A Cidade é Nossa com Raquel Rolnik #8: Os alívios da quarentena

Vias sem carros, ônibus e caminhões são parte da quarentena. Consequentemente, a emissão de gases e partículas poluentes diminui. Além disso, são menos vítimas de acidentes de trânsito nas UTIs. Na pós-pandemia vamos voltar às políticas de morte ou fazer cidades para a vida?

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Queremos andar de trem!

Um trem da Linha 12-Safira (Brás-Calmon Viana) partindo para a Estação Tatuapé.
Foto: Alberto Linsker

Mais de uma semana de paralisação dos caminhoneiros, em protesto contra os aumentos sucessivos do diesel. Vimos cidades desabastecidas e vazias, pessoas cancelando viagens nos finais de semana e no feriado. Entre uma ou outra reorganização da vida, aproveitando o ar limpo enquanto percorria a cidade ou parado em filas quilométricas para conseguir gasolina em um posto, talvez você tenha se perguntado: por que não temos muito mais trens para andar na metrópole, para transportar a carga, para nos locomover na cidade e entre cidades?

Nos 25 anos em que me desloquei toda semana entre São Paulo e Campinas, onde eu lecionava, me fazia sempre essa pergunta: por que não temos um trem de passageiros para fazer este percurso? Somos um país de matriz fundamentalmente rodoviarista, dependente do transporte sobre pneus, movido a combustíveis fósseis. Simplesmente, toda a organização territorial do Brasil se estrutura em torno desta matriz, tanto no espaço urbano como no rural. E, diante dos chamados apagões logísticos, quando, a partir de pequenos crescimentos no nível de atividade econômica, multiplicam-se os congestionamentos, a resposta tem sido, sistematicamente, duplicação de rodovias, construção de novas pistas, mais túneis e viadutos… ações que, na verdade, como também já constatamos empiricamente, não resolvem o problema.

Além de não dar conta da demanda, que só aumenta à medida que se abre mais espaço para veículos, tal política traz consequências ambientais sempre graves e raramente mitigáveis. Destruímos serras para podermos trafegar mais rápido e usufruirmos… das próprias serras. Além de ficarem engavetados em viagens intermináveis, nossos carros entopem as belas praias, montanhas e cidades históricas que visitamos. Na maior parte desses lugares, aliás, não há a menor necessidade de uso do carro. É possível resolver tudo a pé ou de bicicleta, ou usar transportes locais, minimizando o enorme impacto ambiental que essa imensa quantidade de veículos causa a pequenas vilas e cidades.

Lembro, ainda na infância, de tomar trens para o Rio, Minas. E que, até 1996, era possível fazer o trajeto São Paulo- Santos ou para o interior paulista. É inacreditável que hoje, com tantos recursos e tecnologias disponíveis, essa alternativa simplesmente não exista.

Na verdade, a enorme malha ferroviária que cobria o Brasil, com 22 mil quilômetros, era o principal meio de transporte de passageiros e cargas até os anos 1930. Em São Paulo, especificamente, essa malha era composta basicamente por ferrovias privadas, construídas por empresas que fizeram esse investimento em função dos enormes lucros da produção e comercialização do café.

Mas, com a crise de 1929, e a débâcle da cafeicultura, as empresas sofreram com a diminuição da rentabilidade das ferrovias, que vinha principalmente do transporte de cargas, e não de passageiros. Naquele momento, as empresas começaram a abandonar o negócio e a malha entrou em decadência. Em 1957, ela foi estatizada e uma empresa pública, a Rede Ferroviária Federal (RFFSA), foi criada para geri-la em todo o país. No estado de São Paulo, algumas companhias de estrada de ferro já haviam sido encampadas pelo governo estadual que, em 1971, formaram a FEPASA (Ferrovia Paulista S.A.).

Nos anos 1980, a malha ferroviária – paulista e brasileira – se encontrava em péssimas condições. E nos anos 1990, tem início sua privatização, com a concessão de “pacotes” para exploração de transporte de carga por 20 anos, renováveis por mais 20. O tema do transporte de passageiros simplesmente não entrou em discussão no processo de privatização. No caso de São Paulo, os trilhos que ligavam a capital ao interior e a Santos, de propriedade da Fepasa, foram passados para a União como forma de pagamento de dívidas e entraram nos pacotes de privatização, à exceção das linhas de trens de subúrbio, que estão hoje sob controle da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos).

