O desastre na Ciclovia Tim Maia e as formas de contratação de obras públicas

desastre ciclovia e rdc

Foto: José Lucena/Futurapress.

Na semana passada, em pleno feriado, o desabamento de um trecho da recém-inaugurada ciclovia Tim Maia, no Rio de Janeiro, surpreendeu o país. Pelo menos duas pessoas morreram nessa tragédia e, desde então, poder público, especialistas e imprensa se debruçam em investigações e debates para esclarecer as causas e encontrar os responsáveis.

Obviamente, ainda é muito cedo para apontar os responsáveis diretos pelo que aconteceu e qualquer tentativa de eleger culpados neste momento não tem fundamento. O próprio consórcio responsável pela obra, em nota pública, declarou que está realizando uma investigação interna, com consultores independentes, para verificar se houve erro em alguma etapa do projeto e da obra.

Mas há um ponto que me parece importante e que não vem sendo muito levantado pela imprensa: a ciclovia Tim Maia foi contratada pela Prefeitura do Rio de Janeiro por meio do chamado RDC – Regime Diferenciado de Contratações. Essa forma de contratação foi criada em 2011 (Lei Federal 12.462), com o propósito de destravar a burocracia, simplificar e agilizar a construção das obras necessárias para a realização dos megaeventos esportivos, como a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos.

Nos anos seguintes, a lei foi estendida para ações incluídas no Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), do Sistema Único de Saúde (SUS), do sistema de ensino, de presídios e unidades de atendimento socioeducativo, entre outras áreas.

O Regime de Contratação Diferenciada permite que uma obra seja licitada e contratada somente com projeto básico, sem detalhamento. Isso significa que o projeto executivo, que é o que efetivamente detalha todos os aspectos da obra, é elaborado pela própria empreiteira que vencer a licitação. O problema é que o projeto básico é um documento ainda bastante genérico, que não permite antever a totalidade dos aspectos envolvidos na obra e, portanto, diminui também a possibilidade de fiscalização e acompanhamento por parte do contratante, o poder público.

Aliada ao RDC, também foram se ampliando nas prefeituras e governos de forma geral a contratação de empresas para gerenciar o conjunto de obras em andamento. No caso específico do Rio de Janeiro, a própria empreiteira que foi contratada para realizar o projeto executivo e a obra da ciclovia Tim Maia também foi contratada para gerenciar um conjunto de obras relacionadas à Copa/Olimpíadas. Ou seja, a empreiteira faz o projeto, a obra e gerencia a si mesma…

Se o RDC e a contratação cada vez mais de gerenciadoras são fruto das dificuldades que os governos têm de manter equipes técnicas com capacidade de elaborar projetos e fiscalizar obras, o efeito disso os governos que os adotam é na verdade seu crescente enfraquecimento e perda de capacidade, justamente, de elaborar projetos e fiscalizar obras…

No caso do Rio de Janeiro, a Prefeitura já contou com uma das melhores equipes técnicas de urbanismo e engenharia do país. Hoje, é visível seu esvaziamento e perda de incidência sobre os projetos e obras públicas.

Novamente, não estamos aqui apontando responsáveis pelo desastre do dia 21, mas, quem sabe mostrando um desastre bem maior: o desmantelamento do já combalido e frágil Estado brasileiro em sua capacidade de organizar, planejar e construir o território.

*Publicado originalmente no Portal Yahoo!.

Vila Autódromo: remoção e eleições

Na última quinta-feira (16), moradores da Vila Autódromo, no Rio de Janeiro, entregaram ao prefeito Eduardo Paes uma proposta de urbanização que demonstra não haver incompatibilidade entre a construção do futuro Parque Olímpico do Rio, a existência da comunidade e a preservação ambiental da Barra da Tijuca, onde esta está localizada. Por conta dos Jogos Olímpicos, a Prefeitura pretende remover as cerca de 500 famílias que moram no local há mais de 40 anos e reassentá-las em um conjunto habitacional a ser construído com recursos do Programa Minha Casa, Minha Vida.

Conhecido como “Plano Popular da Vila Autódromo”, o projeto foi desenvolvido numa parceria entre a Associação de Moradores da comunidade e professores e alunos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Universidade Federal Fluminense (UFF). No processo de elaboração foram realizadas três oficinas, seis assembleias, e diversas reuniões com os moradores.

Tecnicamente, o plano está dividido em quatro programas: habitação; saneamento, infraestrutura e meio ambiente; serviços públicos; e desenvolvimento cultural e comunitário. O programa habitacional, por exemplo, prevê unidades de tamanhos variados, algumas com possibilidade de ampliação, o que permite levar em conta as especificidades de cada família.

As questões ambientais, muito usadas como argumento para a remoção da comunidade, também foram incluídas no plano, que prevê, entre outras coisas, uma área de recuperação ambiental da Faixa Marginal da Lagoa de Jacarepaguá e da Beira de Córrego de 23 mil m². Com relação aos serviços públicos, a plano propõe a inclusão da comunidade no programa Saúde da Família e a construção de uma creche e de uma escola municipal. Também foi planejada a criação de novas áreas de esporte e lazer.

Para os moradores, o plano mostra que, tanto do ponto de vista técnico como financeiro, é possível manter a comunidade no local, sem qualquer prejuízo para a realização dos megaeventos esportivos. Financeiramente, inclusive, o plano é bem mais vantajoso do que a proposta de reassentamento da Prefeitura. Enquanto a proposta da comunidade está orçada em R$ 13 milhões, a da Prefeitura custa R$ 38 milhões.

Então por que insistir na remoção? Quais são os argumentos que a justificam? Infelizmente, o prefeito Eduardo Paes não se comprometeu nem com a proposta apresentada, nem com a permanência da comunidade, tampouco apresentou justificativas para a remoção. Ele apenas disse que encaminharia o plano às secretarias competentes, mas que nada seria feito antes dos 45 dias que correspondem ao período eleitoral para que não haja uso político da situação. Qual poderia ser o possível “uso político” da situação?

A Prefeitura do Rio tem em mãos um projeto que, se adotado, poderia servir de modelo para vários casos semelhantes não apenas no Brasil, mas no mundo. E mostraria que, no Brasil, os megaeventos não precisam, necessariamente, atender apenas aos interesses do mercado e de seus patrocinadores, podendo se transformar em oportunidade de enfrentamento de dívidas sócio-ambientais acumuladas há décadas em nossas cidades. Sem dúvida, esta atitude seria aclamada pelos moradores e por todos que lutam pelo direito à moradia. A pergunta então é: o que o prefeito perderia – em momento eleitoral – ao afirmar e reconhecer estes direitos?