Mais um incêndio e as soluções fáceis que não existem

Bombeiros e Defesa Civil trabalham após incêndio no Museu Nacional, na Quinta da Boa Vista, na zona norte do Rio. (foto: Tomaz Silva/Agência Brasil)

O incêndio recente que atingiu grande parte do acervo do Museu Nacional, no Rio de Janeiro, levanta, para além da questão do desprezo da nossa cultura pela memória, o tema da gestão dos espaços e equipamentos públicos.

Qualquer espaço construído necessita de manutenção, incluindo também pequenas reformas, permanentemente. Sabemos isso através da experiência em nossas casas: uma telha que quebra, se não for trocada imediatamente pode gerar infiltrações . Um cano que estoura ou entope, um vidro que quebra: precisam ser consertados. Às vezes reformas mais drásticas são necessárias para manter o desempenho e a segurança do edifício, como quando o velho aquecedor de gás precisa sair do banheiro e, de acordo com as novas normas, ser reinstalado fora da casa. Não consertar, trocar, manter – como sabemos – vai implicar, além de uma aparência de abandono e descuido, uma deterioração física que pode se transformar em risco . Esta constatação óbvia e presente na vida cotidiana de todos enfrenta por incrível que pareça enormes dificuldades para poder se viabilizar quando se trata de espaços públicos. E assim povoam nosso cotidiano as cenas de escolas, praças, museus deteriorados.

As dificuldades de manutenção permanente dos equipamentos públicos são basicamente de duas ordens. Em primeiro lugar, obras de manutenção, silenciosas e invisíveis, são muito pouco atraentes do ponto de vista político, gerando pouco “recall” eleitoral – e, portanto, são pouco ou nada priorizadas.

Um exemplo eloquente do que acabo de dizer são os critérios e forma de distribuição dos recursos públicos, especialmente quando escassos: é possível obter investimentos para construção novas (ou mesmo para reformas espetaculares), que são inauguradas com faixas e placas que agradecem os políticos ou empresários que conseguiram o dinheiro. Me lembro inclusive de um prefeito que numerava as placas de metal postadas nos equipamentos que inaugurava em sua gestão. Mas para as pequenas obras e ações de manutenção de todo dia, sem fitinha para cortar , é muito mais difícil.

Porém a existência – ou não – de recursos para manutenção está longe de ser o único obstáculo. O mais sério , a meu ver, é o quanto, como resposta simplista aos perigos da corrupção, literalmente se impossibilita a ação do setor público. Comprar um vidro para trocar ou fios elétricos para uma nova instalação se transforma cada vez mais em um pesadelo: licitações obrigatórias exigem o menor preço (e não raro se gasta dinheiro em fita crepe que não cola, por exemplo) e um rito demorado e complexo é o cotidiano dos gestores de espaços públicos. Aterrorizados pelas pressões dos órgãos de controle, os servidores são acuados e se obrigam a percorrer não o caminho mais ágil, e sim o mais seguro do ponto de vista jurídico, que geralmente é também o mais lento.

Neste contexto, falar em “negligência” dos gestores é , no mínimo, simplista. É como temos visto diante das demais crises de nosso modelo de Estado e política, uma espécie de “algoz’ que se apresenta para os cidadãos revoltados com as tragédias, para acalmar sua ira e, na verdade, obscurecer as tramas que estão por trás dela. Para, desta forma, mantê-las exatamente como são.

É também neste registro ocultador que funciona a opção “privatização” de todos os equipamentos como alternativa às dificuldades – reais – de gestão que temos da coisa pública. Ao contrário dos que advogam por esta solução, “privatizar” não necessariamente melhora as condições de combate à corrupção, na medida em que amplia as possibilidades de apropriação privada de recursos públicos e, em geral, diminui os espaços de controle social. Por outro lado, a equação da rentabilidade econômica – fundamental para que a manutenção dos serviços e equipamentos públicos seja um  bom negócio – pode comprometer suas  próprias atividades-fim. Trocando em miúdos: para um museu ser rentável precisa se transformar  em shopping center.

Qual é a solução, portanto? É exatamente este debate, difícil, complexo e espinhoso e sem saídas fáceis, que precisamos encarar neste momento.

Prefeitura do Rio proíbe novos tombamentos na região do Porto Maravilha

porto maravilha

As áreas coloridas indicam os setores dentro da Áreas Especiais de Interesse Urbanístico (AEIU) do Porto Maravilha onde o tombamento está proibido

O prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, assinou no final de julho uma resolução que proíbe novos tombamentos de imóveis  em vários setores da área do “Porto Maravilha”, uma operação urbana sob a forma de parceria público-privada (PPP) que abrange parte do centro histórico da cidade.