Parte da malha ferroviária e de sua estrutura poderia ser utilizada mais intensamente, inclusive com transporte de passageiros. Mas isso tem esbarrado no próprio monopólio das concessionárias de carga – que, inclusive, neste momento, negociam, algumas de forma antecipada, a renovação de suas concessões. Tomemos o caso da CPTM, por exemplo: para melhorar a eficiência desta malha de transporte metropolitano é necessário eliminar de vez a passagem de carga nestes trilhos, operada pela MRS (Malha Ferroviária e Frota). A proposta de um ferroanel para equacionar esta questão está sendo anunciada pelo governo do Estado há pelo menos duas décadas. Atualmente, estão sendo realizados estudos de impacto ambiental de uma nova versão do projeto, de 53 quilômetros, entre Perus e Itaquaquecetuba.

Mas pior ainda é a situação do famoso trem intercidades, planejado pelo menos desde 2011, para ligar a capital a Campinas, Americana, Jundiaí, Santo André, São Bernardo, São Caetano, Santos, Sorocaba, São Roque, São José dos Campos, Taubaté e Pindamonhangaba. O governo estadual acaba de contratar um consórcio, liderado pela empresa ferroviária alemã Deutsche Bann, para fazer o enésimo estudo de viabilidade desse trem. Em versões anteriores, já foram feitas propostas de traçados totalmente diferentes da atual malha que liga estas cidades e que foram descartadas em função do custo. Uma nova proposta de trem intercidades foi feita pelo governo federal, desta vez como um trem de alta velocidade, que também se demonstrou inviável. Em seguida, uma manifestação de interesse privado propondo o uso da faixa de domínio das próprias ferrovias existentes, para montar um sistema de transporte de passageiros intercidades paralelo a sistema de cargas, esbarrou na não cessão desta faixa. Finalmente, a proposta em estudo hoje pretende encontrar uma forma de compartilhar os trilhos com as concessionárias. Será?

Queremos andar de trem! Com hora marcada para sair e para chegar, de forma interligada com o sistema de transportes urbanos sobre trilhos. Não é só uma questão de preferência. Neste momento, trata-se de uma urgência.

Para saber mais: Paralisação dos caminheiros escancara os limites da opção rodoviarista.

Novos ônibus, nenhuma intervenção urbanística: um velho problema

Por Raquel Rolnik, com Pedro Mendonça, graduando na FAUUSP e pesquisador do Labcidade.

Maior concorrência do setor no mundo, com contratos da ordem de R$ 66 bilhões, a licitação para o transporte coletivo na cidade de São Paulo propõe um modelo interessante: um sistema estrutural percorrendo grandes avenidas, corredores e faixas exclusivos até o centro da cidade; um sistema perimetral, uma novidade, com veículos de tamanho intermediário interligando um bairro a outro, até os grandes corredores; e um sistema local, que opera com veículos pequenos.

Entretanto, o edital de licitação lançado esta semana pela Secretaria Municipal de Mobilidade e Transporte não vai dar conta de cumprir com a promessa de maior fluidez e redução no tempo das viagens. Isso porque ele não está sendo lançado juntamente com a viabilização de novos corredores exclusivos, que são uma intervenção urbanística essencial para a circulação dos ônibus do sistema estrutural, maiores, articulados, mais rápidos.

Como chegamos aqui? O ano de 2013 é fundamental para entendermos. Foi quando venceram os contratos de concessão com as empresas de transporte. Em junho daquele ano, a cidade de São Paulo parou diante das manifestações de cidadãos que reivindicavam, dentre outras pautas, a revisão da tarifa e do sistema de transporte público. Por pressão da sociedade, a prefeitura contratou uma auditoria que encontrou, por exemplo, que as margens de lucro dos concessionários eram extremamente elevadas. Por isso um dos elementos que entraram na nova concorrência foi a diminuição dessas margens, de 15% para menos de 10%.

O edital para novas concessões deveria ter saído ainda em 2013, mas o Tribunal de Contas do Município (TCM) bloqueou a licitação, apontando várias irregularidades, entre elas o fato dos contratos terem duração de 20 anos. Para efeito de comparação, em Londres, por exemplo, a licitação do transporte público é feita por lotes – e não a cidade toda de uma vez –  e a cada cinco anos, o que dá muito mais controle sobre a qualidade do serviço, além de poder ir incorporando inovações. Quando finalmente o TCM liberou a licitação, a cidade já se encontrava sob a gestão Doria, também interessada em reduzir o prazo da licitação. Mas foi essa questão, principalmente, que acabou segurando novamente a licitação, já que isto requereria uma alteração de uma lei pela Câmara Municipal. A resistência a esta alteração de prazo, provavelmente por pressão dos atuais concessionários do serviço, se reflete no texto do edital lançado nesta semana pela gestão Bruno Covas, porque voltou para 20 anos o prazo de vigência dos contratos. As críticas não se encerram aí: o edital favorece muito os atuais concessionários, pois elas possuem garagens próprias, e novos concessionários teriam que pagar pela desapropriação para poder instalar as suas.

