Nova Luz: a concessão urbanística deve mesmo ser um pressuposto?

Quarta-feira passada participei de um debate na Casa da Cidade sobre o projeto urbanístico da Nova Luz. Também estiveram presentes o presidente da Associação dos Comerciantes da Santa Ifigênia, uma representante da Associação de Moradores da Santa Ifigênia, e um representante da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano.

Algumas questões apareceram para mim com força no debate: um dos pressupostos deste projeto é a liberação de espaço para novas construções e não o desenvolvimento de uma estratégia para melhorar o que já existe.

Isso tem a ver com outro pressuposto, que é o fato de que o projeto está amarrado a uma concessão urbanística da área como um todo, a fim de que uma empresa privada o desenvolva, viabilizando as intervenções urbanísticas a partir de uma enorme lucratividade imobiliária.

Todo o raciocínio do projeto baseia-se, portanto, em derrubar o que for possível para construir tudo novamente. O vício do projeto é justamente ter a concessão urbanística como pressuposto. Ela foi aprovada antes mesmo de existir o projeto e isso é um equívoco.

Em primeiro lugar, precisamos discutir o que queremos para a cidade e qual o projeto que dará conta dessas necessidades. Só depois é que devemos decidir qual o melhor instrumento para implementá-lo.

Audiência pública sobre a Nova Luz foi remarcada e acontecerá nesta sexta-feira

Será realizada amanhã, às 18h, no auditório Celso Furtado do palácio de convenções do Anhembi, a audiência pública sobre o projeto urbanístico da Nova Luz.

A audiência deveria ter acontecido desde o dia 14, mas foi cancelada devido a presença de centenas de manifestantes, especialmente trabalhadores e moradores da região. Desta vez, a prefeitura fará um credenciamento dos interessados em participar da audiência, entre 15h e 18h, no local.

A Associação de Moradores e Trabalhadores da Nova Luz está preocupada com o destino da população que trabalha e reside na região, já que o projeto prevê a demolição de 30% da área, e cobra da prefeitura garantias de que os direitos dessas pessoas serão respeitados. Leia mais sobre as propostas da associação.

Para quem quiser saber mais sobre esse tema, recomendo o interessante debate realizado hoje pela rádio CBN entre o secretário municipal de Desenvolvimento Urbano, Miguel Bucalem, e o presidente da Associação Comercial de Santa Ifigênia, Paulo Garcia. Para ouvir o debate, clique aqui.

Porto Maravilha e Nova Luz: quais serão, afinal, os benefícios públicos destas PPP’s?

Estão em curso tanto em São Paulo quanto no Rio de Janeiro projetos de revitalização de áreas centrais antigas através das chamadas parcerias público-privadas (PPP’s). Em São Paulo, trata-se da Nova Luz, na região ainda ocupada pela cracolândia, e no Rio temos o Porto Maravilha, ambos nomes fantasia para a região da Santa Ifigênia e da zona portuária, respectivamente.

Nas últimas semanas tivemos novidades sobre os dois projetos. No Rio de Janeiro, a prefeitura acabou de assinar uma concessão administrativa da área em torno da zona portuária com um consórcio de empresas formado por OAS, Odebrecht e Carioca, que venceu a licitação.

Este consórcio receberá da prefeitura quase R$ 8 bilhões para implementar um projeto de desenvolvimento urbano. Essa remuneração poderá ser feita tanto através de dinheiro, como do repasse de terrenos públicos, ou ainda através da venda de CPACs (certificados de potencial construtivo) para que, no futuro, investidores possam construir na região acima do que o zoneamento atual da área permite.

Esse modelo de parceria é mais ou menos semelhante ao que acontece em São Paulo. Na Nova Luz, o consórcio que ganhou o edital de licitação (também formado por uma empreiteira, um escritório de arquitetura e urbanismo norte-americano, além da Fundação Getúlio Vargas), apresentou na semana passada um plano para a área.

A diferença é que, no caso da Nova Luz, o consórcio foi contratado para desenvolver um plano e para isso está recebendo R$ 12 milhões. No caso do Porto Maravilha o consórcio foi contratado para implementar todo o projeto. Uma vez desenvolvido o plano para a Nova Luz, portanto, uma nova licitação será feita para se contratar a empresa que irá implementar o projeto, mais ou menos como está sendo feito agora no Rio.

Diante de tudo isso, no entanto, ficam algumas preocupações: nos dois casos não está muito claro quais exatamente serão os benefícios públicos, já que, da forma que eu entendo uma PPP, ela serve para que a iniciativa privada invista numa área recursos que o poder público não tem.

Mas no caso do Porto Maravilha é o poder público que está pagando essas empreiteiras com recursos públicos. Ou seja, não se trata de um investimento novo. Da mesma forma, no caso da concessão administrativa da Nova Luz, ainda não está claro se teremos uma repetição do que está acontecendo no Rio.

Uma segunda preocupação, dialogando inclusive com o que vem acontecendo desde a semana passada no Rio de Janeiro: fiquei muito surpresa ao perceber que um projeto como o Porto Maravilha, que vai investir recursos naquela região, num momento em que o Rio quer promover uma transformação radical na questão da moradia, não garante a produção de moradia popular naquela área, o que poderia ser feito inclusive com o uso de terrenos públicos.

No caso da Nova Luz, na região existem as chamadas ZEIS (Zonas Especiais de Interesse Social), o que significa que na área devem ser produzidas moradias populares. Mas também não fica nada claro como se faz o acerto para que uma área como esta possa, ao mesmo tempo, ser desenvolvida pela iniciativa privada – e, portanto, gerar um grande lucro – e oferecer benefícios públicos para uma população que não pode arcar com serviços privados.

