Na fase emergencial do Plano São Paulo, que passa a valer hoje (15/03), faltam medidas concretas para proteger a população na circulação através do transporte coletivo. O escalonamento de horário dos trabalhadores e a não redução das frotas de ônibus pelas prefeituras são ações “recomendadas”, sem obrigatoriedade ou qualquer apoio por parte governo estadual à sua adoção. É sobre isso que fala o episódio 36 do “A Cidade é Nossa”, produzido por Raquel Rolnik e Amanda Mazzei, da equipe do LabCidade. Para ouvi-lo na sua plataforma de podcast favorita acesse: spotify, apple podcasts, google podcasts e overcast.
Arquivo da tag: transporte público
A Cidade é Nossa com Raquel Rolnik #34: Transporte gratuito para idosos é um direito
Idosos de menos de 65 anos não têm mais direito à gratuidade no transporte público na cidade de São Paulo. A medida conjunta de João Doria e Bruno Covas é inconstitucional e deixa a população idosa ainda mais vulnerável na crise sanitária e econômica. É sobre isso que fala o episódio 34 do “A Cidade é Nossa”, produzido por Raquel Rolnik e Amanda Mazzei, da equipe do LabCidade. Para ouvi-lo na sua plataforma de podcast favorita acesse: spotify, apple podcasts, google podcasts e overcast.
Leia a nota técnica do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) enviada ao Ministério Público e Defensoria Pública apontando falhas legais no decreto.
A Cidade é Nossa com Raquel Rolnik #22: Pauta bomba na ALESP
Está tramitando na ALESP, em regime de urgência, o PL 529, de autoria do governador de São Paulo, que será votado amanhã (18/08). O texto é perigoso, pois não apenas extingue importantes órgãos como o Instituto Florestal, a CDHU e a EMTU, sem colocar nada no lugar, como permite que se retire fundos das universidades estaduais e FAPESP. É sobre isso que fala o episódio 22 do A Cidade é Nossa, produzido por Raquel Rolnik e Amanda Mazzei, da equipe do LabCidade. Para ouvi-lo na sua plataforma de podcast favorita acesse: spotify, apple podcasts, google podcasts e overcast.
A Cidade é Nossa com Raquel Rolnik #19: Contágio é maior entre os que saíram para trabalhar, aponta estudo
Não estamos no mesmo barco: os dados mostram cada vez mais que a desigualdade é fator decisivo para determinar quem vai adoecer pelo coronavírus no Brasil. As pesquisas PNAD Covid-19 do IBGE e SoroEpi MSP reforçam as conclusões do LabCidade e Instituto Pólis de que a pandemia está acometendo de maneira muito mais intensa os trabalhadores de serviços essenciais e outros que tem que sair para trabalhar, inclusive viabilizando isolamento social de parte da sociedade.
Link das pesquisas:
LabCidade e Instituto Pólis
https://cutt.ly/5oNXcJq
PNAD Covid-19
https://cutt.ly/xoNXKoG
SoroEpi MSP
https://cutt.ly/RoNX9oJ
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Queremos andar de trem!

Um trem da Linha 12-Safira (Brás-Calmon Viana) partindo para a Estação Tatuapé.
Foto: Alberto Linsker
Mais de uma semana de paralisação dos caminhoneiros, em protesto contra os aumentos sucessivos do diesel. Vimos cidades desabastecidas e vazias, pessoas cancelando viagens nos finais de semana e no feriado. Entre uma ou outra reorganização da vida, aproveitando o ar limpo enquanto percorria a cidade ou parado em filas quilométricas para conseguir gasolina em um posto, talvez você tenha se perguntado: por que não temos muito mais trens para andar na metrópole, para transportar a carga, para nos locomover na cidade e entre cidades?
Nos 25 anos em que me desloquei toda semana entre São Paulo e Campinas, onde eu lecionava, me fazia sempre essa pergunta: por que não temos um trem de passageiros para fazer este percurso? Somos um país de matriz fundamentalmente rodoviarista, dependente do transporte sobre pneus, movido a combustíveis fósseis. Simplesmente, toda a organização territorial do Brasil se estrutura em torno desta matriz, tanto no espaço urbano como no rural. E, diante dos chamados apagões logísticos, quando, a partir de pequenos crescimentos no nível de atividade econômica, multiplicam-se os congestionamentos, a resposta tem sido, sistematicamente, duplicação de rodovias, construção de novas pistas, mais túneis e viadutos… ações que, na verdade, como também já constatamos empiricamente, não resolvem o problema.
Além de não dar conta da demanda, que só aumenta à medida que se abre mais espaço para veículos, tal política traz consequências ambientais sempre graves e raramente mitigáveis. Destruímos serras para podermos trafegar mais rápido e usufruirmos… das próprias serras. Além de ficarem engavetados em viagens intermináveis, nossos carros entopem as belas praias, montanhas e cidades históricas que visitamos. Na maior parte desses lugares, aliás, não há a menor necessidade de uso do carro. É possível resolver tudo a pé ou de bicicleta, ou usar transportes locais, minimizando o enorme impacto ambiental que essa imensa quantidade de veículos causa a pequenas vilas e cidades.
Lembro, ainda na infância, de tomar trens para o Rio, Minas. E que, até 1996, era possível fazer o trajeto São Paulo- Santos ou para o interior paulista. É inacreditável que hoje, com tantos recursos e tecnologias disponíveis, essa alternativa simplesmente não exista.