Por outro lado, o edital lançado esta semana prevê um corte muito menor no número de linhas de ônibus, se compararmos esta com a primeira proposta apresentada ainda na gestão de Doria, em dezembro do ano passado. Em consulta pública por 75 dias, o texto recebeu 8.500 questionamentos, afirma a SMT, e dentre as queixas, 92% estavam relacionadas à extinção de linhas. Foi novamente, portanto, por pressão da sociedade, que esta mudança ocorreu.

Esse assunto foi tema da minha coluna “Cidade para Todos”, na Rádio USP. Ouça aqui.

Desacelera, São Paulo!

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Foto: @driver_leobottari/ Instagram

 

A Prefeitura de São Paulo anunciou no dia 2 de maio que irá aumentar em 20% o tempo para travessia de pedestres nos semáforos da cidade. A medida é realmente muito positiva e garante maior proteção aos pedestres, especialmente aos idosos ou àqueles que têm alguma dificuldade de locomoção. O tempo atual, calculado para uma média de 1 metro de percurso a cada 12 segundos, é muito curto e expõe as pessoas a atropelamentos.

O anúncio desta medida, entretanto, é uma espécie de contrarreação aos impactos das ações promovidas pelo próprio prefeito João Doria, que determinou o aumento do limite de velocidade das marginais, cumprindo uma de suas promessas de campanha para chegar ao cargo. Aliás, é preciso lembrar que o slogan de sua candidatura foi “Acelera SP”, evidenciando que um dos elementos centrais da cultura de cidade que ele quer promover é justamente a velocidade, a circulação mais rápida.

Mas as estatísticas de acidentes e mortes no trânsito demonstram as consequências dessa política : pé no acelerador fere e mata. No segundo mês de vigência da medida, implantada em 25 de janeiro, aconteceram 117 acidentes com vítimas e duas mortes nas marginais, enquanto no primeiro mês foram 106 casos, segundo a própria prefeitura, que afirma não poder comparar esses dados com os do ano anterior, ainda sob a gestão de Fernando Haddad, por terem sido usadas metodologias diferentes. Além disso, os atendimentos do SAMU até o dia 10 de março chegaram a 186, quantidade três vezes maior em relação ao mesmo período no ano passado.

E não são apenas essas estatísticas lamentáveis que comprovam a correlação entre altas velocidades e acidentes fatais. Estudos realizados em 2004 pela Organização Mundial de Saúde (OMS) já apontavam, com base em dados do trânsito de cidades do mundo inteiro, que 1% de aceleração a mais significa risco 3% maior de colisão e 5% maior de morte.

Ainda que atropelamentos provoquem lesões, seja qual for a velocidade do veículo, quanto maior a velocidade, mais graves estas se tornam. Em uma colisão com o carro andando a 32 km/h, o risco de ferimento é de 30% e o de morte é de 5%, mas quando a velocidade é superior a 64 km/h, o risco de morte se eleva para mais de 85%. Portanto, proteger os pedestres é absolutamente incompatível com o aumento do limite de velocidade das vias.

O prefeito precisa admitir isso e voltar atrás, assim como deveria abandonar o slogan “Acelera SP”, que, na verdade, estimula a cultura da velocidade. Em defesa da vida – e de sua qualidade – interessa, sim, que a cidade desacelere!

O assunto foi tema da coluna de 4 de maio na Rádio USP. Ouça aqui.

Mais uma vez: quero um trem para o litoral!

Estação da Luz. Foto: @rodpeixoto/Instagram

Estação da Luz. Foto: @rodpeixoto/Instagram

Andei relendo minhas colunas no Yahoo! e acabei topando com uma, escrita em 2014, com o título “Queremos um trem para o litoral e interior”. Nela, além de reclamar dos enormes congestionamentos na volta de um feriado, comentei sobre um anúncio do governo do Estado de São Paulo, de 2013, lançando a ideia de construir uma linha de trem de média velocidade – chamado de Trem Intercidades – que, a 120 km por hora,  ligaria a capital a Campinas, Americana, Jundiaí, Santo André, São Bernardo, São Caetano, Santos, Sorocaba, São Roque, São José dos Campos, Taubaté e Pindamonhangaba.

Sim, mais de três anos depois, aqui estamos de novo xingando o sistema de mobilidade intercidades do país e imaginando que maravilha seria se pudéssemos sair de São Paulo em direção ao interior ou ao litoral confortavelmente em um trem, livre de trânsito.