Já para as áreas definidas na Operação como Áreas Especiais de Interesse Urbanístico (AEIU), a resolução decreta que só valem os tombamentos feitos até 2009. Nas áreas dentro do perímetro da intervenção, onde ainda é possível reconhecer e preservar algum bem, o pedido de tombamento terá de ser avaliado primeiro pelo Fundo de Investimento Imobiliário Porto Maravilha. Só depois da permissão do Fundo é que o pedido poderá será avaliado pelo órgão responsável pela preservação cultural da cidade, a Rio Patrimônio da Humanidade. Vale lembrar que este Fundo é controlado pela Caixa Econômica Federal, que comprou todos os CEPACs quando estes foram lançados, com recursos do FGTS.

mapa-da-area-2-grande

Perímetro total da Áreas Especiais de Interesse Urbanístico (AEIU) 

Para além da ilegalidade desta resolução, já que a salvaguarda do patrimônio cultural, inserida na Constituição Federal, tem seu próprio sistema, com seus órgãos e procedimentos, e que um prefeito não pode simplesmente alterá-lo por decreto, quero aqui chamar a atenção para outras questões levantadas por este ato que se aplicam a diversas situações em curso neste momento em várias cidades do Brasil: as novas formas de implementação de projetos e PPPs, que submetem todas as decisões sobre o destino de um lugar – inclusive a preservação da memória e da história – a uma só lógica: a salvaguarda da rentabilidade dos capitais ali investidos. Este é o único valor a ser preservado.

O projeto do Porto Maravilha (que incluiu a derrubada da perimetral e sua substituição por um túnel, a implantação de um VLT, entre outros investimentos nos espaços públicos) foi armado para ser financiado através da emissão de CEPACS, que, aliada à disponibilização de terrenos públicos, viabiliza a construção de empreendimentos como  torres , shoppings e hotéis.

Os CEPACs são ações negociadas na bolsa de valores que permitem aos seus proprietários a construção de metros quadrados além do limite estabelecido para determinado lugar. No caso do Porto Maravilha, até agora o Fundo de Investimento Imobiliário da Caixa só colocou 8% dos CEPACs adquiridos nos empreendimentos que estão sendo construídos.  Aliás,  este uma das razões pelas quais este modelo de financiamento está indo por água abaixo. O consórcio de empreiteiras liderado pela OAS, que é tanto a responsável pela implementação de todas as obras da operação assim como a gestora desta área por 15 anos,  já decretou falência e anunciou o abandono do projeto.

A prefeitura quer impedir o tombamento para não limitar, por exemplo,  a altura das  edificações ou  impedir a demolição de um edifício pré existente e assim, inviabilizar o máximo aproveitamento  do potencial construtivo dos terrenos. Para esta resolução possíveis parâmetros de preservação  ou diretrizes paisagísticas  contidas em tombamentos  “micam” a máxima rentabilidade  dos negócios imobiliários na área.

Daí a pressa do prefeito em suspender a possibilidade de novos tombamentos, decretando que, em nome da rentabilidade do Fundo Imobiliário, ao contrário do que ocorre em todo o território brasileiro, naquele local não existe mais memória ou história a preservar…

O caso é emblemático e deve ser observado para além da especificidade do Rio de Janeiro, já que o Porto Maravilha é inspiração para muitos projetos que estão sendo apresentados em São Paulo, Belo Horizonte, Fortaleza e outras cidades do país. São projetos que “arrancam” um pedaço do município dos regramentos gerais (leis urbanísticas, ambientais e outras), encapsulando-o e submetendo-o  unicamente à lógica dos negócios imobiliários envolvidos nas PPPs.

Também falei sobre esse assunto na minha coluna dessa semana na Rádio USP. Ouça aqui.

 

A torre da crise política… e a preservação das cidades

image-3

Ilustrações de divulgação do empreendimento La Vue, em Salvador. Impacto na paisagem é diferente sob diferentes ângulos

As denúncias feitas pelo agora ex-ministro da Cultura Marcelo Calero sobre a pressão exercida pelo titular da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima, para que o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) aprovasse um empreendimento na orla da Barra, bairro nobre de Salvador (BA), e o suposto conluio do próprio presidente da República com essas pressões gerou uma nova crise, derrubou um ministro, ameaça o presidente e seus auxiliares próximos e, uma vez mais, questiona os limites das práticas do uso das posições de comando nas estruturas de Estado para obter vantagens e benefícios pessoais para os agentes políticos e empresários envolvidos.

Assim como em relação ao Caixa 2, o superfaturamento de obras, as relações perversas entre empreiteiras, partidos e governos, pressões desse tipo são velhas práticas do modo de governar brasileiro que, neste momento, têm dificuldade de passar despercebidas, ou naturalizadas, como tem sido há décadas.