Na verdade, a enorme malha ferroviária que cobria o Brasil, com 22 mil quilômetros, era o principal meio de transporte de passageiros e cargas até os anos 1930. Em São Paulo, especificamente, essa malha era composta basicamente por ferrovias privadas, construídas por empresas que fizeram esse investimento em função dos enormes lucros da produção e comercialização do café.
Mas, com a crise de 1929, e a débâcle da cafeicultura, as empresas sofreram com a diminuição da rentabilidade das ferrovias, que vinha principalmente do transporte de cargas, e não de passageiros. Naquele momento, as empresas começaram a abandonar o negócio e a malha entrou em decadência. Em 1957, ela foi estatizada e uma empresa pública, a Rede Ferroviária Federal (RFFSA), foi criada para geri-la em todo o país. No estado de São Paulo, algumas companhias de estrada de ferro já haviam sido encampadas pelo governo estadual que, em 1971, formaram a FEPASA (Ferrovia Paulista S.A.).
Nos anos 1980, a malha ferroviária – paulista e brasileira – se encontrava em péssimas condições. E nos anos 1990, tem início sua privatização, com a concessão de “pacotes” para exploração de transporte de carga por 20 anos, renováveis por mais 20. O tema do transporte de passageiros simplesmente não entrou em discussão no processo de privatização. No caso de São Paulo, os trilhos que ligavam a capital ao interior e a Santos, de propriedade da Fepasa, foram passados para a União como forma de pagamento de dívidas e entraram nos pacotes de privatização, à exceção das linhas de trens de subúrbio, que estão hoje sob controle da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos).
Parte da malha ferroviária e de sua estrutura poderia ser utilizada mais intensamente, inclusive com transporte de passageiros. Mas isso tem esbarrado no próprio monopólio das concessionárias de carga – que, inclusive, neste momento, negociam, algumas de forma antecipada, a renovação de suas concessões. Tomemos o caso da CPTM, por exemplo: para melhorar a eficiência desta malha de transporte metropolitano é necessário eliminar de vez a passagem de carga nestes trilhos, operada pela MRS (Malha Ferroviária e Frota). A proposta de um ferroanel para equacionar esta questão está sendo anunciada pelo governo do Estado há pelo menos duas décadas. Atualmente, estão sendo realizados estudos de impacto ambiental de uma nova versão do projeto, de 53 quilômetros, entre Perus e Itaquaquecetuba.
Mas pior ainda é a situação do famoso trem intercidades, planejado pelo menos desde 2011, para ligar a capital a Campinas, Americana, Jundiaí, Santo André, São Bernardo, São Caetano, Santos, Sorocaba, São Roque, São José dos Campos, Taubaté e Pindamonhangaba. O governo estadual acaba de contratar um consórcio, liderado pela empresa ferroviária alemã Deutsche Bann, para fazer o enésimo estudo de viabilidade desse trem. Em versões anteriores, já foram feitas propostas de traçados totalmente diferentes da atual malha que liga estas cidades e que foram descartadas em função do custo. Uma nova proposta de trem intercidades foi feita pelo governo federal, desta vez como um trem de alta velocidade, que também se demonstrou inviável. Em seguida, uma manifestação de interesse privado propondo o uso da faixa de domínio das próprias ferrovias existentes, para montar um sistema de transporte de passageiros intercidades paralelo a sistema de cargas, esbarrou na não cessão desta faixa. Finalmente, a proposta em estudo hoje pretende encontrar uma forma de compartilhar os trilhos com as concessionárias. Será?
Queremos andar de trem! Com hora marcada para sair e para chegar, de forma interligada com o sistema de transportes urbanos sobre trilhos. Não é só uma questão de preferência. Neste momento, trata-se de uma urgência.
Para saber mais: Paralisação dos caminheiros escancara os limites da opção rodoviarista.
Novos ônibus, nenhuma intervenção urbanística: um velho problema
Por Raquel Rolnik, com Pedro Mendonça, graduando na FAUUSP e pesquisador do Labcidade.
Maior concorrência do setor no mundo, com contratos da ordem de R$ 66 bilhões, a licitação para o transporte coletivo na cidade de São Paulo propõe um modelo interessante: um sistema estrutural percorrendo grandes avenidas, corredores e faixas exclusivos até o centro da cidade; um sistema perimetral, uma novidade, com veículos de tamanho intermediário interligando um bairro a outro, até os grandes corredores; e um sistema local, que opera com veículos pequenos.
Entretanto, o edital de licitação lançado esta semana pela Secretaria Municipal de Mobilidade e Transporte não vai dar conta de cumprir com a promessa de maior fluidez e redução no tempo das viagens. Isso porque ele não está sendo lançado juntamente com a viabilização de novos corredores exclusivos, que são uma intervenção urbanística essencial para a circulação dos ônibus do sistema estrutural, maiores, articulados, mais rápidos.
Como chegamos aqui? O ano de 2013 é fundamental para entendermos. Foi quando venceram os contratos de concessão com as empresas de transporte. Em junho daquele ano, a cidade de São Paulo parou diante das manifestações de cidadãos que reivindicavam, dentre outras pautas, a revisão da tarifa e do sistema de transporte público. Por pressão da sociedade, a prefeitura contratou uma auditoria que encontrou, por exemplo, que as margens de lucro dos concessionários eram extremamente elevadas. Por isso um dos elementos que entraram na nova concorrência foi a diminuição dessas margens, de 15% para menos de 10%.
