Jerusalém, Tel Aviv, Gaza e Sderot: cidades entre muros e fronteiras

Entre os dias 29 de janeiro e 12 de fevereiro, visitei algumas cidades em Israel e na Palestina, como Relatora da ONU para o Direito à Moradia Adequada. Em uma área de menos de 40 mil quilômetros quadrados, numa terra disputada milímetro a milímetro, estas cidades se debatem entre muros e fronteiras.

Em Jerusalém, cada uma das pedras branco-amareladas que vão desenhando colinas, muralhas, igrejas, mesquitas, casas e tumbas, já foi de cananeus, filisteus, babilônios, gregos, romanos, cruzados, islamitas, hebreus e, numa sucessão de ocupações, massacres e peregrinações, a cidade constituiu um tecido carregado de simbolismo e tensão. Mesmo com a anexação de sua parte oriental e a expansão de suas fronteiras pelos israelenses, depois da vitória militar na Guerra dos Seis Dias, em 1967, Jerusalém ainda é uma cidade dividida. Nos bairros palestinos da parte leste, Jerusalém é uma cidade árabe, que resiste, com suas vielas e o canto dos muezim. Na parte oeste, e em toda a sua volta, os bairros lembram a paisagem da periferia de cidades europeias, com seus blocos de edifícios e pequenos centros comerciais.

Uma linha de VLT (Veículo Leve sobre Trilho) foi construída recentemente onde antes passava a Green Line — a fronteira entre Israel e Jordânia estabelecida em 1948. Para alguns, o VLT rasga o coração da cidade árabe para juntar os dois pedaços da cidade judia – a velha Jerusalém ocidental e os assentamentos judaicos que foram construídos para além da Green Line, numa estratégia clara, por parte dos israelenses, de consolidar a ocupação. Para outros, ela é o elemento de ligação e tentativa de costura das duas cidades – a judia e a árabe – que, há 45 anos, resistem a uma unificação que, na prática, nunca existiu.

A apenas 60 Km dali, em Tel Aviv, a sensação é de que estamos num lugar totalmente diferente: cidade de praia, com palmeiras e arquitetura modernista, ciclovias a beira mar e arranha-céus high tech. Poderia ser a Califórnia, ou algum enclave liberal dos Estados Unidos. Tomando cerveja ou café pelos bares, ou paradas em algum engarrafamento, as pessoas parecem estar infinitamente longe da permanente tensão que paira no ar de Jerusalém. Mas foi em Tel Aviv que, no último verão, centenas de pessoas ocuparam as ruas e acamparam nas praças, durante várias semanas, protestando contra o custo e a falta de opções de moradia popular.

Distante 100 km de Tel Aviv está Gaza, uma cidade sitiada. Na verdade, não se trata de uma cidade, mas de uma somatória de campos de refugiados palestinos – que lembram muito nossas favelas consolidadas – encravados em vários núcleos urbanos distribuídos em uma exígua faixa de terra de 45 km por 10 km de largura. Ali, apenas uma minoria tem permissão de entrar ou sair deste território. Desde que o Hamas ganhou as eleições e passou a governar a faixa de Gaza — sem reconhecimento por parte da Autoridade Palestina, nem da comunidade internacional — Israel impôs um bloqueio por terra e mar, controlando e limitando a passagem de pessoas e mercadorias. Sem gasolina suficiente, nem peças de reposição, o meio de transporte mais utilizado em Gaza é uma espécie de carroça plana, puxada por burros, contrastando com os carrões brancos das agências internacionais e com algumas Mercedes e Hi-Lux que, de repente, aparecem nas ruas esburacadas e empoeiradas. Apesar do bloqueio, objeto de protestos das agências internacionais, Gaza vive um boom de construção, graças aos materiais que chegam pelos túneis clandestinos que todos compram – menos a ONU e agências oficiais de cooperação dos países.

Do outro lado do muro que separa Gaza de Israel, em Sderot — que nasceu como uma espécie de “cidade-nova” planejada e construída para acolher levas de imigrantes judeus que vieram principalmente do Oriente Médio, Norte da África e mundo árabe nos anos 1950 e 1960 —,  os sinais do conflito podem ser vistos no memorial para os mortos atingidos pelos foguetes disparados de Gaza e, principalmente, na presença de abrigos antiaéreos construídos pelo governo israelense em cada um dos apartamentos, escolas e pontos de ônibus da cidade, a fim de proteger os moradores de ataques.

Falei apenas de um pedaço muito pequeno desta região, o chamado centro de Israel e a faixa de Gaza. Na Galileia, no deserto do Neguev ou, sobretudo, na Cisjordânia, território palestino ocupado por Israel, são ainda muitas e diversas as cidades e complexas as fronteiras. Mas isso fica para um outro post…

Texto originalmente publicado no blog Habitat do Yahoo.

Não sabe como resolver um conflito? Construa um muro!

Quando não se sabe como resolver um problema, como enfrentar um conflito, uma questão complexa, constrói-se um muro. Recentemente, vimos anunciada na imprensa a intenção do governo do Estado de São Paulo de construir um muro de 2m de altura ao longo do rio Paraitinga. O objetivo da medida, segundo o governo, é conter as enchentes que, anos atrás, já destruíram parte da cidade de São Luiz do Paraitinga e de seu patrimônio.

A questão complexa, neste caso, é: como proteger a cidade e seu patrimônio da força das águas, ao mesmo tempo respeitando as suas características construtivas, das quais também faz parte a relação histórica de São Luiz do Paraitinga com o rio? Construir um muro para isolar o rio da cidade, neste caso, significa uma falta de solução porque não enfrenta a complexidade da questão ao destruir a relação da cidade com o rio.

Há muitos outros exemplos que mostram como os muros são, na verdade, formas típicas de não resolução de conflitos. O muro que separa a fronteira dos EUA com o México, para evitar que os latino-americanos entrem ilegalmente nos EUA, ou o muro que Israel vem construindo na Cisjordânia desde 2002 para evitar que os palestinos circulem nesse território, são alguns exemplos. Os dois casos envolvem questões com implicações em termos étnicos, políticos e sociais. O fato é que, em vez de se trabalhar a questão e de se buscar soluções para ela, constrói-se um muro.

Um exemplo mais concreto, visível em nosso dia a dia, é o novo produto imobiliário surgido nos anos 1990 frente à escalada da violência urbana: o condomínio fechado e murado, forjado na ideia de que é possível construir um paraíso exclusivo para poucos e deixar os conflitos do lado de fora, o que, como nossas cidades já demonstraram, é impossível. Anos atrás, no Rio de Janeiro, surgiu a péssima ideia de murar a favela da Rocinha com a justificativa de proteger a floresta da Tijuca. Ainda bem que desistiram. Seria mais uma falsa solução.

Em 1989, pudemos ver pela TV a queda do muro de Berlim – ícone da Guerra Fria, que separava o mundo capitalista do mundo socialista. A derrubada do muro – que ficou conhecido como muro da vergonha – transformou-se numa espécie de ícone da liberdade e da democracia. O muro de Berlim foi derrubado em 1989, mas, infelizmente, a lógica de construção de muros como forma de (não) resolver conflitos continua de pé.

Texto originalmente publicado no Yahoo! Colunistas.