Sabesp: enxurrada de lucros, benefícios sociais no conta-gotas

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Rio Tietê (SP). Crédito: @mundoirys/Instagram

Na semana passada, após um comentário meu no Twitter sobre o lucro recorde da Sabesp de quase R$ 3 bilhões e a remuneração de seus acionistas, a companhia respondeu argumentando que esta era uma “ótima notícia para todos”, pois a maior parte deste recurso seria aplicada em melhorias de infraestrutura e serviços.

Infelizmente, essa afirmação não tem respaldo nas ações efetivas desta empresa de economia mista, com ações negociadas na bolsa de valores desde 1994.

Encarregada de quase todos os serviços de água e esgoto da metrópole paulistana, além de muitas outras cidades do Estado de São Paulo, a Sabesp é uma das grandes responsáveis pela poluição dos rios, na medida em que coleta o esgoto e neles despeja a maior parte, sem tratamento. Segundo a ONG SOS Mata Atlântica, 70% da poluição dos rios de São Paulo vêm destes esgotos não tratados.

Desde 1992, há 25 anos, portanto, a Companhia lançou um projeto de despoluição do Rio Tietê –  Projeto Tietê – com financiamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Na ocasião do lançamento do projeto, o então governador Luiz Antonio Fleury Filho prometeu que, em 2005, ele “beberia um copo de água do Tietê”. Quem fizer isso em 2017 sairá certamente contaminado. E nestes 25 anos, com lucros recordes ou modestos, os investidores estão bem satisfeitos com o desempenho da companhia, mas o prazo para despoluição já foi adiado inúmeras vezes, tendo gerado inclusive uma ação do Ministério Público contra a Sabesp.

A complexidade do projeto tem sido utilizada para justificar os atrasos sistemáticos. Mas há também um enorme debate sobre o modelo de captação/tratamento dos esgotos, que centraliza o tratamento em poucas – e imensas – estações. Isso faz com que, muitas vezes, o esgoto coletado nas residências tenha que percorrer 80 quilômetros entre coletores e interceptores para conseguir atingir a estação de tratamento, que, por sua vez, fica por anos subutilizada até que todos estes interceptores sejam implementados.

A menor mancha de poluição do rio, 71 quilômetros, foi apurada em 2014, justamente quando o despejo de esgoto foi menor em função da crise de abastecimento de água, que diminuiu forçosamente o consumo. No período seguinte, entre 2014 e 2015, o valor investido na despoluição do Tietê recuou 36%, o que contribuiu para o retrocesso nos índices de poluição, passando rapidamente daqueles 71 quilômetros mortos para os atuais 137 quilômetros.

Por sua vez, o lucro recorde da empresa vem depois de dois aumentos de tarifa e da eliminação da política de bônus para quem economizava no consumo, e é acompanhado de um novo aumento de desperdício de água em função de vazamentos nas redes da empresa.

A eficiência financeira da Sabesp, explicitada pelos números e prêmios recebidos por esta empresa, lamentavelmente não significa que o lucro recorde seja uma boa notícia…

Texto publicado originalmente no Portal Yahoo!

Rio Tietê: pouco a comemorar

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Foto: @mkcesar/Instagram

Na última quinta-feira (22), foi comemorado o Dia do Rio Tietê. Na verdade, não temos muito o que comemorar, como ressaltei na minha coluna desta semana na Rádio USP.

O Tietê atravessa 62 cidades do estado e suas águas tiveram ou têm múltiplas funções, como por exemplo, alimentar represas para abastecimento de água e geração de energia elétrica  e servir como meio de transporte. Porém suas águas se encontram extremamente poluídas, principalmente (mas não exclusivamente) no trecho que atravessa a Região Metropolitana de São Paulo.

Em 1992, uma articulação da sociedade civil colheu mais de um milhão de assinaturas em prol da despoluição do rio. Quase 25 anos depois, cerca de R$ 3 bilhões foram gastos pelo Governo do Estado e ele continua imundo.