O edital para novas concessões deveria ter saído ainda em 2013, mas o Tribunal de Contas do Município (TCM) bloqueou a licitação, apontando várias irregularidades, entre elas o fato dos contratos terem duração de 20 anos. Para efeito de comparação, em Londres, por exemplo, a licitação do transporte público é feita por lotes – e não a cidade toda de uma vez – e a cada cinco anos, o que dá muito mais controle sobre a qualidade do serviço, além de poder ir incorporando inovações. Quando finalmente o TCM liberou a licitação, a cidade já se encontrava sob a gestão Doria, também interessada em reduzir o prazo da licitação. Mas foi essa questão, principalmente, que acabou segurando novamente a licitação, já que isto requereria uma alteração de uma lei pela Câmara Municipal. A resistência a esta alteração de prazo, provavelmente por pressão dos atuais concessionários do serviço, se reflete no texto do edital lançado nesta semana pela gestão Bruno Covas, porque voltou para 20 anos o prazo de vigência dos contratos. As críticas não se encerram aí: o edital favorece muito os atuais concessionários, pois elas possuem garagens próprias, e novos concessionários teriam que pagar pela desapropriação para poder instalar as suas.
Por outro lado, o edital lançado esta semana prevê um corte muito menor no número de linhas de ônibus, se compararmos esta com a primeira proposta apresentada ainda na gestão de Doria, em dezembro do ano passado. Em consulta pública por 75 dias, o texto recebeu 8.500 questionamentos, afirma a SMT, e dentre as queixas, 92% estavam relacionadas à extinção de linhas. Foi novamente, portanto, por pressão da sociedade, que esta mudança ocorreu.
Esse assunto foi tema da minha coluna “Cidade para Todos”, na Rádio USP. Ouça aqui.
O aumento inovador no transporte público de São Paulo
Desde o último dia 8, moradores de várias cidades do estado de São Paulo pagaram mais caro para se locomover de ônibus, trem e metrô. Na capital, o valor das tarifas básicas de nenhum dos modais mudou. Mas, mesmo assim, muita gente pagou bem mais para andar pela cidade entre domingo e esta quarta-feira (11). Isso porque o prefeito João Doria e o governador Geraldo Alckmin aumentaram o preço da integração entre os sistemas.
O congelamento da tarifa durante os quatro anos de mandato era uma promessa de campanha de Doria, que logo depois de eleito reduziu o compromisso para o primeiro ano de governo. O posicionamento do prefeito causou constrangimento a Alckmin, que teria que arcar sozinho com os custos políticos de aumentar ainda mais uma tarifa já bastante elevada em meio à crise econômica, e assim a estratégia adotada foi congelar as tarifas, mas compensar com grandes aumentos nas integrações, além de cortes nos bilhetes temporais.
Uma decisão liminar do juiz Paulo Furtado de Oliveira Filho determinou que o aumento das integrações não deveria entrar em vigor. Um oficial de justiça tentou notificar o governador no dia 6, dia da decisão do magistrado, mas ele não estava no Palácio dos Bandeirantes. Assim, o Governo do Estado alegou não ter sido notificado e a tarifa da integração não só aumentou no domingo (8) como continuou em vigor até a noite de ontem (10), quando um outro juiz indeferiu o pedido de Alckmin para revogar a decisão anterior.
Em São Paulo, é possível usar o mesmo bilhete eletrônico para pagar ônibus e trilhos (trem da CPTM ou metrô) que, antes do aumento custava R$ 5,92. Com o reajuste, o chamado bilhete integração passou para R$ 6,80, alta de 14,8%, bem acima da inflação do período, de 6,43%. Também houve aumento de RS 230 para R$ 300 no valor do bilhete mensal. Além disso, nos terminais de ônibus de Piraporinha, Diadema, São Mateus, Campo Limpo e Capão Redondo, para quem usa o transporte intermunicipal que chega ou sai desses terminais, a entrada passaria a ser paga a partir do dia 22, com valores que variavam entre R$ 1,12 e R$ 1,65. Esses aumentos, promovidos pelo governo do Estado, estão, entretanto, por ora suspensos pela Justiça.
Na cidade também existem modalidades de integração temporal, de responsabilidade da prefeitura, em que o usuário paga um valor para andar livremente durante um determinado período. A modalidade semanal, que permitia a realização de quantas viagens o usuário quisesse durante sete dias por trilhos ou ônibus por um valor total R$ 60, foi extinta, assim como o bilhete mensal temporal estudantil, permanecendo apenas a possibilidade de compra de cotas limitadas. Essas decisões ainda estão em vigor.
Na prática, para muita gente, especialmente para quem mora mais longe, e que usa vários modais, essas medidas tornariam bem mais caro se locomover em São Paulo. Já quem vive próximo de estações de metrô ou corredores, condição que normalmente significa maior renda, pode não ser afetado diretamente pelo aumento. O mapa acima mostra os percursos feitos pela maioria dos passageiros que usam os ônibus da cidade, tendo embarcado anteriormente em trens ou no metrô, de acordo com os dados mais recentes da SPTrans, de outubro de 2016. A Secretaria Estadual dos Transportes não disponibiliza dados sobre o volume de passageiros que entram nos trens e metrôs oriundos de viagens de ônibus com bilhete de integração.
Mas mesmo com essa limitação, é possível detectar uma geografia do aumento: moradores da Zona Leste, especialmente de sua periferia, seriam os mais afetados, assim como aqueles das regiões Sul e Norte.
