Reivindicações de trabalhadores revelam a necessidade de um amplo pacto civilizatório no Brasil

Recentemente, as más condições de trabalho em canteiros de obra por todo o Brasil têm ocupado as manchetes dos principais noticiários do país. Das usinas de Jirau e Santo Antônio, em Rondônia, à termelétrica de Pecém, no Ceará, passando pela refinaria de Abreu e Lima e a petroquímica de Suape, em Pernambuco, até obras do Minha Casa, Minha Vida em Campinas, interior de São Paulo.

O fato é que o Brasil vem tentando virar gente grande pela metade, continuando a tratar de forma precária alguns aspectos fundamentais do seu desenvolvimento econômico. Estamos vendo um aumento significativo do volume de recursos e investimentos em infraestrutura, sem o acompanhamento do necessário grau civilizatório e de cidadania que os projetos exigem.

Isso fica muito visível na indústria da construção civil, onde grassa a precariedade. Sem condições de desenvolver os projetos para os quais são contratadas, as grandes construtoras e empreiteiras estão dando um passo maior que as pernas, terceirizando e subcontratando serviços sem capacidade de fiscalizá-los e esbarrando numa tradição que insiste em não respeitar os direitos básicos do trabalhador e da pessoa humana.

Um projeto como o Minha Casa, Minha Vida, que tem uma meta superambiciosa, não previu que as construtoras do país simplesmente não têm capacidade de, sozinhas, dar conta da demanda. Por outro lado, montou-se um modelo no qual não há tempo nem estímulos para que os pequenos empreiteiros e as pequenas empresas familiares consigam se formalizar e se preparar para compartilhar este mercado.

Com a aproximação da Copa de 2014, as centrais sindicais do Brasil lançaram, no início deste mês, a Campanha pelo Trabalho Decente nas Obras da Copa. O objetivo é garantir boas condições de trabalho e direitos dos trabalhadores nas obras de infraestrutura para o evento. Vale lembrar que na África do Sul foram realizadas 36 greves contra as más condições de trabalho, problemas salariais, entre outros.

Esta não é, obviamente, a única dimensão dos impactos das grandes obras de desenvolvimento no Brasil. Cidades explodindo sem infraestrutura para receber grandes contingentes populacionais, remoções e despejos forçados, más condições dos serviços de saúde, aumento da prostituição são alguns dos outros aspectos envolvidos.

Parece que estamos vendo se repetir o surto da época do “milagre brasileiro” dos anos 70, em que crescemos muito, pagando o alto preço do não planejamento e do não compromisso com um pacto civilizatório mais amplo.

Texto originalmente publicado no Yahoo! Colunistas

Movimento dos Trabalhadores Sem Teto inicia campanha nacional contra despejos relacionados à Copa, Olimpíadas e PAC

O Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) iniciou hoje uma campanha nacional contra despejos e remoções relacionados a obras da Copa de 2014, das Olimpíadas de 2016 e do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).

Segundo os organizadores, foram paralisadas em São Paulo as rodovias Régis Bittencourt, Raposo Tavares, Anhanguera, Dom Pedro I, Dutra e Rodoanel Oeste , como forma de chamar a atenção da sociedade para o problema.

Leiam abaixo trecho do manifesto do MTST:

MANIFESTO DA CAMPANHA NACIONAL CONTRA OS DESPEJOS: MINHA CASA, MINHA LUTA!

A RESISTÊNCIA URBANA – Frente Nacional de Movimentos faz um alerta aos trabalhadores brasileiros sobre o avanço de uma política de despejos e de uma ofensiva do capital imobiliário nas metrópoles do país. O cenário que está sendo montado é de uma verdadeira operação de guerra contra os moradores de favelas, comunidades periféricas e os trabalhadores informais, em nome do “crescimento econômico” e da preparação do país para a Copa-2014 e Olimpíadas-2016. Os governos federal, estaduais e municipais prepararam seus planejamentos – em muitos casos, já em execução – para obras de grande impacto, que representam uma Contra-Reforma Urbana no Brasil, pela forma autoritária e excludente com que estes programas afetarão os trabalhadores urbanos (principalmente através de despejos e remoções em massa) e pela lógica de cidade que trazem consigo. Por isso, e contra isso, lançamos uma Campanha Nacional contra os Despejos.

Para ler o texto completo, clique aqui.

Ferroanel de São Paulo não será construído por falta de acordo

O anel ferroviário de São Paulo, que era uma obra do PAC prometida para 2010, ou seja, ano que vem, saiu da agenda do governo.

O chamado ferroanel era uma das obras previstas de investimento no modal ferroviário do PAC. O problema é que o Governo Federal não conseguiu entrar em um acordo com o Governo do Estado em relação ao traçado. Há várias hipóteses, e o Governo Federal estava apostando em fazer um tramo ao norte, tirando a carga dos trilhos onde está hoje.

Em São Paulo a carga compartilha os trilhos com os passageiros, o que gera um conflito, pois a CPTM está investindo em melhorar o transporte de passageiros, mas para isso é preciso tirar fora a carga. O ferroanel iria suavizar o transporte ferroviário e, a longo prazo, poderia também funcionar como uma alternativa à própria Marginal Tietê.

O problema é que o Governo do Estado não quer o tramo norte, porque ele iria levar a carga para o Rio de Janeiro, e não para Santos, onde interessa a ele que a carga chegue e saia.

O governo estadual propôs duas alternativas. Uma é continuar compartilhando o trilho, mas nem as concessionárias do transporte de carga e nem mesmo CPTM querem que isso aconteça.