Mais de 70% da poluição do Tietê é causada por esgoto doméstico. Isso porque, apesar da maioria das casas estar ligada à rede de coleta, apenas um pequeno percentual do esgoto coletado é tratado. A própria Sabesp, que cobra por esse tratamento de todos os usuários,  despeja os dejetos in natura em rios e córregos em alguns trechos.

Ouça a íntegra do comentário aqui, no site do Jornal da USP. O programa Cidade para Todos vai ao ar ao vivo todas as quintas-feiras, às 8h30.

Urbanistas da FAU lançam manifesto online contra construção de mais pistas nas margens do Tietê

Diversos professores da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP acabam de lançar um manifesto online em repúdio à construção de mais seis pistas de asfalto nas margens do Rio Tietê, em São Paulo.

Para assinar, basta entrar na página da petição online e deixar seu nome. O site é seguro e não divulga o email de quem adere ao abaixo-assinado.

Manifesto

Nós, professores da Universidade de São Paulo, preocupados com o futuro de São Paulo, vimos por meio deste apresentar nosso total repúdio à política pública urbana que vem sendo implementada no Município, denominada “Revitalização da Marginal do Rio Tietê”, que prevê a construção de seis novas faixas de rolamento (três de cada lado) nessa via, consumindo R$ 1,3 bilhão em investimentos do Governo do Estado, da Prefeitura do Município de São Paulo, e das concessionárias das rodovias que usam o trajeto da Marginal.

Tal obra repete práticas de planejamento equivocadas, que levaram a metrópole ao colapso atual. Ao invés de reverter tal lógica, prioriza o transporte individual em detrimento do transporte coletivo, reproduzindo uma política excludente, além da triste tradição brasileira de obras vistosas que beneficiam a minoria e os setores especializados da construção civil. Ela se opõe frontalmente aos princípios de priorização do transporte coletivo sobre o individual constante do Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo e dos Planos Regionais Estratégicos das Subprefeituras.

O mais inaceitável é que os dados técnicos ratificam esta urgente e necessária priorização do transporte coletivo. A Pesquisa OD 2007, realizada pela Companhia do Metrô, mostra que: a taxa de motorização da Região Metropolitana é de menos de 20 veículos para cada cem habitantes; metade das famílias da região metropolitana não possui automóvel, parcela essa na qual se concentram as de mais baixa renda; e que um terço das 37,6 milhões de suas viagens diárias ainda é feita a pé, em função das péssimas condições sócio-econômicas da população. As viagens de automóvel correspondem a apenas 11,2 milhões, ou seja, aproximadamente 30% do total.

Se somarmos os gastos de todas as grandes obras viárias realizadas nos últimos 15 anos e daquelas previstas para o Centro Expandido da capital, aonde se concentram os estratos de maior renda, chega-se ao montante de vários bilhões de reais, valor mais que suficiente para a implantação de toda a Linha 4 – Amarela do metrô.

A Cidade do México, tomando um exemplo com alguma similaridade com São Paulo, iniciou o seu metrô na mesma época que nossa capital. Atualmente, apresenta uma rede com 202 km de extensão, face aos tímidos 61 km do metrô de São Paulo. Apesar da aceleração recente do ritmo das obras, o incentivo ao transporte coletivo é insuficiente, pois, mantendo-se o ritmo atual, serão necessários ainda assim aproximadamente 20 anos para alcançarmos a quilometragem da cidade do México.

Por outro lado, o sistema de trens, embora tenha uma quilometragem mais extensa que a do metrô, apresenta serviço irregular, com índices de conforto baixíssimos, espremendo seus usuários em uma concentração de 8,7 passageiros por metro quadrado nos trechos mais carregados no horário de pico, segundo dados da CPTM para maio de 2009. E mesmo o Metrô, que já foi fonte de orgulho quando da sua inauguração, ganhou o triste primeiro lugar em lotação entre todos os metrôs do mundo, segundo reportagens recentes.

