Olimpíadas truculentas

O plano olímpico da cidade do Rio de Janeiro tem revelado, na última semana, uma forte ambigüidade na qualidade de grande projeto de desenvolvimento urbano. No mesmo ritmo em que são feitos os investimentos públicos em infra-estrutura de transportes, e nas instalações esportivas, têm ocorrido vários episódios lamentáveis de violações de direitos básicos e de desrespeito à condição humana.

Horror e tensão resumem o que inúmeras famílias têm passado na zona oeste do Rio desde o último dia 15. Denúncias recebidas de moradores, observadores e da Defensoria Pública do Rio de Janeiro relatam o abuso de poder e o verdadeiro estado de exceção que se estabeleceu às margens da Av. das Américas, que corta as comunidades Vila Recreio II, Vila Harmonia e Restinga no Recreio dos Bandeirantes.

Sem qualquer negociação ou abertura ao diálogo, equipes da subprefeitura da Barra da Tijuca incluindo 40 homens da Guarda Municipal começaram uma operação de remoções sumárias e demolições de lares e pontos comerciais na área para a construção do Transoeste: um corredor de ônibus padrão BRT que fará a ligação da Zona Sul à Barra, região que concentrará a maioria das instalações e modalidades olímpicas em 2016.

Segundo denúncias, retro escavadeiras da empreiteira que constrói o corredor estariam derrubando casas com mobílias e pertences dentro. Durante o dia 15, alguns moradores alegam que tiveram suas casas derrubadas enquanto estavam fora trabalhando e outros que receberam um prazo até meia noite daquele dia para se retirarem e darem espaço às máquinas.

Uma equipe do Núcleo de Terras e Habitação da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro conseguiu, em caráter emergencial, uma liminar que suspendia as remoções forçadas, pois os oficiais da subprefeitura agiam sem ordem judicial de despejo ou intimação. Entretanto o pesadelo para os moradores dessas três comunidades da zona oeste carioca não terminou, já que a liminar da justiça não era válida a todos os imóveis.

Nem as casas de santo – terrenos sagrados à tradição Candomblé, há décadas instalados ali – estão seguras das máquinas. Os moradores e representantes religiosos já realizaram duas mobilizações de repúdio a ação da prefeitura do Rio pelo modo como vem conduzindo as obras das Olimpíadas em detrimento do direito e da dignidade dos que vivem no caminho dos projetos.

Sem muito efeito, na madrugada do dia 17 para o dia 18 policiais arrombaram casas expulsando as famílias e ameaçando todos de prisão. Muitos descrevem as cenas como a de uma batalha: roupas, objetos pessoais, malas, tudo jogado no chão na beira da via por onde trafegam continuamente caminhões, automóveis e agora pessoas sem um lugar para onde ir ou voltar.

Não longe do Recreio dos Bandeirantes, o projeto olímpico também é conduzido, mas em tom menos hostil. No início da mesma semana, a prefeitura do Rio assinou o contrato de construção das mais de 2,4 mil unidades habitacionais de alto padrão, que comporão a Vila Olímpica na Barra da Tijuca e depois serão comercializadas por não menos que R$400 mil. O valor total estipulado para o projeto da vila é de quase R$1 bilhão e deve receber financiamento da Caixa Econômica Federal.

O vídeo a seguir é o trecho de uma gravação feita em uma das manhãs, em que máquinas avançavam sobre casas na comunidade da Restinga.

Centro da Olimpíada será na Barra e moradores de favelas estão apavorados com projeto de remoção

Vamos falar um pouco sobre o plano básico para a Olimpíada de 2016, como as regiões do Rio de Janeiro serão afetadas e os principais desafios para a implementação das mudanças de infra-estrutura na cidade.

Todos nós estamos torcendo para que o Rio aproveite ao máximo essa oportunidade, para que possa não apenas acolher os jogos olímpicos com qualidade e organização, mas também promover mudanças importantes na cidade maravilhosa, para que ela possa ficar mais maravilhosa ainda e enfrente seus problemas, que não são poucos.

As obras para os jogos olímpicos vão tomar lugar principalmente na região da Barra da Tijuca. Para quem não conhece o Rio, seguindo pelo litoral, há Copacabana, Ipanema, Leblon e, depois, chega-se na Barra.

Do ponto de vista urbanístico, a Barra da Tijuca funcionou como uma espécie de zona de expansão urbanística da zona sul, com o mesmo tipo de uso, grupo social e produto imobiliário dessa região, embora ela se situe mais a oeste. Antes dessa grande expansão imobiliária, já havia ali o Rio Centro, uma área de convenções.

Vários equipamentos esportivos e a Vila Olímpica serão construídos ali na Barra. Mas como isso será feito?

A Vila Olímpica é um projeto privado, em um terreno privado, de uma construtora, com financiamento garantido pelo governo federal. Essa construtora fará os apartamentos que serão utilizados durante a Olimpíada e depois eles serão vendidos no mercado. Um modelo semelhante ao adotado na Vila do Pan.

Temos algumas questões que precisam ser enfrentadas na Barra. Primeiro é a questão do saneamento. Por incrível que pareça, a Barra, vendida como lugar chique, bacana e etc, até hoje não tem rede de esgoto. É um lugar que precisa melhorar muito do ponto de vista ambiental.

A segunda questão é a mobilidade para chegar na Barra, que hoje é complicada, congestionada, difícil.

Mas vou focar em outro assunto. A Barra é hoje um dos lugares do Rio com mais apartamentos vazios,  construídos mas não ocupados. E isso significa um desafio enorme sobre como esses apartamentos da Vila Olímpica serão vendidos. É uma quantidade muito grande, será que tem mercado para isso? Não irá virar um lugar fantasma depois dos jogos? São indagações necessárias.

Também há naquela região mais de 20 favelas instaladas. Todas estão neste momento absolutamente apavoradas com a perspectiva de remoção, já que o projeto apresentado para as Olimpíadas propõe a retirada de várias comunidades, como Pedra Branca, Restinga, Cortado, Vila do Autódromo e Canal do Anil.

Na época do Pan já havia a proposta de retirá-las. Mas elas resistiram, inclusive judicialmente, defendendo seu direito de permanecer lá e muitas acabaram não saindo. Agora isso será novamente colocado.

É uma questão delicada, que precisa ser tratada com muito carinho, pois qualquer remoção implica, do ponto de vista do direito daquelas pessoas, em um reassentamento adequado, para que na prática não acabem surgindo outras favelas.

*O jornalista Luis Megale acrescentou outra informação. Metade dos apartamentos construídos para a vila dos Jogos Pan-americanos está desocupada. Não são apartamentos caros, ficam na região de Jacarepaguá, custam pouco mais de 100 mil reais, mas nem metade foi vendida.