Pois é. Os mais velhos vão lembrar que isso já foi assim. Até 1996 ainda existia um trem de passageiros para Santos, assim como para outras cidades do interior de São Paulo. Na verdade, a enorme malha ferroviária que cobria o Brasil, com 22 mil quilômetros, era o principal meio de transporte de passageiros e cargas até os anos 30. Em São Paulo, especificamente, essa malha era composta basicamente por ferrovias privadas, construídas por empresas que fizeram esse investimento em função dos enormes lucros e rentabilidade da produção e comercialização do café.

Mas, com a crise de 1929, e a débâcle da cafeicultura,  as empresas sofreram com a diminuição da rentabilidade das ferrovias, já que ela vinha principalmente do transporte de carga e não de passageiros. Naquele momento,  as empresas começaram a abandonar o negócio e a malha entrou em decadência. Em 1957, ela foi estatizada e uma empresa pública, a Rede Ferroviária Federal, é criada para geri-la em todo o país. No estado de São Paulo, algumas companhias de estrada de ferro paulistas já haviam sido encampadas pelo governo do Estado e, em 1971, elas formaram a FEPASA.

Nos anos 80, a malha – paulista e brasileira – se encontrava em péssimas condições. E nos anos 1990 tem início sua privatização, com a concessão de “pacotes” para exploração de transporte de carga por 20 anos, renováveis por mais 20.

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Notícia publicada no Estado de S. Paulo em 3 de outubro de 1957

O tema do transporte dos passageiros simplesmente não entrou na discussão e encaminhamento da privatização. No caso de São Paulo, a malha ferroviária que ligava a capital ao interior e a Santos, de propriedade da FEPASA, foi passada para a União como forma de pagamento de dívidas e entrou nos pacotes de privatização, à exceção das linhas de trens de subúrbio, que estão hoje sob controle da CPTM.

Moral da história: em muitos percursos os trilhos ainda estão instalados e seria possível retomar o transporte de passageiros, mas basicamente a forma como foi feita a privatização e o controle das concessionárias de carga – entre outros fatores – dificulta enormemente o reinvestimento em alternativas de transporte interestadual por trem.

E ficamos nós, mais uma vez, ano após ano, presos no congestionamento.

Publicado originalmente no portal Yahoo!

Número de mortes de motoqueiros em São Paulo se compara a situações de guerra

Sábado passado passei a manhã no pronto socorro da Santa Casa, em São Paulo, e algo me chamou a atenção. No curto período que estive lá, três jovens deram entrada no hospital por conta de acidente de moto. Fiquei pensando que, durante a semana, a situação deve ser ainda pior. Recentemente, no entanto, tivemos uma boa notícia sobre esse assunto. Pela primeira vez desde 2008, o número de mortes de motociclistas no trânsito de São Paulo diminuiu, passando de 395 mortes entre janeiro e setembro de 2011 para 331 no mesmo período deste ano, uma queda de 16,2%. Apesar disso, ainda morre um motoqueiro por dia no trânsito de São Paulo!

Segundo a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) a diminuição no número de mortes foi resultado da política de redução da velocidade máxima permitida nas vias da cidade. Grandes avenidas como a 23 de Maio e até mesmo as marginais dos rios Pinheiros e Tietê passaram a ter velocidade máxima de 60 km/h. Outro motivo seria o aumento da fiscalização, que procura coibir a imprudência dos motociclistas. Uma das medidas adotadas para isso foi a adoção de radares exclusivos para flagrar motos em alta velocidade. Na tentativa de investir na capacitação e conscientização dos pilotos de motos, a prefeitura de São Paulo inaugurou esta semana a “escolinha de motociclistas”, oficialmente chamada Centro Educacional Paulistano (Cepam), na Vila Carrão. A ideia é que a escola atenda 20 mil pessoas por ano, em cursos de pilotagem segura, de motofrete, entre outros.

A notícia da redução do número de mortes é boa – mas a questão da inserção das motos no trânsito das cidades está longe de ser resolvida com estas medidas. A frota de motos vem crescendo no país inteiro, tendo quadruplicado nos últimos dez anos, passando de 4 para 16 milhões. Hoje, em quase metade das cidades brasileiras, as motocicletas representam a maior parte dos veículos. Com a facilidade de crédito, em várias cidades, como São Paulo, é mais barato comprar e manter uma moto do que pagar a tarifa do transporte público. Segundo dados da CET, de 2005 até setembro de 2012, a frota de motocicletas da cidade passou de 494.928 unidades para 957.034, um aumento de 48,28%. E a frota de carros também cresce em ritmo exponencial.

A competição entre motos, carros, ciclistas e pedestres nas vias da cidade se dá num verdadeiro cenário de guerra onde, certamente, pedestres, motoqueiros e ciclistas são as maiores vítimas – porque estão mais expostos e vulneráveis. Mas, como em qualquer guerra, essa situação atinge a todos.