Além disso, como vários municípios da Grande São Paulo aumentaram as tarifas dos ônibus, quem mora em cidades como Osasco ou Cotia, por exemplo, e trabalha em São Paulo, ainda terá que arcar também com os aumentos municipais das tarifas, o que, aliado ao aumento do bilhete de integração , encarece enormemente o custo das viagens.
A integração dos modais metropolitanos foi uma das medidas tomadas pelos governos municipais e estadual de São Paulo que mais incidiu positivamente no aumento da mobilidade de quem vive na cidade e nos municípios vizinhos. É exatamente essa política – junto, evidentemente, com o aumento da renda, inclusive entre os mais pobres, que ocorreu na cidade entre 2003-2013 – que provocou uma das transformações mais importantes no uso dos espaços da cidade, com a democratização de lugares como a Av. Paulista, os parques e equipamentos e o uso mais intenso dos espaços públicos da cidade.
O encarecimento agora, em conjunto com a perda de poder aquisitivo, seguramente vai impor um retrocesso nesse processo, restringindo novamente o acesso aos espaços públicos, ainda muito concentrados nos bairros mais bem infraestruturados da cidade. Embora suspensos pela Justiça, esses aumentos ainda poderão acontecer na medida em que o Governo do Estado ainda deve recorrer da decisão liminar. Além disso, a gestão Alckmin sinaliza que, impossibilitado de aumentar as integrações, deve subir o valor da tarifa básica para R$ 4,05.
Na nesta quinta-feira (12), o Movimento Passe Livre realizará um ato contra as medidas. A concentração está marcada para as 17 horas, na Praça do Ciclista, na Avenida Paulista, e a marcha deve seguir para a casa de Doria, no Jardim Europa. O prefeito será premiado com o Troféu Catraca na categoria Aumento Inovador.
Mais uma vez: quero um trem para o litoral!

Estação da Luz. Foto: @rodpeixoto/Instagram
Andei relendo minhas colunas no Yahoo! e acabei topando com uma, escrita em 2014, com o título “Queremos um trem para o litoral e interior”. Nela, além de reclamar dos enormes congestionamentos na volta de um feriado, comentei sobre um anúncio do governo do Estado de São Paulo, de 2013, lançando a ideia de construir uma linha de trem de média velocidade – chamado de Trem Intercidades – que, a 120 km por hora, ligaria a capital a Campinas, Americana, Jundiaí, Santo André, São Bernardo, São Caetano, Santos, Sorocaba, São Roque, São José dos Campos, Taubaté e Pindamonhangaba.
Sim, mais de três anos depois, aqui estamos de novo xingando o sistema de mobilidade intercidades do país e imaginando que maravilha seria se pudéssemos sair de São Paulo em direção ao interior ou ao litoral confortavelmente em um trem, livre de trânsito.
Pois é. Os mais velhos vão lembrar que isso já foi assim. Até 1996 ainda existia um trem de passageiros para Santos, assim como para outras cidades do interior de São Paulo. Na verdade, a enorme malha ferroviária que cobria o Brasil, com 22 mil quilômetros, era o principal meio de transporte de passageiros e cargas até os anos 30. Em São Paulo, especificamente, essa malha era composta basicamente por ferrovias privadas, construídas por empresas que fizeram esse investimento em função dos enormes lucros e rentabilidade da produção e comercialização do café.
Mas, com a crise de 1929, e a débâcle da cafeicultura, as empresas sofreram com a diminuição da rentabilidade das ferrovias, já que ela vinha principalmente do transporte de carga e não de passageiros. Naquele momento, as empresas começaram a abandonar o negócio e a malha entrou em decadência. Em 1957, ela foi estatizada e uma empresa pública, a Rede Ferroviária Federal, é criada para geri-la em todo o país. No estado de São Paulo, algumas companhias de estrada de ferro paulistas já haviam sido encampadas pelo governo do Estado e, em 1971, elas formaram a FEPASA.
Nos anos 80, a malha – paulista e brasileira – se encontrava em péssimas condições. E nos anos 1990 tem início sua privatização, com a concessão de “pacotes” para exploração de transporte de carga por 20 anos, renováveis por mais 20.

Notícia publicada no Estado de S. Paulo em 3 de outubro de 1957
O tema do transporte dos passageiros simplesmente não entrou na discussão e encaminhamento da privatização. No caso de São Paulo, a malha ferroviária que ligava a capital ao interior e a Santos, de propriedade da FEPASA, foi passada para a União como forma de pagamento de dívidas e entrou nos pacotes de privatização, à exceção das linhas de trens de subúrbio, que estão hoje sob controle da CPTM.
Moral da história: em muitos percursos os trilhos ainda estão instalados e seria possível retomar o transporte de passageiros, mas basicamente a forma como foi feita a privatização e o controle das concessionárias de carga – entre outros fatores – dificulta enormemente o reinvestimento em alternativas de transporte interestadual por trem.
E ficamos nós, mais uma vez, ano após ano, presos no congestionamento.
Publicado originalmente no portal Yahoo!
Transporte público: qual é a conta?

