Operação urbana Água Branca: mais prédios com mais garagens e mais carros?

Matéria publicada ontem no Estadão diz que a Prefeitura de São Paulo quer revisar a Operação Urbana Água Branca, “permitindo um adicional de 1,85 milhão de metros quadrados no perímetro de 540 hectares entre a Lapa e a Barra Funda.” O texto completo pode ser lido aqui: Prefeitura vai liberar mais 16,7 mil imóveis no eixo Lapa-Barra Funda

No mesmo dia, o jornal publicou uma análise minha sobre a questão, que reproduzo abaixo.

Mais prédios com mais garagens e mais carros?

É uma total distorção do instrumento a maneira como a Prefeitura tem tratado as operações urbanas, reduzindo-as única e exclusivamente à venda de potencial construtivo acima do zoneamento para custear obras viárias.

De acordo com o Estatuto da Cidade, as operações urbanas são instrumentos que têm como objetivo principal reestruturar regiões, promovendo a renovação de padrões urbanísticos, a produção de habitação de interesse social em áreas bem localizadas e a recuperação de espaços públicos, entre outros. Mas, pouco a pouco, esses objetivos foram totalmente deixados de lado em nome da simples produção de metros quadrados de área construída adicional, de acordo com a demanda do mercado.

Na Operação Urbana Água Branca, um plano urbanístico foi desenvolvido, mas nunca foi implementado. Agora, a Prefeitura anuncia que quer rever a lei para oferecer ao mercado o que ele demanda: mais metros quadrados de área.

A discussão não deve ser a de quantos metros quadrados serão permitidos, mas que cidade queremos construir. Mais prédios cercados de muros e isolados com mais garagens e mais carros? Se for, o caminho da Água Branca deve ser o mesmo das demais operações urbanas e os nossos problemas só vão se agravar.

Essa é uma das últimas regiões do centro expandido com áreas vazias e potencial de produção de cidade. E vamos, uma vez mais, desperdiçar essa oportunidade, reproduzindo o padrão excludente e insustentável.

Curitiba: frustrada primeira tentativa de alteração de zoneamento em função da Copa

A câmara municipal de Curitiba tentou aprovar ontem, em regime de urgência, a alteração da lei de zoneamento do município para viabilizar a atribuição de potencial construtivo adicional no terreno do Clube Atlético Paranaense. A ideia é que o potencial construtivo seja usado como garantia para o empréstimo do Fundo de Desenvolvimento Econômico do Estado destinado à reforma da Arena da Baixada para a Copa do Mundo de 2014.

Mas a tentativa da prefeitura foi frustrada depois que vereadores oposicionistas argumentaram que não dava para passar um projeto desta natureza sem debate. Após muita discussão, acabou sendo decidido que será encaminhado um projeto de lei ordinário que, portanto, terá que passar pelas comissões de Legislação e Justiça, de Economia e Urbanismo, podendo ser votado a partir do dia 27 de outubro.

Como eu já comentei aqui antes, o que estamos vendo em Curitiba é um malabarismo urbanístico político para viabilizar o uso de recursos públicos em empreendimentos privados. Vale lembrar que, no mês passado, o BNDES recusou os títulos de potencial construtivo como garantia para o empréstimo. Caso seja votado no final de outubro, saberemos se os vereadores aprovarão ou não essa estratégia. Se isso acontecer, a concessão do empréstimo pelo FDE ainda precisará ser aprovada pela Assembleia Legislativa.

Clique aqui para escutar matéria da CBN Curitiba sobre o assunto.

Alteração de Lei de Zoneamento entra na jogada para viabilizar investimento público na Arena da Baixada

Depois de a cidade de Curitiba quase ser excluída da Copa, quando se cogitava a reforma da Vila Capanema para as partidas em 2014, encontrou-se uma saída que resolve a falta de verbas do Atlético Paranaense para as obras de reforma da Arena da Baixada de acordo com as exigências da FIFA.

O clube assinou hoje um termo de cooperação com o governo do estado e a prefeitura municipal, através do qual receberá da prefeitura títulos de potencial construtivo que servirão para arrecadar parte da quantia necessária à reforma do estádio.

A estratégia é alterar a Lei de Uso e Ocupação do Solo de Curitiba para elevar o potencial construtivo dos terrenos da Água Verde (bairro de alto valor imobiliário), onde está a Arena da Baixada.

A estimativa é de que o clube arrecade com isso R$90 milhões. A mudança do zoneamento de Curitiba tem que ser votada na Câmara dos Vereadores do município e é o primeiro passo para que o Atlético possa vender os títulos do potencial de seu terreno.

Várias questões envolvem esta transação: em primeiro lugar, a legislação de Curitiba só permite que se transfira potencial construtivo não utilizado quando se trata de área de interesse ambiental ou de patrimônio histórico, o que não é o caso de um estádio. Segundo, quem vai comprar o potencial construtivo? A própria prefeitura? Se for verdade, será que a câmara municipal de Curitiba vai permitir isso?