Mas, para além do debate do uso do Estado para benefícios pessoais, partidários e empresariais, o caso da torre na orla de Salvador, levanta outras questões da maior importância que, infelizmente, não têm aparecido no debate.

A primeira delas se refere à forma como tem sido tratados em nossas políticas urbanas os temas da paisagem, da memória, da preservação versus os processos de transformação, que, muitas vezes, implicam também em destruição. Hoje, as regras que definem o que se pode fazer em cada terreno da cidade estão geralmente definidas nas leis de zoneamento e planos diretores.

Esses, na maior parte dos casos, pressupõem que – à exceção de áreas em que um ambientalismo, claramente antiurbano, define como de “preservação ambiental” – todas as demais estão destinadas a, num futuro próximo ou distante, se transformar em torres e/ou outros produtos imobiliários lançados pelo mercado. Ou seja, justamente as dimensões da paisagem, da memória, da especificidade histórica dos conjuntos construídos têm pouca ou nenhuma relevância.

Esses últimos, por outro lado, se entrincheiraram em um lugar específico da gestão do Estado sobre o território – os chamados “órgãos de patrimônio”, que por sua vez, se definem como “gestores” daqueles bens considerados significativos e, portanto, tombados e responsáveis por sua tutela para que não sejam destruídos e nem que intervenções a seu redor atrapalhem sua fruição.

Com isso, o “patrimônio histórico”, que deveria estar integralmente embebido nos critérios do que destruir e do que preservar nos processos de transformação da cidade, acaba se transformando numa espécie de instância recursal, onde os conflitos que não tiveram vez nem voz nas decisões sobre a cidade se manifestam. Assim tem sido no caso do Cais da Estelita, em Recife, assim como e do Teatro Oficina, em São Paulo.

Com um pequeno, mas bem significativo detalhe: ao contrário das regras de uso e ocupação do solo que envolvem o debate público e acabam virando lei – ainda que, insisto, normalmente capturadas pelos interesses do mercado imobiliário, que é quem mais organizadamente interfere nessas questões na cidade – nas regras de patrimônio histórico raramente as definições do que pode e o que não pode ser feito em volta de um bem tombado estão claras.

São poucos os bens ou sítios tombados que tem um regramento claro do que exatamente se pode fazer a seu redor. Geralmente, são as propostas dos empreendedores que, analisadas caso a caso através de pareceres técnicos do órgão, acabam sendo aprovadas ou vetadas. Isso abre evidentemente margem para muitas interpretações e discricionariedades. Essa discricionariedade dá margem a pressões políticas de todos os lados, de quem quer aprovar, assim como de quem quer vetar.

O caso da torre da orla da Barra, em Salvador, veio à tona agora, mas é preciso dizer que esse tipo de embate ocorre às dezenas pelo país. Inclusive, com os próprios técnicos discordando de pareceres de outros técnicos e muitas vezes, com a participação do Ministério Público nas controvérsias.

Não queremos com estas considerações de forma alguma minimizar a gravidade dos fatos: um ministro de Estado usar seu cargo para fazer outro ministro mudar um parecer para viabilizar um apartamento supostamente de sua propriedade. Mas o que queremos aqui é chamar a atenção para a extrema fragilidade e subdesenvolvimento de nossa política urbana, inclusive e talvez principalmente, nos aspectos relativos ao que pode ou não ser destruído diante da máquina de crescimento econômico e rendimento financeiro que conduz nossas cidades.

A torre da crise, para além de levantar questões de corrupção, mais uma vez, mais esconde do que revela as nuances por trás disso: qual é a margem de discricionariedade? Como se dão esses processos de aprovação ? Quem define o destino da cidade? Como os cidadãos podem participar mais dessas definições? Como as decisões sobre o futuro das cidades (em sua relação com sua história e memória) podem ser tomadas de maneira mais transparente?

Publicado originalmente no blog Raquel Rolnik, no portal Yahoo!

Tragédia em Mariana completa um ano: atingidos ainda lutam por reparação

22730646567_93febfe825_o.jpg

Foto: Rofério Alves/TV Senado

Amanhã, dia 5, a maior tragédia ambiental do país, o rompimento da Barragem do Fundão, de responsabilidade da Samarco, da Vale S.A. e da BHP Billiton, em Mariana, em Minas Gerais, completa um ano.

A imprensa tem chamado a atenção sobre os enormes impactos ambientais do desastre. Os resíduos das mineradoras devastaram não apenas o município de Mariana, mas o Rio Doce e seu entorno, chegando até o mar.

