Planejamento inútil

No início do mês, ao ser questionado sobre um plano de contingência para a crise hídrica, que deverá ser apresentado aos municípios da região metropolitana, o governador Geraldo Alckmin afirmou que isso não passa de“papelório inútil” e que “o Brasil é um grande cartório. Tem que fazer papel, gastar dinheiro pra ficar na gaveta”.

Em um ataque de sinceridade, Alckmin revelou o que todos sabem e ninguém admite. Parece haver uma espécie de consenso em nosso país de que planejamento é algo totalmente inútil, que não serve para nada. Assim, elaboram-se planos já sabendo que não serão cumpridos. Os rituais de elaboração desses planos, em geral, percorrem um caminho paralelo, nada convergente com as decisões tomadas no âmbito da gestão pública.

As gestões, então, odeiam planos, já que estes as “engessam”, tirando a liberdade de decisão de cada mandatário eleito. Nessa lógica, não há mesmo lugar para o planejamento. Ou melhor, há: na gaveta, como bem afirmou o governador.

Na política urbana isso é claro. Abundam os planos, mas estes são discursos que encobrem os reais processos de tomada de decisão sobre o que será feito em nossas cidades. Isso se define diretamente e discricionariamente por acertos entre os poderes político e econômico, em canais de interlocução que não passam pela esfera do planejamento. Como já afirmou o mestre Flávio Villaça, “não há como anunciar obras de interesse popular porque elas não serão feitas e não há como anunciar as obras que serão feitas porque estas não são de interesse popular”.

Se os planos não funcionam como antecipação pactuada de transformações de longo prazo, porque baseadas em opções com diferentes implicações para o futuro, por que então fazemos planos?

O “papelório” a que se refere o governador são as milhares de páginas com dados, estudos, avaliações, que servem para subsidiar decisões… que não serão tomadas. Mas que alimentam a fábrica de consultorias e consultores. No fundo, o que o governador afirmou é que ele decide o que e como fazer, na hora que bem entender.

Esse modo de operar impossibilita que os efeitos das obras, políticas e programas sejam conhecidos e avaliados em seus possíveis impactos futuros, explicitando mais claramente os ganhos e perdas decorrentes das decisões tomadas. Impossibilita, portanto, que uma parcela ampla dos cidadãos possa se posicionar e optar por um ou outro caminho.

Ao contrário, então, do que os ideólogos antiplanos apregoam, os planos não são uma camisa de força –e, portanto, uma prisão tecnocrática e antidemocrática–, mas, quando elaborados com transparência e participação social, são justamente um instrumento fundamental da democracia, que nosso modo de operar teima em desconstituir.

O preço que temos pagado pela falta de planejamento –vejam as crises hídrica e de mobilidade por que estamos passando, só para dar alguns exemplos– é muito alto. É por isso que hoje, mais do que nunca, planejar de verdade, de forma aberta e participativa, é um dos principais desafios de qualquer gestão. Eu ousaria dizer que planejar, e implementar o planejado, no Brasil hoje, é revolucionário.

*Coluna originalmente publicada no Caderno Cotidiano da Folha.

Com que instrumentos a população pode contar para melhorar a cidade?

O leitor Thiago Guimarães me enviou um e –mail recentemente sugerindo que eu escrevesse aqui no blog sobre que instrumentos estão disponíveis para que a população possa melhorar a cidade do ponto de vista urbanístico.

Ele pergunta: “Quais os instrumentos à disposição de cidadãos desconfiados que uma determinada obra trará mais malefícios do que benefícios para seu bairro? Há como exigir uma audiência, quando essa obra for executada pelo poder público? Como saber se a construção de mais um arranha-céu (que jogará sombra a residências antigas do bairro e que contribuirá mais ainda para o trânsito local de veículos) está de acordo com a lei? Quais os caminhos que moradores organizados poderiam seguir para defender as áreas verdes existentes ou até mesmo converter espaços inutilizados em potenciais espaços para o convívio e para o lazer? Há algum exemplo, neste sentido, que poderíamos aprender de cidades estrangeiras?”.

A principal questão envolvendo os pontos levantados pelo Thiago é que o zoneamento – que regula o uso e a ocupação do solo da cidade – é muito opaco, muito pouco claro para os cidadãos. Então é muito difícil para alguém saber o que pode ou não fazer no seu bairro e, a partir daí, entender se a obra ou ação está de acordo com as regras ou não. Mais difícil ainda é participar da formulação dessas regras que, em princípio, deveriam ser elaboradas através de processos participativos.

Mesmo quando as pessoas têm acesso ao texto da lei, não é fácil compreendê-lo, já que se trata de um texto muito técnico. Mas se alguém desconfia que determinada obra não está conforme as regras, deve procurar a sub-prefeitura da sua região. Eu já tive essa experiência e deu certo. Mandei uma denúncia para a subprefeitura de Pinheiros sobre uma loja que estava com 100% da guia rebaixada – e a lei só permite 70%. Tempos depois, recebi uma resposta da subprefeitura dizendo que eles tinham mandado um fiscal ao local. Outro dia passei em frente à loja e realmente eles consertaram o problema. Mas claro que isso só funciona para quem conhece a lei e, infelizmente, a maior parte das pessoas não conhece.

A Lei Orgânica de São Paulo prevê espaços de participação direta dos cidadãos junto a cada subprefeitura, através dos conselhos de moradores, cujos membros deveriam ser eleitos diretamente pelos moradores da região para acompanhar os projetos. Mas, na prática, esses conselhos nunca foram implementados.

Numa cidade como Londres, quando se planeja um projeto de impacto num bairro, os moradores são, obrigatoriamente, informados e contam com um prazo para se manifestar. Por aqui, na falta de espaços oficiais efetivos de participação, o que muitas vezes acontece quando um governo anuncia um plano ou projeto numa região, é que os moradores se organizam e saem às ruas quando têm discordâncias. Presencialmente ou via Internet – esta é também uma importante forma de atuação.

“Políticas Públicas e Direito à Cidade” é tema de publicação do Observatório das Metrópoles

O Observatório das Metrópoles lançou, recentemente, o Caderno Didático Políticas Públicas e Direito à Cidade, voltado à formação de agentes sociais e conselheiros municipais.

Os artigos apresentados na publicação estão divididos em quatro módulos: Democracia e Políticas Públicas; Reforma Urbana e Direito à Cidade; Conflitos Urbanos e Estratégias de Exigibilidade do Direito à Cidade; e Políticas estratégicas na Baixada Fluminense.

O objetivo do caderno, segundo os organizadores, é “contribuir para a formação de agentes sociais e conselheiros municipais, de modo a fortalecer os canais de participação social, em especial, os conselhos das cidades, enquanto esferas de interação entre o poder público e a sociedade organizada.”

Para baixar a publicação na íntegra, clique aqui.