Por fim, ressaltamos os problemas ambientais e de saúde publica resultantes dessa opção pelo transporte individual, que consome enorme quantidade de combustível fóssil, sendo que a emissão de gases poluentes por pessoa transportada é bem maior que a produzida pelo transporte público que se utiliza do mesmo combustível. Pesquisas do Laboratório de Poluição Atmosférica da Faculdade de Medicina da USP demonstram que a poluição é responsável por 8% das mortes por câncer de pulmão na cidade e que 15% das crianças internadas com pneumonia na rede hospitalar são vítimas da má qualidade do ar na cidade. Mesmo o recente Programa de Inspeção Veicular não consegue resolver esse problema em vista do crescimento da frota de veículos da metrópole que é de 10% ao ano. Além do mais, as obras da Marginal deverão ter impacto metropolitano e regional, porém foram licenciadas apenas no âmbito municipal.

Esse fabuloso investimento em um urbanismo rodoviarista em detrimento da construção de um sistema de transporte público amplo, eficiente e limpo, que atenderia à maioria da população, é um assustador retrocesso, que caminha na contramão da atual preocupação mundial com o meio ambiente. Acreditamos que as políticas públicas urbanas devam ser ambientalmente responsáveis e pautadas pelo atendimento das demandas da maior parte da sociedade. Políticas como aqui apontadas reforçam o caráter segregacionista da nossa cidade, privilegiando os estratos de maior renda e relegando a maioria da população a condições precárias de transporte e mobilidade, com danos ambientais para todos os cidadãos da metrópole. Por fim, esta obra não resolverá os problemas de transito da cidade, e muito menos da própria Marginal do Tietê.

Alexandre Delijaicov
Ana Cláudia C. Barone
Carlos Egídio Alonso
Catharina P. Cordeiro S. Lima
Eduardo A. C. Nobre
Erminia Maricato
Eugenio Queiroga
Euler Sandeville
Fábio Mariz Gonçalves
Flávio Villaça
João Sette Whitaker Ferreira
José Tavares Correia de Lira
Maria de Lourdes Zuquim
Maria Lucia Refinetti Martins
Nabil Bonduki
Paulo Sérgio Scarazzato
Paulo Pellegrino
Raquel Rolnik
Roberto Righi
Vladimir Bartalini

Entrevista com o diretor de engenharia da Dersa sobre as obras da marginal do Tietê e o sistema viário de SP

Entrevistei na última sexta, 11, junto com o jornalista da Band News Luis Megale, o diretor de engenharia da Dersa, Paulo Vieira de Souza.

Falamos sobre a enchente que parou São Paulo, as obras de ampliação da marginal do Tietê e o problema de reafirmar o principal sistema viário da cidade nas margens de um rio. Confira abaixo o resultado.

Luiz Megale – A Dersa entende que há alguma relação com as obras realizadas na marginal do Tietê e as enchentes da ultima terça em SP?

Paulo Vieira de Souza – Se nos já estivéssemos impermeabilizado onde vai ser o local pista expressa, podia até ter uma tese que defendesse que teria contribuído para as enchentes em termos de volume de água. O problema é que na atual fase nós estamos abrindo caixas, criando pequenos piscinões por conta da obra, que viriam a facilitar a drenagem, não coibir a drenagem.

Megale – Mas e as árvores que já foram retiradas, as raízes não deixaram de sugar a água que havia no chão?

Paulo Vieira – Veja bem, existe uma tese de vários ambientalistas que afirma que a árvore permite uma melhoria na drenagem. Mas na microbacia da várzea do Tietê, os 19 hectares da obra representam 0,06% da impermeabilização dessa área.

Raquel Rolnik – Haverá teoricamente uma perda de 19 hectares de área permeável naquela região. E o tempo todo se diz que a compensação ambiental mais do que compensará isso. O que quero saber, que nunca ouvi concretamente, é se na área de compensação ambiental, que será no parque da várzea, serão estabelecidas novas áreas permeáveis. Ou seja, se áreas que estão impermeabilizadas hoje se tornarão permeáveis, para dizer que a cidade estará ganhando novas áreas permeáveis. Ou se estamos falando de plantio de árvores em um lugar que já não é impermeabilizado, ou seja, o lugar já é de terra. E senhor mesmo está dizendo que a questão fundamental não é arvores, mas a área permeável.

