Com a Reforma da Previdência (e a aprovação do teto dos investimentos públicos), moradores das periferias não terão chance de se aposentar

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A Reforma da Previdência proposta pela equipe econômica de Michel Temer, em trâmite na Câmara dos Deputados, estabelece que a idade mínima para que homens e mulheres possam se aposentar no país passe a ser 65 anos com, no mínimo, 25 anos de contribuição previdenciária. A justificativa para impor essa idade mínima é que a expectativa de vida dos brasileiros vem aumentando nos últimos anos, o que tem onerado enormemente o fundo previdenciário.

Essa justificativa está baseada na expectativa de vida média do brasileiro, que atualmente, segundo o IBGE, é de 75,4 anos na população em geral e de 79,1 anos para as mulheres.  Porém, como toda média no Brasil, esse dado não representa absolutamente nada. Isso porque o país é marcado por uma extrema desigualdade e um dos indicadores onde isso é mais eloquente é, justamente, a expectativa de vida da população, um indicador que é fruto das condições ao longo da vida, que são, como sabemos, muito distintas a depender do pertencimento a diferentes grupos sociais, a diferentes territórios.

Em primeiro lugar, esse indicador apresenta diferenças enormes entre as regiões, os estados e entre os municípios. Santa Catarina, por exemplo, tem a maior expectativa de vida ao nascer do país, com 78,7 anos. Já no Maranhão, a longevidade média é oito anos mais curta. Mesmo em uma só cidade, como São Paulo, cuja média de expectativa de vida  está entre as mais altas do país, 77,8 anos, as desigualdades entre distritos é imensa. Segundo levantamento na Rede Nossa São Paulo, enquanto no Alto de Pinheiros, na zona oeste da cidade, distrito onde está localizada a residência do presidente Michel Temer, o tempo médio de vida está em 79,67 anos, quase um ano acima da expectativa de vida nacional média, em Cidade Tiradentes, na zona leste, esta média é de apenas 53,85 anos. No mapa é possível visualizar o tempo médio de vida por distrito. Entre os 96 da cidade, 36 apresentam médias inferiores aos 65 anos propostos na Reforma da Previdência.

Os bairros onde o tempo de vida é menor coincidem com os locais mais marcados por precariedades de todo tipo, mais distantes dos postos de trabalho e onde vive a maior parte dos trabalhadores com menores salários. Isso significa que a reforma penaliza especialmente os mais pobres, que ao longo da vida já desempenham as funções mais desgastantes e que, provavelmente, trabalharão até morrer.

Mais grave ainda é a combinação explosiva da proposta da Reforma da Previdenciária com o limite dos gastos públicos, aprovado nesta terça-feira (13), no Senado. Isso significa que investimentos importantes em saúde, moradia, saneamento e transportes públicos, por exemplo, que poderiam incidir positivamente na melhoria das condições daqueles que hoje, exatamente pela sua falta ou precariedade– além dos baixos rendimentos – apresentam os piores indicadores de expectativa de vida, não serão feitos!  Ou seja, as condições essenciais para diminuir a desigualdade do indicador não ocorrerão…

Além de todos os questionamentos sobre a necessidade e a qualidade da reforma previdenciária proposta, fica evidente o quanto ela é discriminatória, perpetuando as injustiças e desigualdades socioespaciais.

Publicado originalmente no Yahoo!

1ª Mostra Cinema na Laje acontece até o dia 5 de setembro

Começou esta semana, no Jd. Guarujá, a 1ª Mostra Cinema na Laje, organizada pela Cooperifa. Quinzenalmente, às segundas-feiras, serão exibidos, gratuitamente, documentários e filmes de ficção do Brasil e do mundo. A mostra faz parte das comemorações dos 10 anos do Sarau da Cooperifa e tem curadoria do videasta e arte-educador Daniel Fagundes.

Segundo os organizadores, a ideia da mostra é apresentar “um panorama do que tem se construído como texto audiovisual, como discurso pelas camadas populares através do audiovisual, dentre os coletivos e diretores dedicados a pensar as questões da desigualdade social, da identidade cultural e da produção artistica.”

A Cooperifa é um dos muitos grupos de periferia e assentamentos populares brasileiros que mostram que o mundo da periferia, além de ser objeto de muitas produções culturais, é também sujeito dessa produção. A 1ª Mostra Cinema na Laje é sem dúvida uma oportunidade para quem quer conhecer de perto esse trabalho.