Foto: Mariana Gil / WRI Brasil Cidades Sustentáveis/Flickr
O prefeito eleito de São Paulo, João Doria Jr., prometeu durante sua campanha que iria manter o valor da tarifa de ônibus nos atuais R$ 3,80. Após eleito, ele se comprometeu com o congelamento desse valor apenas no primeiro ano de sua gestão. Mas estudos técnicos apresentados à Câmara de Vereadores, que discute nesse momento o orçamento de 2017, preveem que, além do R$ 1,75 bilhão que está previsto na proposta de orçamento enviada pelo prefeito Fernando Haddad, seriam necessários mais R$ 770 milhões para atender a promessa do novo prefeito, o que levanta a questão sobre de onde sairia esse dinheiro. E as pressões para o aumento da tarifa aumentam…
Mas a questão é: por que, mesmo com uma tarifa que, para muitos, é pesada, tantos subsídios são necessários? Infelizmente, a nova licitação do transporte público, onde esse é um tema central, está ainda suspensa pelo TCU.
O debate em torno das margens de lucro da exploração comercial do serviço de ônibus, assim como o que queremos como modelo e, portanto, o quanto de subsídio estamos dispostos a pagar para garantir a universalidade do transporte público, ainda está longe de ter sido esgotado.
Falei sobre o assunto na Rádio Usp, na semana passada. Confira o comentário completo clicando aqui.
Transporte público: lucros gigantescos de uns, tragédia diária de muitos

Manifestação contra aumento das passagens em Junho de 2013. Foto: Gianluca Ramalho Misiti.
Na semana passada, vieram à tona na imprensa as investigações sobre os chamados “Panama Papers”, um acervo de mais de 11 milhões de registros financeiros do escritório de advocacia panamenho Mossack Fonseca, que expõem proprietários de offshores no mundo inteiro e acordos financeiros secretos envolvendo políticos, empresários e celebridades.
Offshores são empresas localizadas em paraísos fiscais (onde a tributação é baixíssima ou inexistente) e que muitas vezes são utilizadas para esconder recursos não declarados no país de origem. No Brasil, a lei permite a abertura de empresas em paraísos fiscais desde que estas sejam declaradas no Imposto de Renda e a origem dos recursos seja identificada. Se tiverem sido originados no país, estes devem ser tributados. Além disso, envios de recursos para o exterior também precisam ser informados ao Banco Central.
Nos “Panama Papers” constam 1,7 mil registros com endereço no Brasil. Entre esses, me chamou a atenção o nome de Jacob Barata, conhecido como o “Rei do ônibus” no Rio de Janeiro. O empresário é dono do Grupo Guanabara, que atua nos setores de transportes, concessionárias, hotéis e imóveis. No ramo do transporte urbano, o grupo possui mais de 20 empresas, em várias regiões do país, incluindo, além do Rio de Janeiro, estados como São Paulo, Minas Gerais, Ceará, Pará, Paraíba, Piauí e Maranhão, com frota de cerca de 6 mil ônibus.O grupo também atua em Portugal.
Vale lembrar que o nome de Jacob Barata aparece também na lista do Banco HSBC da Suíça, divulgada em fevereiro no vazamento que ficou conhecido como Swissleaks. De acordo com o Blog do Fernando Rodrigues (UOL) – um dos veículos que investigam com exclusividade no Brasil tanto os Panama Papers quanto o Swissleaks –, as investigações sobre essa lista mostram que 31 sócios, diretores e parentes de donos de empresas de ônibus do Rio de Janeiro tinham contas no HSBC suíço em 2006 e 2007.
Em resposta ao Blog do colunista do UOL, a família Barata negou os dois casos: disse que não tem contas nem na Suíça nem no Panamá.
Independente de serem ou não legais – e isso precisa ser investigado –, essas informações nos levam a crer que o transporte público é uma atividade extremamente lucrativa, tanto que seus concessionários são empresários de sucesso, com milhões de dólares depositados em contas no exterior e offshores. Lembremos que foi com o lucro de suas atividades como concessionária de transporte público, por exemplo, que a família Constantino fundou a companhia de aviação Gol.
O fato é que o transporte coletivo de massas no Brasil é um setor muito cartelizado, controlado por um punhado de empresas familiares. Para garantir o monopólio, essas empresas, historicamente, têm forte controle sobre os processos políticos decisórios em âmbito municipal, começando pelo financiamento de campanhas de candidatos a vereador e prefeito, de praticamente todos os partidos. Se um prefeito tenta fazer licitações que incluam outras empresas, os tradicionais “donos” do setor mobilizam diversas estratégias para impedir as mudanças, recorrendo ao judiciário e chegando até mesmo a paralisar o serviço e, com isso, provocar a ira da população contra prefeituras.
Além disso, as contas do serviço de transporte são uma verdadeira caixa-preta. São enormes as dificuldades que as próprias gestões municipais do serviço enfrentam para “entrar na planilha” e, a partir daí, arbitrar os verdadeiros custos – e lucros – das empresas. Recentemente, aliás, a Prefeitura de São Paulo contratou uma auditoria independente para fazer isso e enfrenta até hoje questionamentos por parte das empresas.
É inaceitável, portanto, que toda vez que se discuta o abusivo valor da tarifa do transporte público recorra-se ao argumento de que os custos são altos e a margem de lucro dos concessionários é baixa. Então de onde vêm as centenas de milhões de dólares depositados em contas do exterior que os Panama Papers e o Swissleaks acabam de revelar?
O paradoxo é que a qualidade do serviço prestado ao usuário não é nem um pouco proporcional à lucratividade do setor. Além de pagar caro, quem anda de transporte público ainda tem que lidar com desconforto, insegurança, superlotação, inexistência de horário, insuficiência de trajetos, motoristas mal treinados, entre outras questões.