Mas na minha coluna dessa semana na Rádio USP dei ênfase ao impacto do desastre na vida das pessoas que perderam suas casas, sua cidade, sua história.

Ações emergenciais como um cartão alimentação e o auxílio moradia já estão sendo disponibilizadas para as pessoas.  Mas nem sequer o cadastramento das pessoas atingidas, fundamental para o cálculo das reparações, foi concluído e ainda há discussão de quem foi afetado ou não pela tragédia. O reassentamento dos que perderam suas casas ainda não ocorreu, de forma que centenas de pessoas continuam precariamente instaladas na cidade de Mariana. Além disso, depois de terem perdido tudo, os atingidos estão sendo culpados por moradores da cidade pelo fato da Samarco ainda não ter obtido uma licença para retomar suas atividades e, portanto, a oferta de empregos que gerava.

Outro debate é a proposta da construção de um dique que vai definitivamente inundar de lama o distrito de Bento Rodrigues, área mais atingida da cidade. Ou seja, o vilarejo de Mariana vai definitivamente desaparecer do mapa.  Isso também tem gerado uma enorme discussão  na cidade: Bento Rodrigues, patrimônio histórico, deve mesmo desaparecer?

Ouça o comentário completo no site do Jornal da USP. O programa Cidade para Todos vai ao ar todas as quintas-feiras, às 8h30.

O bom de São Paulo: Guia de Bens Culturais da Cidade

imagem do guia_siteDPH

Vários leitores do meu post sobre o aniversário da cidade de São Paulo reclamaram que enfatizei apenas os problemas da cidade, deixando de lado o que a metrópole tem de bom… Pois bem, ainda no embalo dos 459 anos, aproveito para falar aqui das joias da cidade: seus bens culturais.

O Departamento do Patrimônio Histórico da Prefeitura lançou, em dezembro do ano passado, o excelente “Guia de Bens Culturais da Cidade de São Paulo”. Esse guia propõe percursos em 26 regiões da cidade para conhecer cerca de 200 bens culturais da cidade. Os bens estão divididos por área da cidade (identificadas em mapas), sendo que cada um é acompanhando por uma ficha, contendo diversas informações, como o responsável pelo projeto, os usos original e atual, sua história, entre outros.

O livro também contém uma tabela relacionando os usos e os programas dos bens culturais selecionados e um índice remissivo com os profissionais citados, dentre os quais estão engenheiros, arquitetos, urbanistas, construtores, paisagistas e artistas plásticos. Há, ainda, uma versão em inglês, no final do livro, com a tradução de todos os textos.

Aproveite a oportunidade para conhecer a cidade e descobrir algumas de suas preciosidades!

Para maiores informações, consultem o site do DPH e da Imprensa Oficial.

Igreja mais antiga de São Paulo completou 390 anos este mês

No último dia 18, a Capela de São Miguel Arcanjo, em São Miguel Paulista, zona leste de São Paulo, completou 390 anos. Trata-se da igreja mais antiga da cidade. Recentemente, a construção passou por um processo de restauração, iniciado em 2006, e ganhou um museu, que está em funcionamento desde 2010. O mais interessante, no entanto, é que neste processo foram redescobertas duas pinturas murais que estavam escondidas atrás dos altares.

Pesquisadores acreditam que estas pinturas sejam do século XVII e que estiveram cobertas pelos altares desde 1760. Agora, elas estão sendo restauradas, mas, após o restauro, que deverá ser concluído em novembro, elas deverão voltar para detrás dos altares. Depois disso, só será possível ver estas obras em reprodução fotográfica que ficará exposta no museu.

Foto: Hélvio Romero/AE

Reportagem publicada no portal do Estadão conta um pouco da história da Capela de São Miguel Paulista, construída pelos jesuítas numa aldeia indígena batizada inicialmente de Ururaí e, logo depois, de São Miguel de Ururaí.

De acordo com a reportagem, foi o padre José de Anchieta que ergueu no local uma pequena capela, de bambu e sapé. “Nascia o bairro de São Miguel Paulista. A rudimentar construção religiosa deu lugar, décadas mais tarde, a uma nova igrejinha de taipa de pilão. É esta, de 1622, que vence o tempo e resiste até hoje – tombada por Iphan, Condephaat e Conpresp, respectivamente os órgãos federal, estadual e municipal de proteção ao patrimônio.”

Para ler a matéria completa, clique aqui.

