Dia Mundial do Habitat: Cidade melhor, vida melhor – para quem?

Na próxima segunda-feira, a Agência das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (UN-Habitat) celebrará mais um Dia Mundial do Habitat. O tema deste ano será “Cidade melhor, vida melhor”.

Abaixo segue uma tradução livre do press release que divulguei sobre o assunto como Relatora Especial da ONU para o Direito à Moradia Adequada. Para ler o texto original em inglês, clique aqui.

Cidade melhor, vida melhor – para quem?

Genebra – A Relatora Especial do Conselho de Direitos Humanos da ONU para o Direito à Moradia Adequada, Raquel Rolnik, ressaltou que o tema deste ano do Dia Mundial do Habitat, Cidade melhor, vida melhor, “deve ser traduzido em políticas que respeitem e promovam os direitos humanos”.

Ela observou que o Dia Mundial do Habitat, que acontecerá em 4 de Outubro, será uma oportunidade para reafirmar a moradia adequada como um direito humano. “Peço a todos os envolvidos em projetos de desenvolvimento urbano que lembrem a obrigação dos Estados de respeitar e proteger o direito à moradia adequada através de políticas de desenvolvimento sustentável”, acrescentou. “O tema do Dia Mundial do Habitat este ano é ‘Cidade melhor, vida melhor’, mas é preciso perguntar: melhor para quem?”.

“Com demasiada frequência, este refrão conduziu projetos de renovação urbana que melhoraram a vida da classe média às custas dos mais vulneráveis. A atenção prioritária deve ser direcionada para a melhoria da vida e da moradia dos mais pobres. As pessoas que vivem em situação de pobreza e os grupos vulneráveis raramente são beneficiados por projetos de renovação urbana”, destacou Raquel Rolnik. “Estas pessoas não vivem nas áreas-alvo de tais projetos, e quando vivem são removidas à força. Como alternativa, elas são ‘compensadas’ com um valor abaixo do mercado, já que não considera a valorização da área com as ‘melhorias'”.

“Além disso, quando recursos públicos limitados ficam concentrados em tais projetos, políticas de desenvolvimento urbano mais úteis para a população de baixa renda muitas vezes são sacrificadas, contribuindo para a crise de habitação”, disse Raquel. “Em todo o mundo, muitas cidades promoveram o desenvolvimento através de grandes projetos de renovação urbana”, argumentou a relatora.

“Autoridades locais tentam atrair investimentos privados, focando em áreas urbanas estrategicamente escolhidas. Mas esses planos muitas vezes não consideram nem visam explicitamente às questões de direitos humanos, como a discriminação enraizada e a desigualdade sócio-econômica. Tragicamente, o resultado é o agravamento da dor e da negação de direitos “.

Fim.

Haiti: reconstrução para quem?

Nos dias 14 e 15 de junho estive em Santo Domingo, capital da República Dominicana, participando do “Seminário Internacional Recuperação de Cidades Haitianas: Planejamento e Gestão”, promovido pela Pontifícia Universidade Católica Madre y Maestra e o Instituto Lincoln de Políticas del Suelo.

Além de urbanistas de vários países da América Latina e Caribe, participaram membros do governo do Haiti encarregados da reconstrução do país, membros da academia, de ONGs e da agência das Nações Unidas para Assentamentos Humanos (UN-Habitat), a fim de discutir alternativas de políticas fundiárias durante o processo de reconstrução do Haiti.

A situação do país antes mesmo do terremoto já era difícil: 78% da população vivia com menos de dois dólares diários e 91% dos edifícios eram ocupados extra-legalmente. Neste contexto, se não houver preocupação explícita com uma política fundiária que garanta acesso à terra para a maioria dos haitianos, os grandes investimentos na reconstrução do país poderão significar a transformação do Haiti em uma espécie de paraíso de negócios para empresas estrangeiras e multinacionais.

No primeiro dia do evento, o representante do Haiti junto à ONU, Leslie Voltaire, declarou que a ajuda internacional ao país deve chegar às milhares de vítimas do desastre e não apenas às empreiteiras. A reconstrução pós-desastre, portanto, deve ser aproveitada para resolver o problema de moradia e demais questões sociais enfrentadas pelo povo haitiano. De outra forma, serão mantidas as dificílimas condições de vida da população, com conseqüências muito graves e potencial de gerar novas ondas de violência.