Ou seja, a preocupação nessas condições é que grandes investimentos públicos sejam feitos em áreas que têm ótimas condições de infraestrutura, que vão atrair empresas e gerar grandes negócios, mas não vão oferecer alternativas para enfrentar as crises maiores dessas cidades.

50 mil famílias serão desalojadas em São Paulo por conta de projetos desenvolvidos pelo poder público

“Projetos em execução pelo poder público em São Paulo vão desalojar compulsoriamente de suas casas cerca de 50 mil famílias em dez anos (2006-2015), no maior deslocamento populacional forçado já registrado no Estado.” A informação é de matéria publicada ontem na Folha de São Paulo e Folha Online.

Esta informação é muito significativa quando pensamos na concretização do direito à moradia em nosso Estado. O Brasil é signatário de tratados internacionais que asseguram o direito à moradia adequada à população. Portanto, remoções só devem ser feitas em casos extremos e, ainda assim, com oferta às famílias de alternativas de moradia no mesmo nível ou melhores que a anterior.

No ano passado, produzimos na Relatoria da ONU para o Direito à Moradia Adequada a cartilha “Como atuar em projetos que envolvem despejos e remoções?”, com orientações aos envolvidos em projetos de desenvolvimento sobre como integrar o direito à moradia adequada na implementação dos empreendimentos.

Segue abaixo a matéria da Folha:

Projetos públicos em São Paulo “expulsam” 165 mil pessoas de casa

DE SÃO PAULO

Projetos em execução pelo poder público em São Paulo vão desalojar compulsoriamente de suas casas cerca de 50 mil famílias em dez anos (2006-2015), no maior deslocamento populacional forçado já registrado no Estado. A informação é da reportagem de José Benedito da Silva publicada na edição desta segunda-feira da Folha (íntegra da coluna está disponível para assinantes do jornal e do UOL).

De acordo com o texto, considerando 3,3 moradores por casa –média da prévia do Censo 2010–, o número de desalojados chega a 165 mil, mais que a população de São Caetano do Sul (153 mil). A maioria das casas é irregular, está em áreas de risco ou preservação ambiental. Quase a metade das famílias desalojadas será atingida por ações de cunho ambiental.

A maior delas é o Várzeas do Tietê, um megaparque linear de 107 km de extensão que vai do extremo leste de São Paulo até Salesópolis, onde nasce o rio Tietê. O projeto prevê desalojar 10 mil famílias em seis cidades, sendo a maior parte na região do Jardim Pantanal, onde remoções começaram após enchentes em 2009.

A maioria dos projetos é executada pelo governo do Estado ou prefeitura, mas parte tem recursos do PAC (federal) ou financiamento de órgãos como BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e Banco Mundial.

OUTRO LADO

A Prefeitura de São Paulo diz que há 800 mil famílias à espera de moradia adequada, que age diante de situações emergenciais e que uma solução definitiva deverá vir até 2024, como prevê o Plano Municipal de Habitação. Segundo ela, estão sendo urbanizadas 110 favelas na cidade, com verbas estadual, municipal e federal e que o processo é complexo pois envolve uma “negociação ininterrupta com a população”.

Um dos problemas é o imediato adensamento populacional de uma favela sempre que sua reurbanização é anunciada, como diz ter acontecido na favela do Sapo (região da Água Branca), onde o número inicial de famílias saltou de 87 para 455.

Já a CDHU (companhia habitacional do Estado) afirmou que atua em favelas em duas frentes –urbanização e erradicação– e que “em hipótese nenhuma deixa famílias sem atendimento definitivo nos locais de intervenção”. Segundo ela, o Programa de Atuação em Favelas atendeu 18.375 famílias com novas moradias entre 2007 e 2010 e 22.645 foram beneficiadas com urbanização.De acordo com a pasta, o objetivo é atender com casas e apartamentos todas as famílias removidas, mas que, emergencialmente, paga o chamado aluguel social –R$ 300 por mês– para que elas fiquem em moradias provisórias até que sejam concluídas as unidades habitacionais.

No Programa de Recuperação Socioambiental da Serra do Mar, a companhia afirma que as 5.350 famílias retiradas de áreas de risco ou de preservação irão para conjuntos habitacionais.

A matéria completa está disponível no site da Folha Online. Clique aqui para acessar.

Remoções forçadas devido a projetos de desenvolvimento – como respeitar o direito à moradia?

Há projetos de infra-estrutura e urbanização sendo desenvolvidos todos os dias em nosso país. Mas os impactos podem ser particularmente intensos quando é necessário remover famílias de suas casas.

É viável preservar o direito à moradia adequada dessas pessoas. E há normas internacionais de direitos humanos, ratificadas pelo Brasil, que definem essa obrigação e devem ser respeitadas em qualquer circunstância.

A Relatoria da ONU para o Direito à Moradia Adequada preparou um folheto para que a população conheça seus direitos e saiba a quem recorrer no caso de remoções forçadas.

Também desenvolvemos um guia destinado a autoridades e gestores públicos, técnicos de engenharia e arquitetura, empresários do setor imobiliário e construtoras, que sintetiza as normas internacionais sobre remoções forçadas e contém orientações e dicas para todos os envolvidos.

O folheto e o guia podem ser divulgados reproduzidos livremente. Inclusive há espaço para colocar o logo de entidades que quiserem imprimi-los.

FOLHETO

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GUIA

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Há também versões em inglês, espanhol, francês e árabe deste material.