Para visitar a Capela de São Miguel Arcanjo e o Museu:
Praça Padre Aleixo Monteiro Mafra, s/nº, São Miguel Paulista. Visitação: de quinta a sábado, das 10h às 12h e das 13h às 16. Às quintas e sextas, é preciso agendar visita pelo telefone (11) 2032-3921 ou pelo e-mail capela.visitacao @hotmail.com. Ingressos: R$ 4. Mais informações: http://capeladesaomiguelarcanjo.blogspot.com.br

Correção: Riviera e passagem subterrânea não foram incluídos no processo de tombamento do Belas Artes

Ontem eu divulguei aqui no blog a notícia da abertura do processo de tombamento, pelo Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico), do Cine Belas Artes, do antigo bar Riviera e da passagem subterrânea da Rua da Consolação. Essa foi a informação que circulou ontem à tarde nos portais dos principais jornais de São Paulo.

Hoje, no entanto, a presidenta do Condephaat, Fernanda Bandeira de Melo, veio a público explicar que o processo de tombamento instaurado refere-se apenas ao Cine Belas Artes. O Riviera e a passagem subterrânea foram lembrados na reunião por sua importância histórica , mas não foram incluídos no processo.

Leia mais no Estadão sobre o assunto.

Condephaat abre processo de tombamento do Belas Artes

Quem achou que a novela sobre o futuro do Cine Belas Artes havia chegado a um melancólico fim na semana passada, com a decisão do Conpresp (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico) de não abrir o processo de tombamento do cinema, enganou-se.

O Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico Arqueológico, Artístico e Turístico), que é um órgão estadual, depois de uma longa reunião esta manhã, decidiu pela abertura do processo de tombamento não apenas do cinema, mas também do antigo bar Riviera (na esquina oposta à do Belas Artes) e da passagem subterrânea da Rua da Consolação, que liga as duas esquinas.

Leia correção publicada em 4/10/2011.

É muito interessante essa posição do Condephaat que incluiu não apenas o cinema, mas toda a configuração daquela esquina da Rua da Consolação com a Av. Paulista. Por sinal, o edifício Anchieta, onde ficava o Riviera, foi projetado pelo escritório dos irmãos Roberto, em 1941, e é um importante exemplar da arquitetura modernista em São Paulo.

É importante lembrar, no entanto, que a abertura do processo de tombamento pelo Condephaat não significa que esses lugares e seus usos serão de fato preservados. Quando este órgão abre um processo, significa que ele ainda vai estudar e analisar a possibilidade do tombamento, mas enquanto essa avaliação não é concluída e votada no Conselho, os proprietários dos imóveis não podem descaracterizá-los nem fisicamente nem quanto ao seu uso. Qualquer coisa que eles decidam fazer também depende de autorização do Condephaat neste período.

Por outro lado, é preciso dizer que a decisão do Conpresp, na semana passada, de não abrir o processo de tombamento do Belas Artes, apesar do parecer favorável do Departamento de Patrimônio Histórico (DPH) da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, foi muito estranho. Especialmente porque, sem discutir o teor deste parecer, o Conpresp adotou a interpretação da Procuradoria Geral do Município (PGM) de São Paulo, que considerou inconstitucional o tombamento de um uso de um edifício cuja arquitetura não é significativa.

A posição da PGM revela um total desconhecimento das leis que regulam o patrimônio histórico em nosso país. O argumento é completamente absurdo e mostra que a PGM ignora que há muitos anos órgãos municipais, estaduais e federais têm tombado inúmeros imóveis que não apresentam nenhum interesse arquitetônico. Vejam o exemplo da Fábrica de Cimento Perus, em São Paulo, que foi tombado pelo significado histórico daquele lugar para a população da cidade ou inúmeras casas onde viveram pessoas importantes da nossa história.

No entanto, mais lamentável do que os argumentos da PGM é o Conpresp aceitá-los e adotá-los como sua posição. Como eu já disse, existem inúmeros bens tombados em função única e exclusivamente do seu uso. A abertura do processo de tombamento pelo Condephaat, independente de seu resultado, significará ao menos a possibilidade de realização de um debate mais qualificado sobre o futuro da esquina da Paulista com a Consolação e sua importância para a vida cultural e a memória da cidade.

Para comemorar a notícia, o Movimento pelo Cine Belas Artes convida para uma festa em frente ao cinema na quarta-feira (5), às 19h.

Sai da frente que lá vem escavadeira!

Tratores, gruas e escavadeiras passaram a fazer parte da paisagem de cidades e comunidades, anunciando um processo de destruição/reconstrução jamais visto neste país. Não por acaso, têm sido frequentes os protestos de pessoas que perderão suas casas e bairros ou de grupos que não se conformam em perder referências territoriais construídas ao longo da vida.

