SESC 24 de maio e Instituto Moreira Salles: a tradição viva do modernismo paulista

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Sesc 24 de Maio. Foto: @vn.nigrofotografia/Instagram

A Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Universidade de São Paulo (USP) está completando 70 anos. Entre as diversas contribuições à produção de conhecimento no campo da arquitetura, urbanismo e design feitas ao longo de sua história, uma se destaca particularmente ao associar uma escola, no sentido prático de um estabelecimento de ensino, a uma “escola”, uma corrente de pensamento dentro da arquitetura. Trata-se da chamada Escola Paulista de Arquitetura Moderna, grupo de arquitetos e pensadores sobre arquitetura brasileira que constituiu, desde os anos 1950,  um movimento no interior do modernismo.

O próprio prédio da FAU, projetado por Villanova Artigas, no Campus Butantã da USP, é uma das principais expressões e inspirações dessa escola. Mas, talvez uma de suas características mais relevantes seja sua enorme capacidade de renovação e reinvenção no presente. Não se trata, portanto, de um movimento “do passado”, do extinto século XX com suas promessas de modernidade, mas um léxico – e também, eu diria, uma ética, que se reatualiza diante dos desafios do presente.

Dois projetos que acabam de ser inaugurados em São Paulo falam muito sobre o conjunto de valores que caracterizam essa escola. O SESC 24 de Maio, no Centro,  de autoria do arquiteto Paulo Mendes da Rocha, uma das maiores referências da Escola Paulista, em parceria com o escritório MMBB; e o Instituto Moreira Salles (IMS), na Avenida Paulista, de autoria do escritório Andrade Morettin. Separados por uma década,  tanto o MMBB quanto o Andrade Morettin foram formados nos anos 90 por ex-alunos da FAU.

Os dois projetos revelam explicitamente seus processos construtivos: os insumos usados nas obras aparecem o tempo todo; sem forros ou revestimentos a estética que se revela é aquela dos materiais em sua forma bruta, na beleza de suas funções construtivas. Há quem diga que esta característica tem muito a ver com a própria origem da FAU, que surgiu em contraposição a escola de arquitetura do Rio de Janeiro, constituída a partir das Belas Artes.  Em São Paulo foi a engenharia, e mais especificamente a Politécnica da USP, que originou a nova faculdade.

Para além de outros elementos construtivos e de linguagem, que certamente colegas arquitetos e críticos de arquitetura muito mais especializados no tema do que eu já apontaram, quero chamar a atenção aqui para outro elemento central da Escola Paulista:  a relação da arquitetura com o urbanismo ou do edifício com o lote e a cidade.

Nos dois edifícios as opções de projeto fazem com que a cidade continue para dentro dos prédios, recepcionada em grande estilo e convidada a percorrer os andares superiores. No SESC, o térreo é  para se constituir numa espécie de praça, que pode ser acessada a partir de mais de uma rua. Nos dois casos deste térreo-que-continua-a-cidade, o visitante é conduzido, por rampas no SESC e por escadas rolantes no IMS, até o último dos andares dos edifícios.

Em tempos de privatizações e cercamentos e de edifícios que se pretendem âncoras para operações imobiliárias, a reafirmação dos valores da Escola Paulistana nesses novos centros culturais da cidade é um respiro e um alento.

Resta para as gerações que são hoje os estudantes e arquitetos inspirados pelos valores da escola a disseminação desta posição para além de centros culturais e museus, para os usos corriqueiros da vida cotidiana.

 

“Ciclopassarela” ligando a USP ao Villa Lobos: mais um projeto solto

O governo do Estado de São Paulo anunciará nos próximos dias a construção de uma “ciclopassarela” que ligará a USP ao Parque Villa Lobos e às ciclofaixas de lazer da marginal Pinheiros. A informação saiu ontem em alguns veículos de imprensa. Me chama a atenção a quantidade de ideias e projetos anunciados nesta área – eventualmente até  realizados – sem nenhuma conexão entre si, com o bairro, a região e a cidade.

De acordo com matéria da Folha Online, para viabilizar o projeto um pedaço do muro que separa a USP da marginal Pinheiros terá que ser derrubado. Ninguém está pensando em derrubar o muro a partir de um projeto urbanístico que relacione a USP com a cidade. Hoje já temos uma ciclofaixa de lazer que vai até o portão da USP, mas não entra, até porque a universidade fica fechada nos finais de semana. O que vai acontecer com essa “ciclopassarela”? A USP será finalmente aberta?

Outra questão que já abordei aqui no blog é que São Paulo vem construindo ciclovias e ciclofaixas apenas de lazer, ignorando a enorme quantidade de pessoas que utiliza a bicicleta como transporte diariamente. Com isso a priorização das ciclofaixas é questionavel, e mais ainda seu desenho, já que o elemento fundamental da integração da bibicleta como meio de trasnporte é sua  ligação com a rede de trem , metrô  e corredores de  ônibus.

