para escutar matéria da CBN Curitiba sobre o assunto.

Substitutivo ao Plano Diretor será votado na Câmara municipal: alguém nesta cidade conhece o Projeto?

Na próxima quarta-feira, às 10h, em frente à Câmara Municipal de São Paulo, será realizado um Ato em defesa do Plano Diretor da cidade. Movimentos sociais e organizações da sociedade civil rejeitam a votação do substitutivo ao Plano Diretor sem que haja um processo democrático e participativo de discussão da proposta.

Nos próximos dias, a Câmara pretende votar um substitutivo ao Plano Diretor, com alterações em 390 artigos. A pergunta é: alguém sabe o quê exatamente está sendo proposto? Ninguém nesta cidade, nem mesmo os vereadores, conhece claramente todas as alterações que o substitutivo propõe. Esse é um dos principais problemas desse processo que vem sendo conduzido de forma opaca, mas que pode implicar em mudanças importantes para a cidade.

O fato é que os paulistanos não sabem o que está sendo proposto. Por isso, antes de votar a proposta, os vereadores deveriam produzir um material com informações claras, mostrando as alterações, incluindo mapas bem precisos e não em linguagem cifrada. Sem isso, e se aprovado nessas circunstâncias, teremos um plano diretor que será uma verdadeira caixa-preta. Se esse processo de mudança se pretende participativo, o mínimo é que a população seja informada claramente sobre as alterações com relação ao plano em vigor.

Uma outra questão importante que vem sendo muito debatida na mídia é o adensamento da cidade.  E ela tem sido colocada de forma falaciosa. Teoricamente, a ideia é que os bairros que têm infraestrutura de transporte coletivo possam receber mais moradores. Entretanto, o zoneamento em vigor (que, ao que me consta, não foi alterado pelo substitutivo), afetado pelos altos preços dos terrenos onde existe essa infraestrutura, e associado à não existência ou à não aplicação de qualquer instrumento para controlar estes aumentos de preços decorrentes da infraestrutura pública, tem tido como resultado uma verticalização de alta renda nessas regiões.

Como consequencia, em vez de atrair mais moradores, esse modelo vem expulsando a população de média e baixa renda e tem incentivado a moradia para setores que não usam o transporte coletivo, gerando problemas de trânsito e falta de vagas de estacionamento. A discussão em torno do adensamento da cidade, portanto, não pode ficar restrita ao tema do potencial construtivo. Temos que repensar as morfologias, os modelos de ocupação, a relação entre os espaços públicos e privados, a existência ou não de edifícios com garagens, os usos mistos nos próprios edifícios, entre tantas outras questões fundamentais na discussão da cidade que temos.

Não é certo conceder licença provisória a estabelecimentos comerciais irregulares

A câmara municipal deve votar ainda neste semestre um Projeto de Lei que concede licença de funcionamento provisório de um ano para os estabelecimentos comerciais irregulares de são Paulo. Este é um bom debate, que precisa ser feito, mas, ao que me parece, não por esse caminho que está sendo proposto.

De fato, hoje, é uma via crucis para os estabelecimentos comerciais conseguirem licença de funcionamento. Para obtê-la, primeiro o estabelecimento tem que estar regular do ponto de vista do código de obras e muita gente tem dificuldade para fazer isso, sobretudo quando faz reforma de imóveis antigos, que não são adaptados às regras atuais.

Depois, tem que estar tudo certo em relação ao zoneamento, ou seja, ao tipo de uso que é permitido ou não para a região. E o zoneamento não diz apenas se o comércio é ou não permitido, mas diz também, por exemplo, a área que o comércio pode ocupar. Além disso, o estabelecimento precisa estar de acordo com a vigilância sanitária e com as questões fiscais.

Então há uma série de controles e o grande problema é que a gestão de um não dialoga com a gestão do outro, dificultando a vida de quem quer se regularizar. Mas isso não se resolve com um Projeto de Lei que diz que está tudo bem se o imóvel não está regular, se o zoneamento não está regular, e concede uma licença provisória que depois ficará sendo renovada. Ou seja, decreta-se que não é preciso mais obedecer a lei.

Enfim, não é certo fazer desse jeito. A gestão das licenças precisa mudar. As várias licenças precisam dialogar entre si, os prazos precisam ser claros, e uma série de medidas pode ser tomada para melhorar essa questão. Mas liberar não dá.

O projeto está ainda na câmara de vereadores e, evidentemente, pode ser aprovado ou não, pode ser modificado, e depois ainda precisa passar pela sanção do prefeito. Ou seja, tem muito chão pela frente. Mas, obviamente, sendo ano eleitoral, todo mundo quer ficar bem na fita, sobretudo com os comerciantes. Enfim, já sabemos do que se trata.

Nós não temos uma discussão pública transparente sobre zoneamento

Está nas mãos do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) uma decisão que pode mudar o futuro dos bairros e loteamentos em todo o país. Em jogo está o respeito ou não às regras que foram criadas por particulares especificamente para esses lugares como, por exemplo, limitar a altura de prédios ou proibi-los, independentemente das leis definidas pelo poder público.

Essa é uma polêmica que vem de muito tempo. Antes de existir qualquer lei de zoneamento na cidade de são Paulo, muitas companhias urbanizadoras, como é o caso da companhia City, que lançou loteamentos como os da Cidade Jardim, do Embu, do Jardim Europa, da City Lapa, do Alto de Pinheiros, tinham cláusulas de contrato, na época em que foram vendidos estes lotes, que determinavam coisas do tipo “nesta área não se pode construir prédios, esta área é só residencial, aqui só se pode ocupar um pedaço do lote com construções, é preciso deixar os jardins dentro dos próprios lotes” e uma série de outros itens.

Depois disso, a partir de 1972, a cidade de São Paulo começou a adotar um zoneamento justamente com o objetivo de determinar o que pode e o que não pode ser feito, onde pode ou não construir prédios, qual a altura etc. Em geral, no caso de São Paulo, aqueles bairros foram acolhidos no zoneamento, sendo chamados na época de Z1 e hoje de ZRs, zonas exclusivamente residenciais.

Mas desde então existe um tensionamento entre o que dizem os contratos e o zoneamento. De um lado há uma pressão muito grande para que se mude o zoneamento, a fim de permitir o uso comercial dessas áreas, a construção de prédios etc. E com isso teve início uma briga muito grande na justiça, que hoje está no STJ, para saber se uma cláusula contratual entre particulares pode prevalecer sobre o zoneamento ou se é o zoneamento que tem que realmente dizer o que vale para a cidade.

A minha posição é a de que o zoneamento é que precisa dizer o que vale e o que não vale. Não dá para que cada particular resolva o que vai ser de uma área independentemente do que isso represente para o conjunto da cidade. Então o grande problema, a meu ver, é que muitos bairros residenciais que parecem estar sendo ameaçados o tempo todo pelo zoneamento, na verdade estão sendo ameaçados não porque o zoneamento se sobrepõe à cláusula contratual, mas porque nós não temos uma discussão pública transparente sobre o zoneamento, que permita que as pessoas consigam se manifestar e que a cidade consiga tomar essas decisões da melhor forma possível. No fim das contas, o zoneamento acaba sendo muito suscetível às pressões econômicas. E a questão continua no ar no STJ.