O que existe em comum entre o movimento pela permanência do Cine Belas Artes na esquina da Avenida Paulista com a Rua da Consolação e a luta dos moradores do bairro da Água Branca, em São Paulo, com a luta da Vila de Pescadores de Jaraguá, em Maceió, e dos moradores do Morro da Providência, em plena área portuária do Rio de Janeiro?

Em todos estes locais, empreendimentos públicos e privados têm ameaçado a existência de comunidades e a permanência de moradores, ou, no caso do Belas Artes, a manutenção de um uso específico de um local.

A pergunta que não quer calar e que vale para todos estes casos é: com que instrumentos nós podemos contar para definir o que merece ser preservado e o que pode ser destruído? Além do valor econômico, que outros valores constituem a cidade e o território? Quem decide quais são estes valores?

Infelizmente, hoje, o planejamento territorial e as regras de uso e ocupação do solo, que deveriam ser, em tese, o instrumento definidor destas questões, ou são “pedaços de papel pintado”, sem nenhuma incidência no processo decisório sobre os investimentos privados e públicos, ou, quando existem, são feitos sob medida para estes investimentos, abrindo basicamente frentes de expansão econômica com pouca ou nenhuma aderência ao conjunto de atores que construíram estes lugares e que deles fazem parte.

Diante deste cenário, resta o instrumento do tombamento, cada vez mais mobilizado pelas comunidades na defesa da permanência de seus valores e territórios. Vale ressaltar que o conceito de patrimônio histórico-cultural evoluiu da identificação da excepcionalidade material para uma compreensão da “referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”, como consta da Constituição de 1988.

Foi sob esta ótica que o Cine Brasília, em 2007, e o Cine Paissandu, em 2008, foram tombados pelos órgãos de patrimônio do Distrito Federal e do Rio Janeiro, respectivamente. É nesta linha que o Cine Belas Artes enfrenta uma discussão em torno de seu tombamento no Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Cultural de São Paulo (Conpresp).

Mas se quisermos, de fato, enfrentar esta questão, nosso desafio vai muito além: como incorporar valores (além dos valores econômicos) no processo decisório sobre as transformações do país? Isso passa, evidentemente, por maior transparência e discussão pública, mas também pelo necessário amadurecimento da sociedade brasileira no sentido de pensar e planejar antes de fazer.

Tombamento do Cine Belas Artes: complexidade do tema desafia o Conpresp

O pedido de tombamento do Cine Belas Artes junto ao Conpresp (Conselho Municipal do Patrimônio da Cidade de São Paulo) significa para este órgão – e para a cidade que este representa – o desafio de atualizar a noção de patrimônio histórico dos paulistanos, aproximando-a  muito mais daquilo que a Constituição de 1988 definiu como valor a ser preservado:  aquilo que carrega um forte significado para os cidadãos.

Esta tarefa não é simples: implica deslocar um olhar focado em um suposto valor excepcional da arquitetura de um lugar para incluir uma pluralidade de valores – como, por exemplo, a importância para a cidade do uso simbólico de uma esquina (Av. Paulista X Rua da Consolação) como ponto de formação/fruição de milhares de cinéfilos.

O “caso Belas Artes” é talvez um dos primeiros que o Conpresp enfrenta nesta direção – tanto é inovador o pedido encaminhado ao órgão pelos defensores da permanência do cinema naquele local, quanto o desafio conceitual e teórico que o Departamento do Patrimônio Histórico da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo ousou enfrentar, mostrando que, na prefeitura de São Paulo, existem profissionais preparados para atualizar conceitos e práticas.

A votação do processo está prevista para acontecer amanhã, terça-feira, 13 de setembro. O movimento em defesa do Cine Belas Artes protocolou um pedido de adiamento desta votação, já que, tendo o processo ficado vários meses na Procuradoria do Município, os interessados tiveram apenas uma semana para ler todo seu conteúdo e preparar sua intervenção.

Trata-se de uma reivindicação mais do que justa e correta: este processo e esta votação, como disse acima, vai muito além do tema do Belas Artes em si mesmo, representando uma oportunidade de atualização/renovação de uma questão fundamental para a cidade de São Paulo (o que é fundamental para a cidade preservar?), principalmente em tempos de enorme dinâmica imobiliária e de transformações no uso do solo da cidade.

Em tempo: na próxima quinta-feira, acontece, na Câmara Municipal de São Paulo, uma audiência pública e uma Noite em Homenagem ao Cine Belas Artes. Clique aqui para ver a programação e mais informações.

Leia mais: Nota à imprensa do Movimento pelo Cine Belas Artes

No Quarteirão da Cultura, no Itaim-Bibi, quais são os valores em jogo?