O caso da ciclopassarela da USP é emblemático: uma estação de metrô foi inaugurada sem que sua ligação com a universidade tenha até hoje sido equacionada de forma decente (hoje o percurso deve ser feito de ônibus, sujeito aos congestionamentos infindáveis no Portão 1). A ligação da USP com a estação de trem da CPTM é  outro absurdo! E, agora, uma ciclopassarela, um novo investimento no mesmo lugar, não resolve nenhuma das questões colocadas… Haja des-planejamento!

Se a USP quer ser vanguarda, não pode ser tão conservadora do ponto de vista espacial e político

Recentemente fui entrevistada pelo coletivo “USP por São Paulo”, que reúne estudantes de diversas faculdades da universidade e, atualmente, tem desenvolvido o projeto #USPOCUPA.

De acordo com o grupo, o projeto pretende aproveitar o ano eleitoral para “mapear propostas inovadoras pensadas pela comunidade uspiana não só para qualificar o debate eleitoral, mas para pedir dos candidatos um posicionamento e, assim, resgatar a capacidade da universidade em influenciar a vida pública.”

Além de mim, já foram entrevistados os professores da ECA Eugênio Bucci e Luli Radfahrer, e também o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Confira abaixo o vídeo.

 

O grupo também está elaborando um concurso para selecionar 12 propostas da USP para a cidade de São Paulo. As ideias recebidas ficarão reunidas em uma plataforma virtual, onde 12 serão escolhidas para serem apresentadas aos candidatos à Prefeitura. Poderão participar com envio de propostas estudantes, professores, funcionários, núcleos de pesquisa e de extensão, centros acadêmicos e outras entidades ligadas à USP.

Mais informações sobre o #USPOCUPA:

Página no Facebook: http://www.facebook.com/USPocupa
Site: http://uspocupa.org.br/

Resíduos sólidos urbanos e seus impactos socioambientais

No mês de março do ano passado, participei do “I Encontro Acadêmico Internacional “Resíduos Sólidos Urbanos e seus impactos socioambientais””, organizado pelo Instituto de Eletrotécnica e Energias (IEE) da USP.

O evento aconteceu meses depois da promulgação da Lei 12.305, que trata da Política Nacional de Resíduos Sólidos, e contou com a participação de especialistas, docentes, pesquisadores de diversas áreas do conhecimento, representantes de órgãos governamentais e acadêmicos de universidades estrangeiras.

Como resultado do encontro, os organizadores produziram o livro “Resíduos sólidos urbanos e seus impactos socioambientais”, que reúne as transcrições das apresentações realizadas pelos participantes, organizadas tematicamente. Minha contribuição está no capítulo 2 da primeira parte da publicação.

Para acessar o pdf do livro, clique na imagem abaixo.

A Copa do Mundo é nossa?

“A Copa do Mundo é nossa? Diretrizes para o reassentamento das famílias atingidas pelas obras da Copa de 2014 em Itaquera”: este é o tema do trabalho final de graduação de Jéssica D’Elias, aluna da FAU USP.

O trabalho será apresentado  na próxima segunda-feira, às 10h, na sala 806 da FAU. Na banca, além de mim, que orientei o trabalho, estarão também a professora Marta Dora Grostein e o urbanista Kazuo Nakano.

Para ler o trabalho da Jéssica, clique na imagem abaixo.

Passeata das lanternas ilumina debate sobre segurança na USP

Na última sexta-feira, ao som de um batuque de maracatu, com bexigas brancas e lanternas, cerca de 500 estudantes realizaram uma passeata na USP, chamando a atenção para uma das dimensões da questão da segurança no campus, que é a iluminação, e mostrando que esse assunto não se resume à presença ou não da PM, como eu já comentei aqui.

Organizada por alunos do curso de Design da FAU, a passeata percorreu, em duas horas, locais como a Rua do Lago e a Rua do Matão, a Praça do Relógio, os estacionamentos da Poli e da FEA, o IME e a Psicologia.

Leia mais sobre a manifestação no Jornal do Campus.

Foto: Pedro Ungaretti / Jornal do Campus

Truculência para todos? Mais sobre a USP

Sexta-feira passada, escrevi no meu blog sobre a polêmica da presença da Polícia Militar no campus da USP, que vem gerando discussões e manifestações desde que três alunos da FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas) foram detidos no pátio da faculdade. Entre assembleias confusas e ocupações de prédios, o ápice da crise se deu na madrugada de terça-feira (08), quando a PM fez a reintegração de posse da Reitoria, levando presos 73 estudantes que ocupavam o prédio em protesto contra o convênio da USP com a PM.