A outra é fazer obras mirabolantes, como construir um túnel subterrâneo para o transporte de cargas, o chamado mergulhão, dentro de São Paulo. É uma proposta muito mais cara do que fazer um ferroanel por fora da região metropolitana, sem atravessá-la, tirando o compartilhamento de trilhos com a CPTM.

Moral da história: não se chega a um acordo sobre qual é o melhor projeto e São Paulo vai ficar sem ferroanel, agravando o já gravíssimo problema de transporte de passageiros e de cargas na cidade.

O problema é que, evidentemente, há disputas internas até dentro do governo estadual. O setor de transporte metropolitano de passageiros está rezando para que saia um ferroanel, para poder investir mais rapidamente e melhor na melhoria do sistema de transporte sob trilhos.

Mas há também interesses muito poderosos em relação ao destino dessas cargas e tudo que gira em torno do Porto de Santos. No  meio do rolo, ainda têm as concessionárias de transporte ferroviário de carga. Isso não foi equacionado, e ao não ser acabou gerando uma paralisação.

Acho que a construção do ferroanel deveria ser prioridade zero, aliás, prioridade menos mil para a Região Metropolitana de São Paulo. É preciso construir uma alternativa ferroviária de carga, já que o investimento no modal ferroviário é absolutamente fundamental para a gente cair fora da dependência da rodovia.

É preciso integrar favelas à cidade, diz relatora da ONU

Entrevista publicada na Folha de S. Paulo em 2 de setembro de 2009

Mariana Barros, da reportagem local

Para Raquel Rolnik, desafio é eliminar a fronteira que separa a favela do bairro. Para isso, essas regiões devem estar integradas à gestão urbana, isto é, ter regras para uso de solo e altura de prédio, cadastros de ruas, entre outros.

As imagens transmitidas pela TV dos protestos ocorridos ontem em Heliópolis pareciam uma reprise repetida em espiral: moradores rebelando-se contra a violência e combatidos pela polícia, em confrontos capazes de gerar novos episódios violentos. Para Raquel Rolnik, professora da FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP) e relatora da ONU para direito à moradia, esse ciclo só será rompido quando a favela deixar de ser um lugar separado do resto da cidade.

FOLHA – Que sintomas levaram a essa nova onda de protestos?
RAQUEL ROLNIK –
Duas coisas: uma absoluta falta de diálogo, para lidar com os conflitos que existem, e a criminalização da pobreza, como se a totalidade dos moradores da favela fosse ligada ao crime. Isso é muito perigoso. A maior parte da população que vive ali não tem nada a ver com o crime. Certamente a menina que morreu [Ana Cristina de Macedo] não tinha nada a ver com crime.

FOLHA – Mas os criminosos também estão presentes.
ROLNIK –
Sim, o crime organizado se instalou em locais historicamente abandonados. Mas não se pode reduzir os indivíduos que vivem lá à presença do crime. Isso faz com que a abordagem seja violenta -veja que a abordagem é basicamente a da polícia. E assim a violência volta a acontecer, como acontece em Paraisópolis, no Rio de Janeiro, em outras cidades.

FOLHA – Episódios como esse aumentam o receio da classe média em relação às favelas?
ROLNIK –
As notícias sobre esses lugares são única e exclusivamente as ligadas à violência. Em uma favela, acontecem mil coisas, inclusive as ligadas à violência, mas não só elas. Isso faz com que se pense que o correto é a eliminação total das pessoas que moram lá.

FOLHA – Heliópolis também é noticiada nas páginas de cultura, por conta da orquestra sinfônica e de já ter sido tema de filmes e livros.
ROLNIK –
São Paulo não é uma cidade de grandes favelas, mas de muitas e pequenas favelas. Heliópolis e Paraisópolis chamam a atenção por justamente serem grandes. Assim, atraem ONGs, movimentos sociais, produções culturais. Recebem mais investimento porque têm mais visibilidade.

FOLHA – E ainda assim vivem episódios de violência. Por quê?
ROLNIK –
Minha filha colheu depoimentos em Heliópolis para uma pesquisa. O que mais a marcou foi o de uma menina que morava lá contando que o que ela mais detestava em Heliópolis não era a falta de infraestrutura nem de nada material, mas ter de dizer que morava numa favela. Por mais que existam saneamento, água e luz, tem a cidade e tem a favela. O maior desafio é a integração plena, a eliminação da fronteira que separa a favela do bairro.

FOLHA – Obras de reurbanização, como financiadas pelo PAC [Programa de Aceleração do Crescimento], não contribuem para a integração?
ROLNIK –
Claro que recursos do PAC para urbanizar são absolutamente bem-vindos. No Brasil não havia investimentos de vulto para a urbanização de favelas. Mas ainda está colocado o desafio da eliminação total da diferença entre favela e bairro. Heliópolis já foi objeto de muito trabalho social, produção habitacional, mas continua sendo a favela de Heliópolis. Paraisópolis idem. Há um bloqueio aí.

FOLHA – Como rompê-lo?
ROLNIK –
As ruas têm de estar no cadastro da prefeitura, o caminhão de lixo da prefeitura, e não um especial, entra, todo mundo recebe o carnê do IPTU [Imposto Predial Territorial Urbano], ainda que seja isento, há regras de uso e ocupação do solo, sobre onde pode haver casas ou comércio, qual a altura máxima dos prédios, cada unidade habitacional está registrada no cartório no nome de quem a ocupa etc. A regularização administrativa e patrimonial está bloqueada e ela é que precisa avançar, porque vai significar a diferença.