Segundo matéria publicada no Estadão, no fim de semana, o plano da prefeitura de vender para incorporação imobiliária a última área verde do Itaim-Bibi – que abriga diversos equipamentos públicos – está suspenso, ao menos por enquanto, por conta da instauração de um processo de tombamento pelo Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo).

A prefeitura afirma que pretende viabilizar a construção de duzentas creches com os recursos da venda da área, avaliada em R$ 230 milhões. Associações de moradores do bairro e outras organizações da sociedade civil são contra o projeto, defendendo a preservação do uso atual da área.

Segundo a organização Preserva SP, o quarteirão, de 20 mil metros quadrados, concentra praticamente todos os serviços públicos da região. No local estão instalados a Biblioteca Pública Anne Frank, uma escola infantil, uma a creche, uma unidade básica de saúde, uma escola estadual, a APAE – Escola Zequinha, um centro de atenção psicossocial e um teatro (os dois últimos, recentemente reformados pela prefeitura).

Nestes equipamentos são atendidos, diariamente, centenas de crianças, pessoas com necessidades especiais, pessoas em busca de atendimento médico e psicológico, estudantes, usuários da biblioteca, entre outros. A Biblioteca Anne Frank, do anos 1940, inclusive, foi o primeiro prédio modernista em São Paulo fora do centro.

Não há dúvidas de que a cidade precisa de duzentas creches, ou mais. Mas certamente esta não é a melhor forma de viabilizá-las.

A abertura do processo de tombamento impede que qualquer transformação ocorra na área até que o Condephaat tome uma decisão. Isso não impede que a prefeitura venda o terreno, mas limita tremendamente o seu uso.

A ideia de que toda e qualquer área de grande potencial imobiliário tenha, necessariamente, que ser objeto de incorporação, não apenas contribui para a destruição da memória da cidade, mas também desconstitui qualquer valor que não seja estritamente financeiro.

As melhores cidades do mundo são aquelas que conseguem equilibrar um processo de modernização e atualização com a preservação de valores intangíveis. Não é apenas o terreno do Itaim-Bibi que neste momento está em discussão, a área do Jóquei Club também, de certa maneira, vem sendo objeto das mesmas indagações. Mas essa história fica para outro dia.

Site registra informações e imagens sobre uma São Paulo que talvez desapareça

Descobri recentemente mais um site muito interessante sobre a nossa cidade: o São Paulo Antiga. Inspirado em experiências como o Lisboa Abandonada, de Portugal, e o argentino Basta de Demoler, o site une jornalismo, história, arquitetura e fotografia com o objetivo de arquivar e divulgar mudanças nas construções e na própria história da nossa cidade.

De acordo com os idealizadores do projeto , a cidade de São Paulo vem sofrendo constantes transformações e pouca preservação. A primeira mudança drástica foi a perda do seu aspecto colonial quando, no auge do ciclo cafeeiro, a cidade foi praticamente demolida para a construção de uma outra com ares mais europeus. Esta “nova” cidade também não resistiu e praticamente muito pouco ainda resta para contar a história.

A ideia do projeto, portanto, é ajudar na preservação e conservação da nossa história. O público pode colaborar através do envio de denúncias e imagens sobre bens abandonados ou em risco. A equipe do site faz uma análise do caso e, se julgá-lo pertinente, publica notícias e imagens.

Já é possível visitar Paranapiacaba de trem, mas só em alguns domingos

Quem quiser conhecer a Vila de Paranapiacaba, a menos de 50 Km de São Paulo, conta com a possibilidade de realizar a viagem de trem, partindo da estação da Luz ou da estação prefeito Celso Daniel-Santo André.

O trajeto foi inaugurado em setembro do ano passado pela CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos), como parte do projeto Expresso Turístico, e é uma interessante opção de passeio para as férias.

Surgida no século XIX, em torno da construção da linha férrea, a Vila de Paranapiacaba mantém até hoje características da arquitetura inglesa do período, embora a conservação desse patrimônio venha deixando muito a desejar.

De qualquer forma, a iniciativa da CPTM é importante para incentivar o turismo na região, mas seu alcance ainda é muito limitado. As partidas para Paranapiacaba acontecem apenas quinzenalmente, aos domingos de manhã.

Neste mês de janeiro, as datas programadas são o próximo domingo (9) e o dia 23. A tarifa individual de ida e volta custa R$ 28,00 e há descontos na compra de mais de uma passagem.

Outras cidades oferecem serviços turísticos de trem semelhantes, como Campinas, também em São Paulo, e Passa Quatro, em Minas Gerais. Vale a pena conhecer esses roteiros.

Acesse o site da CPTM para mais informações.

Clique aqui para ler matéria do Estadão sobre a inauguração do trajeto Luz-Paranapiacaba.