Chegamos a um ponto, porém, em que não dá mais para que tudo continue como está. Se indignar com milhões depositados em paraísos fiscais é um começo. Mas enfrentar o nó do cartel do ônibus é a tarefa muito mais ampla e urgente da qual não podemos prescindir. Ano a ano, quando prefeituras anunciam aumentos de passagens, mobilizações acontecem em todo o país. Junho de 2013 foi um marco, mas as questões levantadas naquele momento ainda estão por ser resolvidas.
*Texto publicado originalmente no Portal Yahoo!.
Tecnologias de transporte e modos de vida
Ao longo da história, testemunhamos inúmeros exemplos de como o modo de mover pessoas e coisas não apenas interfere no tempo de deslocamento, mas implica também em formas de viver e se relacionar nas cidades. Isso fica claro hoje, por exemplo, com a expansão do uso da bicicleta como meio de transporte, quando percebemos que não se trata apenas de um modo de se deslocar, mas também da abertura de diferentes formas de relação das pessoas com as cidades, propiciadas por uma nova forma de contato corporal entre os indivíduos, e destes com o espaço construído.
Mas nunca tinha percebido isso tão claramente quanto na semana passada, quando entrei pela primeira vez no metrô de Delhi, capital da Índia, e passei o dia utilizando este meio de transporte para me deslocar, depois de semanas percorrendo outras cidades a pé, de trem, de automóvel ou de autorriquixá, também conhecido como tuk tuk. Foi um choque: parecia que havia passado por um portal e entrado em outro planeta, silencioso, limpo, liso, longe da profusão de buzinas e sons das ruas, e de pessoas disputando espaço com motos, carros, vendedores, peregrinos, vacas, carroças e templos.
Às 6h da tarde, em uma estação onde se cruzam várias das oito linhas que compõem hoje os 213 km da rede atual do metrô de Delhi –a Central Secretariat–, a multidão se acotovela como em qualquer outra estação central, como as de Tóquio ou de São Paulo. Mas essa multidão com a qual convivi nas últimas semanas percorrendo a Índia, me lembrando sempre que estava em um país de 1,2 bilhão de habitantes, era totalmente diferente: não tinha cheiro, não tinha som, não tinha cor. Era como se aquele subterrâneo, além de um meio rápido de percorrer distâncias, fosse também uma espécie de filtro que, deixando para trás antigos modos de ser, impunha uma outra lógica, anódina, asséptica, homogênea.
Não por acaso, E. Shreedharan, então diretor da Delhi Metro Rail Corporation, empresa pública criada em 1995 por uma parceria entre o governo nacional da Índia e o governo da capital federal para implantar a rede de metrô em Delhi, declarava à imprensa, em 2002, quando da inauguração da primeira fase da rede, que “o metrô de Delhi é mais do que um modo mais eficiente e menos poluído de transporte, ele transformará totalmente nossa cultura social, nos conferindo um sentido de disciplina, limpeza, e promovendo nosso desenvolvimento”.
De fato, o metrô de Delhi foi um dos primeiros a receber créditos de carbono após o protocolo de Kyoto, em função da redução de gases de efeito estufa propiciada por sua tecnologia. Entretanto, estudos recentes têm demonstrado que um dos objetivos expressos da construção da rede –reduzir o congestionamento e a poluição da cidade, uma das mais poluídas do mundo– não foi de fato atingido, já que o consumo de carros e, sobretudo, de motocicletas (60% do transporte motorizado é em duas rodas), tem crescido sem parar, assim como as taxas de motorização, elevando os níveis de poluição e de congestionamento na cidade.
Na ausência de qualquer política de desestímulo ao uso de automóveis e motos, a implementação da rede de metrô tem provocado, na verdade, não a redução da poluição e do congestionamento, mas um processo muito intenso de reestruturação urbana, talvez o mais radical que a Índia já conheceu desde a ocupação britânica.
Neste processo, cidades-satélites como Gargaon e Noida, conectadas pelo sistema de metrô, têm testemunhado um boom de lançamentos imobiliários residenciais e corporativos, gerando verdadeiras novas cidades, muito semelhantes às “world class cities”, cidades genéricas, cuja paisagem se reproduz mundo afora, convivendo –e conflitando– com as cidades tradicionais indianas.
O espaço nesta coluna é insuficiente para comentar de forma mais aprofundada o impacto dessas transformações em Nova Delhi e, sobretudo, avaliar quem ganha e quem perde com elas. Quis apenas registrar aqui o caráter estruturador das opções de transporte e mobilidade urbana, que vão muito além do tema do transporte em si, propiciando, bloqueando ou promovendo novas geografias não apenas espaciais, mas também econômicas, sociais e culturais.
*Coluna publicada originalmente no site da Folha.
Tarifa de transporte e a tal da conta que não fecha
Na semana passada, as tarifas de ônibus subiram em cidades de todo o país, principalmente nas capitais. Em São Paulo, onde também o governo do Estado reajustou as tarifas de metrô, o valor da passagem de ônibus foi de R$ 3,50 para R$ 3,80, mesmo valor adotado no Rio de Janeiro.
Já em Belo Horizonte, o preço passou de R$ 3,40 para R$ 3,70, o segundo aumento em menos de seis meses. O anúncio dos reajustes, em pleno mês “morto” de janeiro, foi acompanhado por protestos convocados pelo MPL (Movimento Passe Livre). Assim como em Junho de 2013, as manifestações foram e continuam sendo violentamente reprimidas pela polícia, sem respeito aos princípios e direitos envolvidos no protesto.