Confira abaixo a programação:

MOSTRA CINEMA NA LAJE
De 8 de agosto a 5 de setembro
às segundas-feiras 20hs
Laje do Bar do Zé Batidão
Rua Bartolomeu dos Santo, 797 Jd. Guarujá (inf. 72074748)
Periferia- SP

Programação:

Semana 2 (dia 15/08)
Ficção contra a realidade 

Fulero Circo
Sinopse: Depois de tantos maus tratos, de viver entre os ratos, de ter que achar o absurdo legal, a trupe autodenominada FULERO CIRCO, formada por desempregados e trabalhadores ocasionais, viajou pelo Brasil para apresentar sua peça “O mistério do novo”, uma investigação sobre os dias de hoje.
Produção: Cia Estudo de Cena.
Direção: Diogo Noventa
Tipo: Ficção
Formato: Vídeo DV
Ano: 2011
Origem: Brasil (SP)
Fotografia: Patrícia Alegre
Duração: 50 min.

Amanhã Talvez
Sinopse: Manoel e sua vida, cotidiano. Bebida, controle remoto, controle remoto, bebida, boteco. As vezes a mulher, as vezes os filhos, as vezes. Controle remoto, bebida, TV, um anjo. Um anjo e a vida de Manoel. Baseado no conto “Amanhã Talvez” de Sergio Vaz.
Direção: Rogério Pixote
Tipo: Ficção
Formato: Vídeo DV
Ano: 2010
Origem: Brasil (SP)
Fotografia: Renato Cândido
Duração: 9 min.

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Semana 3 (dia 22/08)
Olhares extremos (Grajaú em cena)

Grajaú: Um Desenho de Cultura
Sinopse: Por que fazer um mapeamento dos ativistas culturais do Grajaú? Qual o intuito? Por que fazer um documentário sobre esse mapeamento? Como seria isso? Ninguém melhor que os próprios movimentos de cultura em questão pra responder essas perguntas, não?
Artistas do distrito do Grajaú discutem como fazer um documentário e qual o potencial de sua arte no contexto em que vivem e trabalham.
Produção:
Direção: NCA, Humbalada, Imargem, Morro da Macumba, Balaio Cultural e Instituto Pólis.
Fernando Solidade, Daniel FagundeS, Diego FF. Soares e André Luiz Pereira.
Tipo: Doc
Formato: Mini DV
Ano: 2010
Origem: Brasil (SP)
Fotografia: NCA
Duração: 39 min.

Onde São Paulo Acaba
Sinopse: Futebol, rap, violência e drogas. Um dia na periferia sul de São Paulo.
Direção: Andréa Seligmann

Tipo: Ficção
Formato: 35mm
Ano Produção: 1995
Origem: Brasil (SP)
Cor / PB: cor
Duração: 12 min.

Grajaú, Onde São Paulo Começa
Sinopse: Articulado a partir da ideia de um “street movie”, “Grajaú, onde São Paulo começa”, conduz sua narrativa a partir dos percursos e inquietações de vários artistas que vivem neste carente e populoso bairro no extremo sul da cidade de São Paulo às margens do maior reservatório hídrico da cidade.
Fugindo dos estereótipos de violência e pobreza, o documentário busca construir a imagem deste imenso bairro paulistano através da arte e da geografia fugindo aos clichês convencionais associados à cidade.
Direção: João Claudio de Sena
Tipo: Doc
Formato: HD
Ano: 2011
Origem: Brasil (SP)
Fotografia: João Claudio de Sena
Duração: 25 min.

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Semana 4 (dia 29/08)
Tragicomédia Brasileira 

O incrível encontro 
Sinopse: No aniversário de 500 anos do Brasil o CETE (Centro Experimental Teatro Escola) coordenado pelo ator e diretor Antônio Pedro, convoca diversas pessoas para uma experimentação teatral coletiva. Atores e não atores, de diversas formações e classes sociais promovem o grande encontro de suas vidas com a história do Brasil.
Produção: CETE e Propícia produções.
Direção: Júlio Calasso
Tipo: Doc
Formato: Vídeo DV
Ano: 2011
Origem: Brasil (RJ)
Fotografia: Júlio Calasso
Duração: 60 min.

O Sequestro da Cultura Brasileira
Sinopse: Filme de ficção sobre a “alta cultura” versus a cultura das ruas. Trata-se de um assalto a um museu motivado, a princípio, pelo exclusivo interesse em lucrar com o sequestro de um quadro bem avaliado no mercado. As contradições da vida e da cultura.
Produção:
Direção: Bruno Rico, Bruna Callegari, Vitor Serra
Bruno Rico.
Tipo: Ficção
Formato: Mini DV
Ano: 2005
Origem: Brasil (SP)
Fotografia: Bruna Callegari
Duração: 35 min.

