Projeto Centro Novo: mais do mesmo ou blefe midiático da prefeitura de SP?

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Imagem extraída da apresentação do projeto Centro Novo. Boulevard ostenta placa “rico”

Na última terça-feira (26), o prefeito João Doria convocou uma coletiva de imprensa para anunciar o projeto “Centro Novo”,  um plano de intervenção para a região central de São Paulo elaborado  pelo arquiteto Jaime Lerner contratado pelo  SECOVI, sindicato do mercado imobiliário, e doado ao prefeito.

Em nota publicada no site da Secretaria Municipal de Comunicação, portanto sem riscos de qualquer distorção, Doria afirma que Prefeitura irá executar o projeto com a participação da iniciativa privada. No mesmo texto, a secretária municipal de urbanismo e licenciamento, Heloísa Proença, afirma que a proposta de Lerner dará “ao trabalho em desenvolvimento pela Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento a grandiosidade e a qualidade compatíveis com a importância histórica, simbólica e afetiva que a região tem para todos nós”.

No dia seguinte, no entanto, Proença e outros representantes da prefeitura estiveram no Ministério Público Estadual (MPE) em reunião solicitada pelo jurídico da Prefeitura ao MPE e afirmaram, de acordo com a ata desta reunião anexada ao inquérito,  que o projeto apresentado era apenas uma ideia, que sequer foi analisado ou passou por qualquer desenvolvimento e que, portanto, não era algo que seria realmente executado.

 A visita se inseriu no contexto de duas ações públicas em andamento no MP relativas à região da Luz  em função  do anúncio anterior de várias propostas de intervenção, o que exigiria a constituição de Conselhos Gestores nas Zonas Especiais de Interesse Social demarcadas nas áreas objeto de planos e projetos urbanísticos, como determina a legislação.

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Imagem Extraída da apresentação do Centro Novo. Ônibus Elétrico teria custo de R$ 600 mil

Para o MP, a prefeitura insiste que não existem projetos para a Luz, apenas a PPP Habitacional, que, além das quadras onde esta já está em construção, abrange mais dois quarteirões. Para a grande imprensa, o prefeito afirma que o projeto  Centro Novo, que teria ações localizadas também na Luz, estará totalmente implementado em 8 anos.

A prefeitura mente. Anuncia obras que não serão feitas, mas que ajudam a construir a ideia de um prefeito realizador, suficiente para alavancar sua candidatura em 2018.  De fato,  a apresentação do  projeto Centro Novo  não passa de um conjunto de imagens ilustrativas. Um  projeto dessa magnitude  exige não apenas – previamente – um modelo urbanístico detalhado, mas também modelos econômicos, financeiros  e jurídicos que definam claramente a viabilidade do que se propõe. Por exemplo, na coletiva de imprensa, se fala de um financiamento do BNDES para um Veículo Leve sobre Pneus. Quando o BNDES recebeu e aprovou esta proposta?  Se fala de financiamento de intervenções via venda de potencial construtivo. Ora, a Operação Urbana Centro, desde os anos 1990 oferece potencial construtivo para vender e nunca conseguiu atrair interessados. Porque, evidentemente, a questão central do Centro está longe de ser a falta de potencial construtivo disponível.

Aquela região é repleta de pré-existências que precisam ser levadas em consideração como os bens tombados e suas áreas envoltórias, que muito provavelmente  impediriam a construção de “torres icônicas”, como sugere a apresentação do Centro Novo,  grandes prédios que superam o gabarito existente na região e que destoam completamente da paisagem do entorno.

Evidentemente nada disso foi considerado  até agora. O lançamento do projeto não passou de mais uma ação midiática do prefeito, como várias que ele vem fazendo desde que assumiu o cargo.

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Imagem extraída da apresentação do Centro Novo. Torre icônica da Luz ficaria nos arredores da área hoje chamado de cracolândia

O detalhe é que esse blefe tem impactos para além do aumento da popularidade ou número de likes nas redes sociais de Doria. Em primeiro lugar, deixa os moradores e comerciantes daquela região, completamente ignorados durante o anúncio do suposto projeto, em situação de apreensão e vulnerabilidade. Segundo, alimenta a especulação no mercado de venda e locação de imóveis, já que o anúncio pode elevar preços ou travar negociações em curso.

Mas, ainda que não passe de uma ideia, é preciso ficar atento ao roteiro da ficção. A gestão Doria deixou claro acreditar que o desafio para a transformação que pretende para o centro seria atrair a classe média. Aliás, este tem sido o tom da chamada “revitalização” da área desde os anos 1990.  Como bem lembrou o urbanista Kazuo Nakano em entrevista à Folha,  esse público já está chegando por  lá. O problema do Centro hoje não é a falta de moradores, mas a melhora das vidas que lá habitam. E a recuperação do enorme e significativo patrimônio histórico remanescente. Para projetos deste tipo, cuja pergunta central é “como podemos reconstruir este lugar com novos produtos imobiliários?” bens tombados e moradores em situação de vulnerabilidade não passam de obstáculos.

Está mais do que na hora de invertermos este roteiro.

Também falei sobre esse assunto na minha coluna de quinta-feira (28), na Rádio USP. Ouça aqui.

Projeto de revitalização do Parque Dom Pedro II: nós já vimos esse filme

A prefeitura de São Paulo divulgou esta semana o mais novo projeto de revitalização do Parque Dom Pedro II, no centro. A região, que é uma parte da antiga Várzea do Carmo – um belíssimo parque que já teve uma ilha, a Ilha dos Amores, e onde, reza a lenda, realizou-se a primeira partida de futebol no Brasil -, desde o século XIX vem sofrendo várias intervenções.