Texto originalmente publicado no Yahoo!Blogs.

Dia Mundial Sem Carro, com muito congestionamento

No Dia Mundial Sem Carro, celebrado no último sábado, 22 de setembro, a cidade de São Paulo registrou trânsito acima da média. O fato é que enquanto o transporte coletivo de massas realmente não for uma prioridade concreta, e enquanto houver políticas de promoção do uso do automóvel (via redução de IPI, por exemplo), que impulsionam a compra de carros sem parar, dificilmente abandonar o carro será uma opção individual para os moradores de São Paulo.

Confira abaixo algumas imagens do dia publicadas pela imprensa.

Nelson Antoine/Fotoarena/AE

Levy Ribeiro/BrazilPhotoPress/AE

Paulo Liebert/Agência Estado/AE

Paulo Liebert/AE

Mais infraestrutura para o uso da bicicleta como meio de transporte, menos acidentes

Há uns dois anos, o Google já oferece no seu Google Maps um serviço de busca de rotas para ciclistas nos Estados Unidos e no Canadá. Na semana passada, a empresa ampliou o serviço para cidades europeias e australianas, e agora também é possível acessá-lo pelo celular. A ferramenta funciona de forma semelhante aos serviços já disponíveis no Brasil de busca de rotas de transporte público, de carro e de pedestre. Mas o mais bacana das rotas de bike é que são identificados não apenas ciclovias e ciclofaixas, mas também os caminhos mais curtos, mais suaves e tranquilos para os ciclistas.

É uma pena que este serviço ainda não seja oferecido no Brasil. Mas, muito pior que isso, é constatar que nossas cidades não têm políticas nem investem em infraestrutura para a ampliação do uso da bicicleta como meio de transporte. Em São Paulo, recentemente, o Diário Oficial do Governo do Estado publicou reportagem intitulada “Mais ciclistas, mais acidentes”, em que um ortopedista do Hospital das Clínicas afirma que há um aumento no número de acidentes envolvendo ciclistas e, por isso, defende que as pessoas não usem a bicicleta como meio de transporte.

Embora o Governo do Estado tenha divulgado nota afirmando que a opinião do ortopedista não reflete a opinião da administração, é visível que a política tanto do Estado quanto da Prefeitura é tratar a bicicleta apenas como forma de lazer. As poucas ciclofaixas e ciclovias da cidade funcionam apenas aos domingos e feriados e suas rotas foram pensadas para interligar os parques da cidade. É tão óbvio que a administração estadual trata o uso da bicicleta como forma de lazer que o folheto do metrô que orienta os usuários afirma “Confira o horário e divirta-se”.

Aliás, as restrições de horário ao uso de bicicleta no metrô e na CPTM são tão grandes que é impossível a um trabalhador hoje utilizar a bicicleta e o metrô ou trem de forma complementar. No metrô de São Paulo, o uso de bicicletas é permitido apenas após as 20h30 durante a semana, após as 14h aos sábados, e aos domingos. Nos trens da CPTM as bicicletas só entram aos sábados após as 14h e aos domingos.

Está mais do que na hora de as Prefeituras e Governos Estaduais de todo o país assumirem que uma parte importante da população usa bicicleta como meio de transporte e, na mais absoluta ausência de políticas de apoio a esta forma de circulação, estes usuários, assim como os pedestres (vale ressaltar), estão expostos a uma verdadeira carnificina no trânsito. Rodovias dentro de cidades, ruas e avenidas sem ciclovias ou ciclofaixas protegidas (e até mesmo sem calçada) expõem constantemente estas pessoas a acidentes e mortes no trânsito. E a culpa é delas?

Imobilidade na cidade de São Paulo: o problema e o falso problema

Vinte e sete dias por ano preso em um congestionamento? Pois esta é a média de dias que a população da cidade de São Paulo perde por ano em congestionamentos diários de duas horas e 42 minutos. O tema não sai dos noticiários, nem das rodas de conversas entre paulistanos. E, assim, constitui-se uma espécie de percepção pública da crise de mobilidade na cidade como “problema de trânsito”. Será?

A ideia de que nosso problema principal é o “congestionamento” oculta diferenças significativas nas dimensões e significados políticos da crise. Quero crer que nossa crise principal não é de trânsito, e sim do sistema geral de mobilidade da cidade, o que inclui o transporte coletivo e os chamados modos não motorizados, como os deslocamentos a pé e por bicicleta.

Na verdade, o fato de o transporte por ônibus ser ainda o que mais concentra viagens dentre os modos de transporte coletivo e de que os ônibus disputam com carros, motos e taxis a mesma infraestrutura de circulação contribui para que o tema do congestionamento pareça “incluir” o transporte coletivo.