Um policial aponta a arma para uma estudante de braços levantados, a tropa de choque entra no prédio e arromba portas (mesmo depois de a polícia já estar lá dentro), sem deixar ninguém mais entrar (nem a imprensa, diga-se de passagem), nem sair, tudo com muita truculência (leia o relato de uma aluna que não estava na ocupação, mas estava presente) – estas imagens não diferem muito do que já vemos a PM fazer na cidade, no Estado e no país.

A diferença é que, desde os anos 1980 até hoje, a chamada “autonomia” da USP constituiu uma espécie de blindagem seletiva às mazelas da cidade, inclusive em relação à repressão policial. Circulação restrita, portões fechados nos fins de semana, impossibilidade de localização de uma estação de metrô dentro do campus são algumas das marcas da segregação da universidade em relação à cidade.

Agora, em nome da segurança – aliás, a mesma que justifica as restrições de circulação e a segregação – rompe-se o bloqueio e, sob aplausos dos meios de comunicação, a polícia entra em cena para acabar com a farra de estudantes baderneiros. Afinal de contas, como declarou o governador Geraldo Alckmin ontem à imprensa, “a lei é para todos”.

Vale lembrar ao governador que nossa legalidade não é feita apenas de infrações penais, mas também de direitos. Isso vale dentro e fora da USP. Ou seja, são inaceitáveis, igualmente, as desocupações violentas em favelas, os despejos forçados de milhares de pessoas sem teto e sem terra, as abordagens humilhantes a moradores de rua, as execuções sumárias, entre tantas outras situações cujos agentes são a mesma PM que está hoje na universidade.

Os eventos da última terça-feira revelam também, com todas as tintas, a falência do diálogo na USP. Esse foi um dos pontos que destaquei no meu primeiro texto sobre esse assunto: a gestão da USP precisa se democratizar. Não dá mais pra ter um processo decisório baseado apenas na hierarquia da carreira acadêmica, ignorando os distintos segmentos que compõem a universidade, e sem gerar canais de expressão destes segmentos. Ontem o governador Geraldo Alckmin disse ainda que “estes alunos precisam ter aula de democracia”. Pelo visto, o próprio governo e a Reitoria também precisam se atualizar sobre o tema e se matricular nesse curso.

No fundo, o que o Governo do Estado e a Reitoria conseguiram foi dar mais voz e força a um grupo que é minoritário entre os estudantes da USP. Entraram no jogo da radicalização, da violência e do acirramento do conflito, sem esforço de construção de uma estratégia política menos tosca, que efetivamente expressasse a vontade das maiorias, que não foram consultadas. Certamente, se o fossem, não estariam a favor da forma como foi feita a ação de ontem, nem tampouco da atitude dos alunos que ocuparam a Reitoria…

Por fim, diante de alguns comentários que li e ouvi por aí, é importante afirmar que é inaceitável a desqualificação que alguns fazem dos alunos e professores da FFLCH e do conhecimento que se produz naquela faculdade. A FFLCH é um lugar que, historicamente, produziu e continua produzindo pensamento crítico, fundamental não só para a USP e para São Paulo, mas para um país que deseja incluir na agenda de seu crescimento econômico algo mais do que possibilitar a todos comprar mais geladeiras, carros e roupas iguais às das celebridades.

Texto originalmente publicado no Yahoo!Colunistas.

Muito além da polêmica sobre a presença ou não da PM no campus da USP

Ontem participei, a convite do Grêmio da FAU, de um debate sobre a questão da segurança na USP e a crise que se instalou desde a semana passada, quando policiais abordaram estudantes da FFLCH, cujos colegas reagiram. Além de mim, estavam na mesa  o professor Alexandre Delijaicov, também da FAU, e um estudante, representando o movimento de ocupação da Reitoria.

Para além da polêmica em torno da ocupação da Reitoria, me parece que estão em jogo nessa questão três aspectos que têm sido muito pouco abordados. O primeiro refere-se à estrutura de gestão dos processos decisórios dentro da USP: quem e em que circunstâncias decide os rumos da universidade? Não apenas com relação à presença da Polícia Militar ou não, mas com relação à existência de uma estação de metrô dentro do campus ou não, ou da própria política de ensino e pesquisa da universidade e sua relação com a sociedade. A gestão da USP e de seus processos decisórios é absolutamente estruturada em torno da hierarquia da carreira acadêmica.

Há muito tempo está claro que esse modelo não tem capacidade de expressar e representar os distintos segmentos que compõem a universidade, nem de lidar com os conflitos, movimentos e experiências sociopolíticas que dela emergem. O fato é que a direção da USP não se contaminou positivamente pelas experiências de gestão democrática, compartilhada e participativa vividas em vários âmbitos e níveis da gestão pública no Brasil. Enfim, a Universidade de São Paulo não se democratizou.