A Várzea do Carmo foi sendo sucessivamente maltratada e mutilada, primeiro, através da canalização do Rio Tamanduateí, depois, através das várias intervenções do sistema viário, que transformaram o local num cebolão e, mais tarde, num grande terminal de ônibus.

O projeto da prefeitura, orçado em R$ 1,5 bilhão, prevê o rebaixamento de uma avenida, a construção de túneis, estacionamentos e terminal urbano, a demolição de viadutos, a criação de um centro de compras e de uma unidade do SESC/SENAC.

Nós já vimos esse filme: derrubam-se viadutos e constroem-se túneis; um edifício residencial (o São Vito) transforma-se em megaestacionamento. Apenas o custo do rebaixamento da Avenida do Estado e da construção dos túneis representa mais de 70% do orçamento da obra.

Mais uma vez, um projeto de sistema viário, com o objetivo de atender ao fluxo de automóveis, tem precedência sobre qualquer outro. E mais pessoas serão desalojadas de seu local de moradia. No meio disso tudo, a unidade do SESC/SENAC é o lacinho rosa na cabeça de mais uma obra rodoviarista.

Há vinte anos, um projeto da Lina Bo Bardi para a região previa a demolição do viaduto Diário Popular e a criação de um parque. Foi quando a sede da prefeitura saiu do Ibirapuera e se deslocou para o centro. Naquela época, a polêmica era em torno da retirada do viaduto (mas agora, fazendo túnel, tudo bem). Depois disso, muitos outros projetos já foram apresentados, inclusive na própria gestão do Kassab.

A primeira pergunta é: qual o sentido dessa intervenção? E a segunda, inevitável: será que ela vai mesmo acontecer ou trata-se de mais um factoide anunciado pela prefeitura? A única certeza é que aquela região foi degradada e tornou-se cada vez pior, graças à intervenção do poder público.

Porto Maravilha: começou mal e pode piorar

Mal foi aprovada, a legislação que regula a revitalização da zona portuária do Rio de Janeiro, conhecida como Projeto Porto Maravilha, já pode sofrer mudanças. Segundo matéria publicada domingo na Folha de São Paulo, a prefeitura do Rio pretende ampliar, em um único terreno, a altura permitida para as edificações. O terreno em questão é do Banco Central.

Segundo o jornal, a prefeitura enviou em janeiro, à Câmara Municipal, um projeto de lei que amplia de 18 para 30 metros, apenas no terreno do banco, a altura máxima das edificações dentro da área de preservação histórica e ambiental da região portuária.

Se vier a ser aprovada, a alteração casuística da lei – que já é questionável do jeito que está -, para atender o interesse específico de um proprietário, evidenciará a fragilidade da garantia do interesse público envolvido nesse projeto.

Aliás, um projeto que foi aprovado a toque de caixa na Câmara do Rio, sem discussão, e que tem sido objeto de vários questionamentos, tanto do ponto de vista urbanístico, quanto de seus efeitos para a população moradora do local atualmente.

Entre outras questões, a lei da revitalização da zona portuária altera de forma significativa a chamada paisagem cultural do Rio de Janeiro (que está sendo objeto agora de pedido de reconhecimento como patrimônio mundial da Unesco).

Além disso, a lei não garante que a valorização decorrente dos enormes potenciais construtivos atribuídos à região permitirá a construção de moradias de interesse social, nem que a população hoje residente no local não será expulsa.

Cidades aproveitam a Copa de 2014 para lançar projetos de revitalização de seus centros históricos

Várias cidades estão aproveitando o elã da Copa do Mundo de 2014 para lançar (ou relançar) projetos de revitalização de seus centros históricos. No caso de Porto Alegre, uma operação urbana está sendo proposta pela prefeitura para reabilitar toda a área portuária na frente do rio Guaíba. O local começou a ser objeto de um processo de revitalização já faz quase 20 anos, a partir de intervenções e reformas na área do Gasômetro.

Mas essa proposta está gerando bastante polêmica na cidade porque se trata de uma operação urbana baseada na ideia de venda de potencial construtivo para arrecadar dinheiro. A ideia é verticalizar, construindo prédios altos bem em frente à região portuária, e isso está sendo objeto de grande controvérsia.

Essa forma de fazer mudanças e reformas urbanas a partir da venda de potencial construtivo também é a fórmula que está sendo usada no Rio de Janeiro e em São Paulo. No Rio, o projeto ganha novo reforço com a constituição de uma empresa pública, que foi aprovada na câmara municipal, para fazer as obras da região do porto. E a aposta é que os terrenos daquela área que pertencem ao governo federal tornem-se patrimônio imobiliário dessa empresa e que, a partir daí, ela consiga alavancar recursos de investidores. Novamente se aposta na ideia da venda do potencial construtivo.

No fundo, a linha mestra das operações urbanas das cidades tem sido ou vender potencial construtivo ou fazer centros culturais, como é o caso de Belo Horizonte. A capital mineira está usando os prédios que ficaram vazios em função da mudança do centro administrativo para uma nova área da cidade para promover a revitalização do centro via museus e centros culturais. A grande pergunta é: será que esse tipo de investimento por si só será capaz de trazer uma nova dinâmica para o centro? Essa é uma questão que eu coloco para que a gente possa pensar melhor as cidades do Brasil.