No entanto, segundo a pesquisa Origem e Destino, realizada a cada dez anos pelo Metrô, o tempo médio de viagem em transporte coletivo é mais do que o dobro do tempo médio de viagem em transporte individual. O mesmo se pode dizer em relação à velocidade: a velocidade média dos carros é aproximadamente o dobro da dos ônibus.

Além disso, a crise de mobilidade é muito mais aguda para a população de menor renda, usuária cativa e histórica do transporte coletivo: 74% das viagens motorizadas da população com renda até quatro salários mínimos são feitas por modo coletivo. Já na faixa de renda superior a quinze salários mínimos, este percentual cai para apenas 21%.

Apesar do fato de a maior parte da população de São Paulo ser usuária do transporte coletivo (ônibus, trem e metrô) e de a crise de mobilidade afetar muito mais estes passageiros do que os motoristas de automóveis, não ocorreram mudanças suficientemente fortes na política de circulação da cidade capazes de instaurar um novo padrão de tempo e conforto para os usuários do transporte coletivo, em que pese os investimentos no metrô e na modernizaçao do sistema de trens e ônibus ocorridos na última década.

Sendo assim, não por acaso o tema da mobilidade se apresenta como “congestionamento”: esta visão expressa a captura da política de circulação pelas intervenções na ampliação física e modernização da gestão do sistema viário, em detrimento da ampliação e modernização dos transportes coletivos. Mais alargamento de avenidas, mais túneis e viadutos, mais zona azul, mais radares e lombadas eletrônicas… e nada de um modelo de transporte coletivo integrado, confortável e barato.

Este fenômeno não é novo em nossa cidade: a força deste modelo que prioriza o sistema viário, reeditadoad nauseam ao longo das últimas décadas, revela o pacto de vida ou morte que a política de circulação municipal realizou com o automóvel e, principalmente, com seus motoristas. Esta política se sobrepõe às demandas e interesses da maior parte da população, impondo, para o conjunto da sociedade, a imobilidade.

Texto originalmente publicado no Yahoo! Colunistas.

Substitutivo ao Plano Diretor será votado na Câmara municipal: alguém nesta cidade conhece o Projeto?

Na próxima quarta-feira, às 10h, em frente à Câmara Municipal de São Paulo, será realizado um Ato em defesa do Plano Diretor da cidade. Movimentos sociais e organizações da sociedade civil rejeitam a votação do substitutivo ao Plano Diretor sem que haja um processo democrático e participativo de discussão da proposta.

Nos próximos dias, a Câmara pretende votar um substitutivo ao Plano Diretor, com alterações em 390 artigos. A pergunta é: alguém sabe o quê exatamente está sendo proposto? Ninguém nesta cidade, nem mesmo os vereadores, conhece claramente todas as alterações que o substitutivo propõe. Esse é um dos principais problemas desse processo que vem sendo conduzido de forma opaca, mas que pode implicar em mudanças importantes para a cidade.

O fato é que os paulistanos não sabem o que está sendo proposto. Por isso, antes de votar a proposta, os vereadores deveriam produzir um material com informações claras, mostrando as alterações, incluindo mapas bem precisos e não em linguagem cifrada. Sem isso, e se aprovado nessas circunstâncias, teremos um plano diretor que será uma verdadeira caixa-preta. Se esse processo de mudança se pretende participativo, o mínimo é que a população seja informada claramente sobre as alterações com relação ao plano em vigor.

Uma outra questão importante que vem sendo muito debatida na mídia é o adensamento da cidade.  E ela tem sido colocada de forma falaciosa. Teoricamente, a ideia é que os bairros que têm infraestrutura de transporte coletivo possam receber mais moradores. Entretanto, o zoneamento em vigor (que, ao que me consta, não foi alterado pelo substitutivo), afetado pelos altos preços dos terrenos onde existe essa infraestrutura, e associado à não existência ou à não aplicação de qualquer instrumento para controlar estes aumentos de preços decorrentes da infraestrutura pública, tem tido como resultado uma verticalização de alta renda nessas regiões.

Como consequencia, em vez de atrair mais moradores, esse modelo vem expulsando a população de média e baixa renda e tem incentivado a moradia para setores que não usam o transporte coletivo, gerando problemas de trânsito e falta de vagas de estacionamento. A discussão em torno do adensamento da cidade, portanto, não pode ficar restrita ao tema do potencial construtivo. Temos que repensar as morfologias, os modelos de ocupação, a relação entre os espaços públicos e privados, a existência ou não de edifícios com garagens, os usos mistos nos próprios edifícios, entre tantas outras questões fundamentais na discussão da cidade que temos.