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Semana 5 (dia 05/09)
Cultura de Rua 

Nos tempos da São Bento
Sinopse: Rodado entre os anos de 2007 a 2010, Nos Tempos da São Bento é um documentário que busca a memória coletiva do hip-hop. O documentário busca resgatar a memória daqueles que fizeram a História do Hip-Hop, ocupando por vários anos o espaço do Metrô São Bento, no centro da cidade de São Paulo. Minuciosa, a estrutura discursiva nos leva ao conflito com o esquecimento; o ato social de se apagar fatos, pessoas e grupos da história. É justamente este conflito, apresentado através do exercício da narrativa, que se transforma em ação dramática, onde a personagem principal é a memória coletiva.
Produção:
Direção: SUATITUDE.
Guilherme Botelho.
Tipo: Doc
Formato: Mini DV
Ano: 2010
Origem: Brasil (SP)
Fotografia: Cassimano
Duração: 90 min.

Linha de Ação
Sinopse: Primeiro episódio de uma série de crônicas sobre culturas urbanas e arte coletiva de resistência nas periferias do mundo. Uma ponte entre dois pontos de vista de artistas-cidadãos que criam em extremos opostos da cidade de São Paulo: Shirley Casa Verde, da Zona Norte (Fábrica de Gênios/Cinescadão) e Sérgio Vaz, da Zona Sul (Cooperifa).

Produção:
Direção: Cinescadão e Temporal Filmes.
Flávio Galvão e Rica Saito.
Tipo: Doc
Formato: Mini DV
Ano: 2010
Origem: Brasil (SP)
Fotografia: Flávio Galvão, Rica Saito. Fernando Solidade e Negro JC
Duração: 6 min.

Para mais informações sobre a 1ª Mostra Cinema na Laje, clique aqui.

O que é periferia? Entrevista para a edição de junho da Revista Continuum /Itaú Cultural

A Revista Continuum/Itaú Cultural apresenta neste mês edição especial sobre periferia. Além de mim (reprodução abaixo), foram entrevistados o jornalista Gilberto Dimenstein, o psicanalista Jorge Broide, o professor e pesquisador Eduardo Marques e a antropóloga Rose Satiko. A edição completa está disponível aqui.

Espaços em transformação

Por Mariana Sgarioni e Rafael Tonon | Ilustração Mariana Leme

Geralmente, a periferia é vista pelas pessoas como um bloco único, um problema único ou uma condição única de existência. Mas a aproximação ao tema faz ver que, apesar de traços comuns, cada periferia tem sua especificidade e, dependendo do enfoque, ela pode ser um conceito relativo. Para Gilberto Dimenstein, por exemplo, um jovem de classe média alta alienado é periférico. Em contraponto, analisa o jornalista, um dos entrevistados nesta seção, um jovem periférico integrado socialmente ultrapassa seus limites geográficos.

Na opinião do psicanalista Jorge Broide, também entrevistado, os problemas enfrentados pela periferia, especialmente a violência, dificultam a circulação da palavra, expressa entre outros aspectos pela arte e pela cultura. Outro convidado a refletir sobre a periferia é o professor e pesquisador Eduardo Marques, que vê com otimismo a quebra da homogeneidade dessas populações, à medida que avançam os serviços públicos e a cidadania. Uma vontade política ampla é o primeiro passo para reverter o estigma de exclusão que paira sobre pessoas que vivem fora do centro das grandes cidades, na visão da antropóloga Rose Satiko.

No entanto, a urbanista Raquel Rolnik, cuja entrevista fecha a seção, observa que, apesar de a cultura da periferia ganhar cada vez mais espaço dentro e fora dela, sua força política foi capturada pelo jogo eleitoral. Conheça essas e outras reflexões dos especialistas convidados a debater esses espaços em transformação.


Para você, o que é periferia?
O conceito de periferia foi forjado de uma leitura da cidade surgida de um desenvolvimento urbano que se deu a partir dos anos 1980. Esse modelo de desenvolvimento privou as faixas de menor renda de condições básicas de urbanidade e de inserção efetiva à cidade. Essa talvez seja sua principal característica, migrada de uma ideia geográfica, dos loteamentos distantes do centro. Mas é preciso lembrar que a periferia é marcada muito mais pela precariedade e pela falta de assistência e de recursos do que pela localização. Hoje há condomínios de alta renda em áreas periféricas que, claro, não podem ser considerados da mesma forma que seu entorno, assim como há periferias em áreas nobres da cidade.