Paulo Vieira – Nós estamos fazendo grande parte do investimento da compensação ambiental no Parque Ecológico do Tietê, onde é possível proteger o rio. O que vamos fazer? Nos 25 km de São Paulo até a divisa de Itaquaquecetuba, nós iniciamos a retirada de urbanização desorganizada. Ou seja, residências que tomaram conta ao longo da faixa do rio. E vamos criar uma estrada-parque, uma ciclovia de passeio, que vai coibir novas invasões. Se você for lá na várzea do Tietê, no trevo dos pimentas, verá que ali o rio esta totalmente tomado por construções.

Raquel – Isso quer dizer que essas famílias serão retiradas? São famílias que vivem em assentamentos informais.

Paulo Vieira – Veja bem, essas pessoas invadiram e o governo precisa dar uma solução e dará, em termos da indenização da benfeitoria, ou como fizemos no Rodoanel e na Jacu Pêssego, oferecendo uma residência do CDHU em empreendimentos nas proximidades para que possamos fazer a remoção das famílias.

Raquel – E essas moradias já estão disponíveis para as famílias que serão removidas? Em outras situações, muitas famílias que são removidas de assentamentos informais acabam não tendo acesso à moradia da CDHU em função de problema de comprovação de renda. Gostaria de saber se o plano de reassentamento dessas populações já está pronto e totalmente equacionado.

Paulo Vieira – Por exemplo, no caso do Rodoanel, as unidades não são vendidas, elas são gratuitas. Como fizemos isso? Removemos as famílias, pagamos a remoção e 12 meses de aluguel, em alguns casos 16 meses, para que desse tempo da unidade ficar pronta ou ser adquirida, porque a unidade não precisa ser necessariamente construída pela CDHU. A pessoa também pode comprar uma unidade, com o fornecimento de carta de credito. Nós pagamos esse período de aluguel e fizemos a remoção. O que aconteceu? Das 1500 famílias, 800 optaram por unidades e as outras 700 pelo recurso financeiro.

Raquel – É o q o pessoal chama de cheque despejo, um cheque insuficiente para conseguir uma casa?

Paulo Vieira – É uma opção do morador. Se ele tem um imóvel cuja benfeitoria é de 20 mil reais, ele recebe um apartamento de 62 mil reais. Se ele tem uma benfeitoria que vale 100 mil reais, ele recebe 100 mil reais e procura o imóvel q desejar.

Raquel – Então não é que nem o cheque despejo da prefeitura, de três mil reais?

Paulo Vieira – Não fizemos isso no Rodoanel sul e não estamos fazendo na Jacu Pêssego. O que ocorre é que quando você está uma área invadida, particular ou do governo, você tem outra forma de tratar. O terreno não é da pessoa. Você só pode por conta da benfeitoria oferecer uma unidade ou oferecer o dinheiro correspondente à benfeitoria.

Megale – E em relação ao plano de emergência para caso de alagamentos que a Dersa será obrigada a disponibilizar, de acordo com determinação do CADIS. Quando é que será entregue este plano e como ele funcionará?

Paulo Vieira – Veja bem. Naquele dia choveu em oito horas a previsão de um mês. Nós estamos investindo em compensação ambiental na marginal 37 milhões de reais e plantando 83 mil arvores. No Parque Ecológico do Tietê nós estamos investindo 100 milhões de reais – isso representa 9% do valor do empreendimento, quando a legislação define que deve ser de 0,5%. Com relação à tratativa de alagamento, este programa é feito pela prefeitura, não pela Dersa.

Megale – Não, estou citando um parecer que inclusive foi mencionado no Jornal da Tarde, de número 127, da Câmara Técnica do Conselho Municipal do Meio Ambiente, que determina que as obras de ampliação da marginal devem dispor de um plano de emergência em caso de alagamentos.

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