Já está disponível para visualização o e-book Saberes [auto]construídos, organizado pela arquiteta e urbanista Denise Morado, por iniciativa do Praxis UFMG e C/Arte, com apoio de Fapemig, Capes, CNPq, ProEx/UFMG.
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Em breve a versão para download estará disponível no site da Editora C/Arte.
A seguir, compartilho com vocês o texto de apresentação que escrevi para o livro
Territórios de resistência e experimentação
Raquel Rolnik
Este livro é um registro – e reflexão – sobre uma experiência: os diálogos estabelecidos entre professores, pesquisadores e estudantes de arquitetura e autoconstrutores de suas casas e bairros em ocupações em Belo Horizonte ao longo de cinco anos.
Em sua leitura vai sendo revelada a tessitura desta experiência: o encontro e confronto de saberes, relações de poder e solidariedade, a comunicação e a entropia, a vontade de desistir, a vontade de resistir. Neste percurso vão aparecendo os atores desta trama: as trajetórias de vida dos moradores da ocupação se revelando no registro das transformações da casa, as novas lideranças que emergiram na ultima década, inconformadas com “o lugar que lhes cabe ” no atual programa de construção massiva de casas, os estudantes e pesquisadores revisitando os processos de autoconstrução, 30 anos depois que a sociologia urbana brasileira descobriu a periferia e a autopromoção da casa – e da cidade – pelos próprios trabalhadores.
Apesar de se referir a um universo pequeno – de poucas comunidades – e, talvez justamente por estar enraizado nelas -, trata-se de um livro sobre as tensões e perplexidades do atual momento na trajetória da luta pela moradia – e pelo direito a cidade – no Brasil. A mesma autoconstrução – das vilas, favelas e loteamentos – que foi berço destas lutas no final dos anos 1970 e que conduziu a experiências de alternativas habitacionais e de democracia direta nos anos 1980/1990, hoje volta como forma de luta e resistência ante ao atual modelo de política pública hegemônico. Um modelo marcado, contraditoriamente por uma imensa massa de recursos orçamentários destinados a subsidiar a moradia para quem mais precisa, submetido única e exclusivamente a uma logica de produção pouco aderente as práticas, ritmos e economias destes mesmos grupos. Um ordenamento jurídico prenhe de instrumentos para garantir a função social da cidade e da propriedade e um cotidiano de negação destas mesmas funções. Um espaço institucional criado para a participação direta nos processos decisórios sobre as políticas publicas, e o fortalecimento, ao largo destes espaços, de arenas decisórias controladas por atores econômico-políticos, onde não estão presentes os eternamente excluídos.
Deriva talvez exatamente destas contradições, a potência deste relato: nele estão imbricados o velho e o novo. Os velhos desafios da educação popular paulo freireana aliados às novas ferramentas comunicacionais como a web, a mais pura tradição da “assistência técnica” dos arquitetos, às mais novas articulações entre coletivos culturais e artísticos e as lutas populares. A velha forma de fazer casa e cidade dos mais pobres, na lógica da precariedade dos meios e as novas tecnologias experimentais de sistemas de esgoto, drenagem, urbanização…
O livro é um retrato. Como todo retrato, congela um momento no tempo, revelando o que se passou até chegar ali, mas deixando em aberto o futuro. Um futuro feito de incertezas, porém certamente compartilhadas.