Um segundo aspecto diz respeito ao tema da segurança no campus em si. É uma enorme falácia, dentro ou fora da universidade, dizer que presença de polícia é sinônimo de segurança e vice-versa. O modelo urbanístico do campus, segregado, unifuncional, com densidade de ocupação baixíssima e com mobilidade baseada no automóvel é o mais inseguro dos modelos urbanísticos, porque tem enormes espaços vazios, sem circulação de pessoas, mal iluminados e abandonados durante várias horas do dia e da noite. Esse modelo, como o de muitos outros campi do Brasil, foi desenhado na época da ditadura militar e até hoje não foi devidamente debatido e superado. É evidente, portanto, que a questão da segurança tem muito a ver com a equação urbanística.

Finalmente, há o debate sobre a presença ou não da PM no campus. Algumas perguntas precisam ser feitas: o campus faz parte ou não da cidade? queremos ou não que o campus faça parte da cidade? Em parte, a resposta dada hoje pela gestão da USP é que a universidade não faz parte da cidade: aqui há poucos serviços para a população, poucas moradias, não pode haver estação de metrô, exige-se carteirinha para entrar à noite e durante o fim de semana. Tudo isso combina com a lógica de que a polícia não deve entrar aqui. Mas a questão é maior: se a entrada da PM no campus significa uma restrição à liberdade de pensamento, de comportamento, de organização e de ação política, nós não deveríamos discutir isso pro conjunto da cidade? Então na USP não pode, mas na cidade toda pode? Que PM é essa?

Essas questões mostram que o que está em jogo é muito mais complexo do que a polêmica sobre a presença ou não da PM no campus.

Estação Butantã: por que o metrô não chega dentro do campus da USP?

Foi inaugurada hoje, em São Paulo, a estação Butantã da linha amarela do metrô, ligando a estação Paulista, que já está em funcionamento parcial desde o ano passado, até a Av. Vital Brasil.

Resolvi conhcer a nova linha. Saindo da estação, precisei caminhar quase 1km para chegar até a portaria da USP e, durante o trajeto, não conseguia parar de me perguntar por quê o metrô não chega dentro do campus.

Segundo informações que obtive de um técnico do metrô, foi a reitoria da USP que não permitiu a instalação de uma estação dentro do campus, alegando questões de segurança.

Com isso, as mais de 50 mil pessoas que frequentam o campus do Butantã, diariamente, deixam de ter uma opção que, se integrada com circulares ou mesmo sistemas de bicicletas, viabilizaria uma melhora muito considerável na acessibilidade e mobilidade do campus.

Para piorar a situação, descobri com uma aluna que resolveu tomar um ônibus da Vital Brasil até o campus, que não há integração gratuita até a USP. Além disso, atualmente há apenas duas linhas em funcionamento, sendo que uma delas passa de hora em hora.

Resultado: a aluna veio em 15 minutos da Ana Rosa até a Vital Brasil e levou mais 30 – 20 esperando pelo ônibus – de lá até a FAU USP.

Apenas uma linha circular (Metrô Butantã-Cidade Universitária) está prevista nos planos da SPtrans.

Copa de 2014 pode deixar legado positivo se recursos forem usados para melhorar o transporte coletivo

Na semana passada uma comissão da Fifa esteve no Rio para avaliar os projetos das cidades que irão receber os jogos da Copa do Mundo de 2014. São Paulo deverá ser uma das escolhidas e poderá se beneficiar do legado da Copa.

A cidade já passou por uma transformação semelhante em 1963, quando recebeu a quarta edição dos Jogos Pan-americanos. As obras, na época, foram inteiramente custeadas pela Prefeitura.

A Vila Pan-americana, para 2,8 mil pessoas, por exemplo, se transformou no Conjunto Residencial da USP, o Crusp. A raia olímpica, que agora está sendo discutida porque querem tirar o muro que a separa da marginal, foi construída para os jogos e depois se transformou em um equipamento permanente bastante utilizado.

Na época, o prefeito era o Prestes Maia, e a cidade aproveitou os investimentos que havia recebido para celebrar o 4º Centenário, em 1954. O parque do Ibirapuera, com suas estruturas esportivas, foi totalmente mobilizado para os jogos. E, uma curiosidade, a Praça Panamericana tem esse nome em homenagem à celebração desses jogos.

Na Copa do Mundo não haverá vila olímpica, mas a expectativa é que ocorram mudanças, principalmente na área de mobilidade. Porém agora o gato subiu no telhado, pois a proposta inicial de que os estádios seriam feitos inteiramente com dinheiro privado e que os recursos públicos seriam destinados para melhorar a mobilidade, principalmente o transporte coletivo, parece sujeita a alguma ameaça.