Que tipo de problema social a periferia representa?
O principal problema das periferias hoje está na ambiguidade constitutiva entre a cidade e seus assentamentos populares, principalmente de áreas irregulares e ilegais. Em primeiro lugar, na própria questão do pertencimento desses assentamentos à cidade: eles fazem ou não parte da cidade? A quem ela pertence? Apesar de estar no controle do aparato do Estado, há muitos lugares, como favelas urbanizadas de grandes cidades, em que as prefeituras não entram para fazer coleta de lixo ou manutenções (drenagem, limpeza de bueiros etc.), algo que é comum aos outros bairros. Essa questão é transcendente porque joga luz sobre muitos outros problemas das periferias, como a crescente violência e o controle do tráfico de drogas. Um lugar em que reina a ambiguidade é uma “terra sem dono”, onde teoricamente qualquer pessoa ou grupo pode tomar para si o seu controle. É isso que acontece, por exemplo, com o próprio tráfico.

As iniciativas que tentam integrar a periferia ao restante das grandes cidades geram resultados?
Acho que grande parte das iniciativas hoje são absolutamente fragmentadas e pontuais, uma vez que não conseguem resolver a principal questão que paira sobre a periferia, que é romper o nosso modelo de desenvolvimento econômico. As iniciativas não conseguem parar a máquina de produção da exclusão. O salário do trabalhador formal do Brasil não consegue cobrir o custo de moradia, seja em aluguel, seja na casa própria. E isso não é para uma pequena parcela da população, mas para 60%, 70% dela. Ao mesmo tempo, as políticas e os investimentos valorizam a terra, aumentam cada vez mais o seu valor. Nesse contexto, aos pobres resta morar onde? Por isso temos mais pessoas vivendo em áreas periféricas, sem acesso a recursos, e longe dos centros das cidades.

Qual a força da periferia em termos políticos? E no tocante à arte e à cultura?
Acredito que a força política da periferia foi capturada pelo jogo político e eleitoral. O poder político ainda está ali – afinal, a periferia é muito representativa na medida em que faz parte de uma enorme parcela da população do país, eleitoralmente muito forte –, mas perdeu a força transformadora que tinha. Se está muito mais esvaziada em termos políticos, no entanto, também vejo a periferia muito mais forte na questão das manifestações culturais e artísticas. Muitos de seus movimentos artísticos ganharam uma expressão mais ampla do que seus próprios bairros. Eles quebraram as barreiras geográficas e se difundiram no restante da cidade, em outras cidades, em outros países. Por isso, acho que a força da periferia, hoje, está muito mais nas questões culturais do que políticas.

Como transformar o estigma de exclusão que paira sobre os moradores da periferia?
Não se trata só de um estigma de exclusão, mas de uma exclusão que é real, e não imaginária. Acho difícil romper essa imagem quando os meios de comunicação, por exemplo, mostram apenas o lado negativo das periferias, salvo raríssimas exceções. O estigma se dá quando ela é representada e mostrada pelo olhar de alguém que não vem de lá, que não vive lá, enfim, de um olhar totalmente estrangeiro sobre aquela realidade. Para minimizar essa imagem, é imprescindível dar voz também a outras questões, mostrar outras verdades. Para isso, é necessário oferecer oportunidades para que a periferia possa se mostrar da forma como gostaria.

Bairros da periferia com ‘Jardim’ no nome precisam de muita mobilização para virarem jardins de verdade

Recebi uma carta de uma ouvinte reclamando da situação do Jardim Damaceno, que ficaria nas “pirambeiras” da Vila Brasilândia, em São Paulo. Ela diz que até o ano passado havia diversas obras de melhoria na região, mas que sumiram de repente e a situação do bairro continuou muito precária, assim como a do Jardim Paraná. E ela termina falando que “falta muito jardim ali para alegrar a vida”.

Essa situação é a mesma de muitos bairros da cidade de São Paulo e da Região Metropolitana, que têm o nome de jardim, mas que de jardim mesmo não têm nada. Esta denominação foi bastante utilizada para designar bairros abertos nas periferias da cidade, com loteamentos na maior parte das vezes irregulares, clandestinos ou marcados por algum tipo de precariedade.

Estes bairros não foram planejados como os bairros jardins construídos pela companhia City em São Paulo, repletos de espaços públicos e áreas verdes, vide Alto da Lapa e Jardim Europa. Os bairros da periferia pegaram emprestado o nome de jardim, mas não têm nenhuma das qualidades urbanísticas dos bairros jardim.

E ela está certa em acreditar que reclamar é importante para superar a precariedade. A ideia de que as melhorias são fruto do trabalho de reivindicação e pressão dos moradores se baseia na história da cidade de São Paulo. Há muitos exemplos de espaços urbanos produzidos a partir de bairros muito mal estruturados, que melhoraram progressivamente depois que os moradores começaram a pressionar o poder público.

Mas basta dessa história de bairros sendo inaugurados sem infraestrutura urbana. Queremos bairros que comecem desde cedo com tudo em cima.