A justificativa oficial para o aumento é o equilíbrio das contas dos municípios e Estados, a “conta” que precisa fechar. A tese por trás deste cálculo é simples: a tarifa deve cobrir o custo –e o lucro– das empresas que operam o transporte (São Paulo é uma das poucas cidades do Brasil em que subsídios do orçamento municipal entram na composição do preço da passagem). E são os usuários pagantes que arcam com este acréscimo, já que as gratuidades para estudantes e idosos, entre outras, incidem sobre a mesma conta. Se à primeira vista o raciocínio parece muito fácil de entender, alguns pontos importantes são encobertos por este tipo de argumento.
O primeiro deles é o impacto do aumento da tarifa na renda dos usuários de transporte público. Se pegarmos o caso da cidade de São Paulo, pagar R$ 3,80 por trajeto vai significar, em um mês, um gasto de 19% sobre o salário mínimo, já reajustado para R$ 880,00. E isso se considerarmos apenas uma passagem de ida e outra de volta por dia, o que não é a realidade da maioria dos passageiros.
A porcentagem aumenta ainda mais se considerarmos que o transporte público não é utilizado apenas em dias úteis e para locomoção para o trabalho ou escola, mas também para acessar equipamentos de consumo, lazer e outros. Moral da história: esta é certamente uma “conta que não fecha” para os usuários de baixa renda.
O segundo ponto importante é a questão da inflação. É muito comum ouvirmos que a tarifa sobe de acordo com a inflação, o que levaria a concluir que o reajuste será sempre necessário a cada aumento do nível geral de preços. Entretanto, um estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) mostra que, para o período de 2000 a 2012, o aumento das tarifas de ônibus foi acima da inflação, enquanto que o crescimento de itens associados ao transporte privado foi abaixo do patamar inflacionário.
Pesquisas feitas pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) em 2012 mostram que, se comparadas com outras grandes cidades do mundo, São Paulo e Rio estão no topo do ranking de peso dos gastos com transporte em relação ao salário mínimo. Medido dessa forma, são as cidades com o transporte público mais caro do mundo.
A comparação com cidades de outros países ainda nos leva ao terceiro ponto. Em nenhuma grande cidade do mundo o custo do transporte público é coberto apenas pela tarifa. Os subsídios –ou seja, a participação de recursos dos orçamentos públicos e de outras fontes de receitas–, chegam, segundo dados das European Metropolitan Transport Authorities para 2012, a 70% em cidades como Praga, 64% em Turim e superam os 50% em Varsóvia, Budapeste, Helsinque e Copenhague.
Em média, estes mesmos dados indicam que mais da metade do custo unitário do transporte público é custeado pelo governo. Essa comparação mostra que o preço da tarifa é uma questão de política pública, e é uma decisão sobre quem deve pagar pela locomoção nas cidades e para onde o dinheiro público deve ir.
Em São Paulo, no final de 2015, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) anunciou um pacote de concessões, especialmente para rodovias e aeroportos, no valor de R$ 13,4 bilhões, em regime de parceria público-privada e em que serão gastos R$ 690 milhões de repasses federais apenas para pagar desapropriações.
Já o prefeito Fernando Haddad (PT) acaba de anunciar a construção de duas novas avenidas para desafogar as marginais. O valor do projeto é estimado em R$ 2 bilhões, também no formato de parceria público-privada, o que certamente não impedirá que uma grande quantia do erário público seja gasta.
Foram escolhas sobre onde e como gastar –e não uma conta genérica– que orientaram a decisão dos prefeitos e do governador. Onerar os usuários de ônibus e metrô é uma escolha política. É, portanto, absolutamente necessário que se abra um diálogo sobre estas opções.
*Coluna publicada originalmente no site da Folha.
Plano Diretor de São Paulo: adensamento para quê? para quem?
Uma das propostas mais importantes apresentadas na minuta do novo plano diretor de São Paulo – e que já provoca polêmicas – é a ideia de aumentar o potencial construtivo em torno de uma faixa de 200m ao longo dos corredores de transporte coletivo de massa, limitando ali as vagas de garagem e o tamanho máximo dos apartamentos, a fim de atrair uma população moradora mais numerosa e promovendo uma diversidade de usos dos imóveis. Essa é também uma das propostas centrais para a chamada macroárea de estruturação metropolitana, que inclui os antigos eixos ferroviários da cidade, as várzeas dos rios Tietê e Pinheiros, além do Tamanduateí, e as avenidas Cupecê e Jacu-Pêssego, que também deverão atrair moradores e gerar novos empregos. (Vejam os mapas abaixo). A estratégia de diminuir a necessidade de deslocamento na cidade é, a meu ver, muito acertada e positiva. Se isso der certo, irá diminuir a pressão da expansão horizontal da cidade sobre áreas frágeis, como é o caso das áreas de proteção de mananciais, ou da Serra da Cantareira, na Zona Norte, que vêm crescendo sem nenhuma qualidade e urbanidade.
Durante muito tempo, quando se falava em adensamento nas políticas de uso e ocupação do solo implementadas nos municípios brasileiros, isso imediatamente se traduzia em aumento de potencial construtivo. O exemplo clássico é o de Curitiba, que de fato promoveu um adensamento maior ao longo dos seus corredores de transporte público. Na prática, porém, o aumento de potencial construtivo em Curitiba gerou uma maior valorização do solo, mais metros quadrados de área construída, e apartamentos gigantes, cheios de vagas de automóveis, que atraíram pessoas que, no geral, não usam o transporte coletivo. Enquanto isso, a periferia da cidade continuou explodindo, e a população de baixa renda continuou enfrentando longos deslocamentos no transporte público.