A sinalização, um problema grave na marginal do Tietê, é uma questão de segurança

O Ministério Público poderá entrar com uma ação contra a prefeitura de São Paulo por conta dos problemas de sinalização na marginal do rio Tietê. Este é um problema seriíssimo. Eu percorri a marginal esse fim de semana e há um trecho próximo à região da Freguesia do Ó em que existem 3 placas contraditórias. Uma indica a Anhanguera à esquerda, outra em frente, outra à direita.

Realmente fica difícil pra quem está circulando saber para onde ir. Além disso, a prefeitura já instituiu uma faixa exclusiva de ônibus na marginal, mas como não existe sinalização, nem os usuários dos ônibus, nem os dos automóveis sabem que, na pista local, na faixa da direita, a prioridade de circulação é dos ônibus.

E esse não é apenas um problema que gera desconforto ou desorientação no trânsito. Existe uma questão mais grave que é o perigo de acidentes. O código de trânsito exige que quando uma pista for inaugurada, refeita ou reformada, ela deve necessariamente conter sinalização completa porque isso é uma questão de segurança.

E, infelizmente, não é assim que acontece. Na verdade, a gestão da sinalização é feita por uma companhia que não tem nada a ver com a companhia que é responsável pela contratação da obra. E esses dois processos de contratação não conseguem dialogar, ou seja, não acontecem simultaneamente. Me parece um absurdo que o Ministério Público tenha que ficar em cima da prefeitura exigindo a sinalização, coisa que deveria ser absolutamente automática.

Regulação do estacionamento nas vias públicas permite a reordenação do tráfego e limita o uso do automóvel

Começou esta semana a restrição de estacionamento no bairro de Moema, que perdeu quase 4 mil vagas. A medida foi tomada pela prefeitura de São Paulo com o objetivo de trazer maior fluxo e dar mais velocidade ao trânsito nesta região da zona sul. Basicamente, trata-se da regulação do estacionamento nas vias públicas para permitir uma reordenação do tráfego. E Moema não é o primeiro local a passar por esse processo, que já ocorreu em regiões do Itaim Bibi, dos Jardins, da 25 de março, da Vila Olímpia, da Faria Lima, entre outras.

Estava pensando sobre esta questão e em como ela é contraditória, quase paradoxal. Porque para melhorar o trânsito de automóveis é preciso limitar o número de automóveis. Ou seja, para sustentar uma política de circulação que melhore as condições de trânsito dos automóveis – e também dos ônibus, claro – é preciso limitar o seu uso.

Portanto, na medida em que há menos opções de estacionamento ou que essas opções são mais caras, muitas vezes  inacessíveis, limita-se o uso do automóvel  nestas regiões. É basicamente isto que está acontecendo hoje na cidade de são Paulo com essas intervenções. Muitos moradores inicialmente estão reclamando, principalmente quem tem apenas uma vaga no condomínio e costuma deixar o carro rua.

De fato, com a restrição, fica proibido estacionar a não ser que você coloque a zona azul no seu veículo. E as pessoas vão ter que se adaptar porque esta é uma situação sem volta. E, a meu ver, ela terá dois tipos de efeito sobre a oferta no mercado imobiliário. De um lado, edifícios com mais vagas de garagem, o que aumenta custos, requer mais espaço, impermeabiliza mais, incide sobre o lençol freático, enfim, acarreta em muitas questões.

E a outra alternativa é realmente limitar o número de carros. As famílias terão que optar por ter apenas um carro em vez de dois e usar o transporte coletivo, mas para isso é preciso que esse transporte coletivo exista, funcione, seja eficiente, confortável e acessível financeiramente.

Está cada vez mais difícil respirar em São Paulo

Levantamento realizado com números da Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo) revelou que em apenas 29 dias do ano passado, em todas as estações, a qualidade do ar foi boa em relação a 2008. Ou seja, está cada vez mais complicado respirar ar puro em São Paulo.

Para entender um pouco a história da questão da poluição em São Paulo, é importante lembrar que no começo dos anos 70 a cidade e toda sua região metropolitana estavam extremamente poluídas. A partir da mobilização dos moradores, mas também da iniciativa do governo do estado, que criou um sistema de controle e monitoramento – foi aí que nasceu a Cetesb – passou-se a monitorar a qualidade do ar na região metropolitana. E a Cetesb começou com uma atuação muito forte em relação à poluição das indústrias.

Essa atuação forte, aliada a uma nova legislação reguladora das indústrias, passou a controlar muito mais a emissão de poluentes industriais e a reduzi-los, fazendo com que o ar da cidade fosse melhorando progressivamente. Até que, na década de 1980, teve início também com muita força a discussão da poluição dos automóveis. Começaram aí dois tipos de iniciativa: o rodízio de veículos, que foi implementado em função da poluição e não do trânsito; e a discussão da redução do petróleo no combustível e da chegada do etanol. Enfim, medidas para reduzir o potencial poluidor dos automóveis.