Em resumo: o Atlético é um clube privado e toda essa engenharia é para que se permita investir recursos públicos em propriedades privadas, o que é proibido de acordo com a legislação brasileira.

Cidades aproveitam a Copa de 2014 para lançar projetos de revitalização de seus centros históricos

Várias cidades estão aproveitando o elã da Copa do Mundo de 2014 para lançar (ou relançar) projetos de revitalização de seus centros históricos. No caso de Porto Alegre, uma operação urbana está sendo proposta pela prefeitura para reabilitar toda a área portuária na frente do rio Guaíba. O local começou a ser objeto de um processo de revitalização já faz quase 20 anos, a partir de intervenções e reformas na área do Gasômetro.

Mas essa proposta está gerando bastante polêmica na cidade porque se trata de uma operação urbana baseada na ideia de venda de potencial construtivo para arrecadar dinheiro. A ideia é verticalizar, construindo prédios altos bem em frente à região portuária, e isso está sendo objeto de grande controvérsia.

Essa forma de fazer mudanças e reformas urbanas a partir da venda de potencial construtivo também é a fórmula que está sendo usada no Rio de Janeiro e em São Paulo. No Rio, o projeto ganha novo reforço com a constituição de uma empresa pública, que foi aprovada na câmara municipal, para fazer as obras da região do porto. E a aposta é que os terrenos daquela área que pertencem ao governo federal tornem-se patrimônio imobiliário dessa empresa e que, a partir daí, ela consiga alavancar recursos de investidores. Novamente se aposta na ideia da venda do potencial construtivo.

No fundo, a linha mestra das operações urbanas das cidades tem sido ou vender potencial construtivo ou fazer centros culturais, como é o caso de Belo Horizonte. A capital mineira está usando os prédios que ficaram vazios em função da mudança do centro administrativo para uma nova área da cidade para promover a revitalização do centro via museus e centros culturais. A grande pergunta é: será que esse tipo de investimento por si só será capaz de trazer uma nova dinâmica para o centro? Essa é uma questão que eu coloco para que a gente possa pensar melhor as cidades do Brasil.

Substitutivo ao Plano Diretor será votado na Câmara municipal: alguém nesta cidade conhece o Projeto?

Na próxima quarta-feira, às 10h, em frente à Câmara Municipal de São Paulo, será realizado um Ato em defesa do Plano Diretor da cidade. Movimentos sociais e organizações da sociedade civil rejeitam a votação do substitutivo ao Plano Diretor sem que haja um processo democrático e participativo de discussão da proposta.

Nos próximos dias, a Câmara pretende votar um substitutivo ao Plano Diretor, com alterações em 390 artigos. A pergunta é: alguém sabe o quê exatamente está sendo proposto? Ninguém nesta cidade, nem mesmo os vereadores, conhece claramente todas as alterações que o substitutivo propõe. Esse é um dos principais problemas desse processo que vem sendo conduzido de forma opaca, mas que pode implicar em mudanças importantes para a cidade.

O fato é que os paulistanos não sabem o que está sendo proposto. Por isso, antes de votar a proposta, os vereadores deveriam produzir um material com informações claras, mostrando as alterações, incluindo mapas bem precisos e não em linguagem cifrada. Sem isso, e se aprovado nessas circunstâncias, teremos um plano diretor que será uma verdadeira caixa-preta. Se esse processo de mudança se pretende participativo, o mínimo é que a população seja informada claramente sobre as alterações com relação ao plano em vigor.

Uma outra questão importante que vem sendo muito debatida na mídia é o adensamento da cidade.  E ela tem sido colocada de forma falaciosa. Teoricamente, a ideia é que os bairros que têm infraestrutura de transporte coletivo possam receber mais moradores. Entretanto, o zoneamento em vigor (que, ao que me consta, não foi alterado pelo substitutivo), afetado pelos altos preços dos terrenos onde existe essa infraestrutura, e associado à não existência ou à não aplicação de qualquer instrumento para controlar estes aumentos de preços decorrentes da infraestrutura pública, tem tido como resultado uma verticalização de alta renda nessas regiões.

Como consequencia, em vez de atrair mais moradores, esse modelo vem expulsando a população de média e baixa renda e tem incentivado a moradia para setores que não usam o transporte coletivo, gerando problemas de trânsito e falta de vagas de estacionamento. A discussão em torno do adensamento da cidade, portanto, não pode ficar restrita ao tema do potencial construtivo. Temos que repensar as morfologias, os modelos de ocupação, a relação entre os espaços públicos e privados, a existência ou não de edifícios com garagens, os usos mistos nos próprios edifícios, entre tantas outras questões fundamentais na discussão da cidade que temos.