Reunião da UNESCO em Brasília: como definir os critérios do que é ou não patrimônio da humanidade?

A Unesco – organização da ONU para a Educação, a Ciência e a Cultura – iniciou esta semana em Brasília a 34ª reunião do comitê do patrimônio mundial. É neste espaço que são votadas a inclusão de novos sítios ou monumentos como patrimônio da humanidade, assim como, eventualmente, a exclusão dos que estão em risco.

Nesta reunião do pleno da Unesco estão representados os países que aderiram à convenção do patrimônio mundial da Unesco. No Brasil nós temos 17 sítios históricos que, além de serem protegidos como patrimônio nacional, muitas vezes estadual ou municipal também, são patrimônio da humanidade. O primeiro a adquirir este status, já vai fazer 30 anos, foi a cidade de Ouro Preto, em Minas Gerais.

Agora o Brasil está apresentando a candidatura da cidade de São Cristóvão, em Sergipe. E há uma discussão em torno desta candidatura na medida em que ela é um exemplar de arquitetura e urbanismo semelhante a outros que já estão tombados no Brasil.

O Rio de Janeiro também está preparando sua candidatura, mas acabou não apresentando nesta reunião. E é uma candidatura que traz um conceito muito diferente, que não envolve apenas a questão dos monumentos de arquitetura, mas também a ideia de paisagem cultural, inclusive a geografia da cidade que é muito especial. Mas como eu falei, a candidatura foi preparada, está pronta, começa agora a ser avaliada, mas não está em pauta.

Agora, há questões mais amplas envolvidas. Se pararmos para pensar durante 5 minutos, nos perguntaremos: como definir o que é que tem valor excepcional universal e que, portanto, se diferencia de outras coisas que não têm esse valor? Me parece uma discussão complicada.

Historicamente, na Unesco, os critérios de definição do que é patrimônio da humanidade valorizaram aspectos de uma arquitetura culta, de tradição greco-romana e do mundo medieval e renascentista europeu. Mas é claro que com a entrada mais pesada de países em desenvolvimento no pleno da Unesco, começaram a se apresentar candidaturas que não necessariamente tinham esse perfil.

A partir daí, apareceram, por exemplo, elementos de paisagem, como é o caso da cidade do Rio de Janeiro, que não tem a ver só com a arquitetura, mas com uma geografia que é muito particular. E desde então existe uma tensão.

A maior parte dos sítios históricos que são tombados no mundo, mais de 800, está na Europa e na América do Norte. E se a gente for ver a lista do patrimônio que está ameaçado, dos quais estão querendo tirar o título, a maior parte está em países em desenvolvimento.

E essa vai ser uma das questões importantes desta reunião de Brasília, que tem mais de 180 países participando. Nela poderão acontecer mudanças nos critérios, e novos sítios históricos que hoje não conseguem se candidatar terão a possibilidade de fazê-lo.

A falta de informação e os entraves na reconstrução de São Luiz do Paraitinga

Recebemos um comentário aqui no blog sobre a reconstrução de São Luiz do Paraitinga, que merece atenção. Segundo o leitor Eduardo Canela, há uma falta de informação segura sobre as providências públicas que estão sendo tomadas e muitas dúvidas e perguntas no ar. Por exemplo, por que a CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano) desmonta um morro e aterra a várzea do Rio Turvo para fazer um conjunto habitacional? Por que foi escolhido um terreno que põe em risco iminente a paisagem histórica da cidade, parte do patrimônio? Por que nada se faz em relação à mata ciliar inexistente em toda a bacia do Paraitinga?

Eu somaria a essas observações enviadas pelo Eduardo, outras que foram feitas através da imprensa, uma espécie de balanço dos 100 dias da reconstrução da cidade, que mostra a lentidão no processo de aprovação da reconstrução dos imóveis privados, que não estão dependendo de um investimento público, mas que dependem de autorização para que as reformas nos casarões que foram devastados pelas chuvas possam ser feitas.

O grande problema desse processo, que a imprensa chama de burocracia, é que no âmbito do CONDEPHAAT (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico), órgão ligado à Secretaria de Cultura do Estado, não basta haver um parecer técnico, eles precisam ser aprovados pelo conselho. Isso realmente faz com que o processo seja extremamente lento. Eu me pergunto se não seria possível, diante de uma situação emergencial como essa, trabalhar com outro tipo de procedimento.

Além disso, há também uma notícia muito triste nos últimos dias. A casa de Oswaldo Cruz, que era uma das únicas casas tombadas pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) e uma das poucas a resistir às chuvas, começou a cair. Por fim, mais uma questão importante: a garantia de informação aos moradores é um elemento fundamental que parece não estar sendo realizado de maneira adequada.