Entretanto, houve um aumento tão grande na quantidade de veículos, da frota de caminhões, de carros, de vãs, de motos, que o ar novamente está péssimo, causando enormes danos para a saúde. E vai ficar ainda mais difícil respirar na cidade agora que está chegando o inverno, com ar mais seco, o que complica a situação.

E por falar neste assunto, recentemente estive no Centro Cultural Banco do Brasil, um belo centro cultural da cidade, que fica na Álvares Penteado, no centrão, e vi uma exposição muito interessante do artista Alexandre Orion, que se chama “Ossário”. Ele entrou dentro de alguns túneis da cidade, principalmente o Vieira de Melo, ali na Faria Lima, e limpou a ferrugem seletivamente, ou seja, fez desenhos de caveiras limpando a fuligem. Essa exposição mostra claramente o que é que está entrando nos nossos pulmões, de forma muito explícita e nada sutil. Vale a pena conferir.

Um mapa unificado do subsolo de São Paulo evitaria acidentes e transtornos

Na última terça pela manhã, por volta das 6h, o rompimento de um duto da Comgás trouxe muitos problemas para o trânsito na região da marginal do Tietê, sentido Castelo Branco. A faixa da direita foi interditada na pista expressa e o congestionamento chegou a mais de 7 km. O problema é que ninguém sabe ao certo o que temos no subsolo de São Paulo. Não existe um mapa unificado de tudo que temos no subsolo.

Uma parte dessa questão tem a ver com o fato de que nós temos diferentes concessionários operando os serviços públicos da cidade. Ou seja, não é a prefeitura que opera, são empresas concessionárias. O gás é a Comgás, a água é a Sabesp, e por aí vai. Algumas são empresas públicas, outras são mistas, outras são privadas, e todas elas operam no subsolo sem compartilhar os seus mapas. E isso é um enorme problema.

Então há muita informação que precisa ser atualizada, mapas de rede de água, de drenagem, alguns muito antigos, que foram instalados no final do século XIX. A prefeitura tem toda a competência legal e a legitimidade política para exigir que todas as concessionárias forneçam estes mapas na mesma base, com o mesmo sistema de informação geográfico para que seja possível articular essas informações e evitar acidentes como este, que são recorrentes.

Esta é a primeira parte. A segunda é equacionar os sistemas subterrâneos. Já venho comentando há muito tempo: São Paulo é uma cidade que precisa montar um sistema de galerias subterrâneas organizadas, que permitam inclusive enterrar toda a fiação elétrica que causa enormes problemas não só para a paisagem, mas também para a segurança e para a estabilidade elétrica da cidade.

Lei que trata dos impactos dos grandes empreendimentos volta a ser discutida na Câmara

Desde 1988 nós temos em São Paulo a Lei dos Pólos Geradores de Tráfego, que diz que quando um projeto de grande centro comercial, ou mesmo residencial, que concentra muitas garagens e estacionamentos, é proposto, a prefeitura pode exigir contrapartidas em termos de obras no espaço público para poder melhor absorver aquele empreendimento. Principalmente na área de trânsito.

Na lei atual essa contrapartida corresponde a um pagamento em torno de 1 a 5% do valor do empreendimento. A CET determina quais são as obras necessárias e o empreendedor tem que executá-la as suas expensas.  Mas a lei atual tem dois problemas. Primeiro, o valor entre 1 e 5% é muito impreciso para o cálculo do empreendedor. Segundo, a CET não tem prazo para analisar e dizer qual é a obra. Isso às vezes demora um ano para acontecer e, nesse meio tempo, o empreendimento vai sendo construído e, às vezes, como aconteceu no caso do Shopping Bourbon, sem que as obras exigidas tenham sido implementadas.

Com a nova lei isso não poderá mais acontecer. Primeiro as obras exigidas terão que ser feitas e, só depois, o empreendimento poderá ser inaugurado. Agora, o novo texto está desde 2006 esperando para ser discutido na Câmara, que não o fez até hoje. Esperamos que dessa vez isso aconteça, pois trata-se de uma lei bem importante para a cidade já que ela trabalha a questão do impacto dos empreendimentos.

E o setor imobiliário é absolutamente a favor dessa revisão, já que eles também querem regras mais precisas e claras. O aperfeiçoamento desta lei é fundamental na cidade para que os empreendimentos possam ser construídos com contrapartidas claramente implementadas. A minha única observação é que, acredito, as contrapartidas não deviam ser pensadas apenas com relação aos impactos no trânsito. Acho que há outros tipos de impacto que deveriam ser levados em consideração.