A minuta do novo Plano Diretor de São Paulo acerta ao propor o aumento de potencial construtivo ao longo dos eixos de transporte público, visando atrair a população para áreas mais centrais da cidade, com mais ofertas de emprego e facilidade de deslocamento. Outro ponto positivo da proposta é a limitação da cota de terreno máxima por unidade, o que impede a produção de apartamentos gigantes, ou induz a produção de apartamentos menores, que, em tese, atendem às faixas de renda da população que mais usam o transporte coletivo. Ali também, a construção de até uma vaga de garagem não será computável na área construída que a lei permite construir (imaginem que hoje TODAS as vagas de garagem não são computáveis na área construída, além das varandas e outros…). Nestes casos, até uma vaga de garagem não será computável na área do empreendimento, mas será permitido construir mais vagas mediante pagamento da área adicional.
Como eu já ressaltei, a ideia de limitar o tamanho dos empreendimentos e o número de vagas ao longo dos eixos de transporte público é muito positiva. Mas apenas isso não é suficiente para garantir que a população de baixa renda possa morar nestas regiões. Faltam mecanismos que de fato induzam a isso, que atraiam esta população e permitam sua fixação nestas áreas. A limitação de vagas de garagem nestes eixos, por exemplo, poderia ser mais radical, simplesmente impedindo a possibilidade de mais de uma vaga. Por sua vez, a regra que está sendo proposta para estas áreas poderia ser aplicada para todo o resto da cidade.
O fato é que a maior parte da população que hoje se desloca de regiões muito distantes em direção aos locais onde estão as ofertas de emprego e serviços é uma população de baixa renda. Se não houver, associados aos mecanismos que já estão no plano, outros instrumentos de política fundiária para garantir que teremos de fato uma oferta de habitação de interesse social e popular nesses eixos, corremos o risco de continuar produzindo uma pressão enorme de expansão para lugares muito distantes – através de programas como o Minha Casa, Minha Vida, por exemplo – ou mesmo um crescimento no número de assentamentos informais, inclusive nas áreas de mananciais, que foi onde tivemos o maior aumento demográfico nos últimos anos no nosso município.
Propostas como a da cota de solidariedade e o estabelecimento de zonas especiais de interesse social nestes locais podem exigir que os empreendimentos residenciais contem, necessariamente, com uma oferta para atender a demanda de interesse social. A cota de solidariedade – ou inclusionary zoning – é um instrumento que vem sendo largamente utilizado em países como a França, a Holanda e Canadá, onde a demanda, aliás, é bem menor que a nossa. Esta proposta aparece na minuta, mas de forma muito tímida, apenas esboçada. Se quisermos que o novo plano diretor promova de fato uma mudança na cidade vamos ter que dar esse passo aqui também.
Texto originalmente publicado no Yahoo! Blogs.
“Ciclopassarela” ligando a USP ao Villa Lobos: mais um projeto solto
O governo do Estado de São Paulo anunciará nos próximos dias a construção de uma “ciclopassarela” que ligará a USP ao Parque Villa Lobos e às ciclofaixas de lazer da marginal Pinheiros. A informação saiu ontem em alguns veículos de imprensa. Me chama a atenção a quantidade de ideias e projetos anunciados nesta área – eventualmente até realizados – sem nenhuma conexão entre si, com o bairro, a região e a cidade.
De acordo com matéria da Folha Online, para viabilizar o projeto um pedaço do muro que separa a USP da marginal Pinheiros terá que ser derrubado. Ninguém está pensando em derrubar o muro a partir de um projeto urbanístico que relacione a USP com a cidade. Hoje já temos uma ciclofaixa de lazer que vai até o portão da USP, mas não entra, até porque a universidade fica fechada nos finais de semana. O que vai acontecer com essa “ciclopassarela”? A USP será finalmente aberta?
Outra questão que já abordei aqui no blog é que São Paulo vem construindo ciclovias e ciclofaixas apenas de lazer, ignorando a enorme quantidade de pessoas que utiliza a bicicleta como transporte diariamente. Com isso a priorização das ciclofaixas é questionavel, e mais ainda seu desenho, já que o elemento fundamental da integração da bibicleta como meio de trasnporte é sua ligação com a rede de trem , metrô e corredores de ônibus.
O caso da ciclopassarela da USP é emblemático: uma estação de metrô foi inaugurada sem que sua ligação com a universidade tenha até hoje sido equacionada de forma decente (hoje o percurso deve ser feito de ônibus, sujeito aos congestionamentos infindáveis no Portão 1). A ligação da USP com a estação de trem da CPTM é outro absurdo! E, agora, uma ciclopassarela, um novo investimento no mesmo lugar, não resolve nenhuma das questões colocadas… Haja des-planejamento!
Dia Mundial Sem Carro, com muito congestionamento
No Dia Mundial Sem Carro, celebrado no último sábado, 22 de setembro, a cidade de São Paulo registrou trânsito acima da média. O fato é que enquanto o transporte coletivo de massas realmente não for uma prioridade concreta, e enquanto houver políticas de promoção do uso do automóvel (via redução de IPI, por exemplo), que impulsionam a compra de carros sem parar, dificilmente abandonar o carro será uma opção individual para os moradores de São Paulo.
Confira abaixo algumas imagens do dia publicadas pela imprensa.