A pandemia continua, mas hoje decidi mudar de assunto e refletir sobre os 60 anos que Brasília completa hoje. Contraditória, a capital brasileira foi uma empreitada épica que ganhou apoiadores e opositores. Passadas seis décadas, mudar a capital para o coração do Brasil foi um sucesso ou um fracasso?
Será lançado hoje, às 19h, em Brasília, no salão nobre da Câmara, o Guia de obras de Oscar Niemeyer: Brasília 50 Anos. Dividido em cinco partes (Esplanada dos Ministérios, Eixo Monumental, Roteiro Histórico, UnB e Niemeyer completo), o guia traz textos de dois professores da Universidade de Brasília (UnB), os arquitetos Sylvia Ficher e Andrey Schlee, e fotografias de Joana França.
A obra, que é uma parceria do Instituto dos Arquitetos do Brasil e da Câmara dos Deputados, será vendida apenas na Livraria da Câmara ao preço de R$ 22,64, mas também está disponível para download.
A ideia de construir uma capital federal no coração do Brasil já era antiga, mas foi formalmente anunciada pelo presidente Juscelino Kubitschek no famoso comício na cidade de Jataí, em Goiás, apesar de ele mesmo, anos antes, ter defendido que a nova capital seria em Minas Gerais. De qualquer maneira, antes mesmo de ter o projeto e sem passar por qualquer processo licitatório, ele constituiu a companhia Novacap, que ficaria encarregada da construção da nova capital.
Depois disso, JK convidou Oscar Niemeyer para projetar a cidade e Niemeyer respondeu que achava que deveria haver um concurso público e que ele toparia participar da comissão desse concurso e também projetar os edifícios da nova capital. E assim foi feito. Com ajuda do IAB – Instituto dos Arquitetos do Brasil –, foi aberto o concurso. Houve uma polêmica inicial sobre se o concurso seria internacional ou nacional, e acabou virando nacional. 62 escritórios se inscreveram, mas apenas 26 equipes entregaram a sua proposta final. Muitos dos principais arquitetos brasileiros daquela época apresentaram projetos.
Foi montada uma comissão com dois estrangeiros, o próprio Niemeyer, um representante do IAB e um da Novacap. E o curioso é que, apenas três dias depois que chegaram os envelopes com as propostas, foi anunciado o vencedor, que era o projeto urbanístico do Lúcio Costa. O Paulo Antunes Ribeiro, que estava na organização do concurso, quis se retirar. Segundo ele, não foram feitas as análises de todas as propostas como deveriam e estava-se escolhendo o Lúcio Costa apesar de ele ter entregue apenas 3 folhinhas datilografadas e alguns croquis. No fim, a “turma do deixa disso” acabou ficando mesmo com o Lúcio Costa, que foi o grande vencedor com uma proposta modernista. E o Paulo Antunes Ribeiro não assinou o resultado final do concurso. Então, como se pode ver, a história de Brasília já começou com essa polêmica na escolha do urbanista que projetaria a capital.
De qualquer forma, vale muito a pena conhecer Brasília, que é uma das cidades mais interessantes do planeta, com uma proposta modernista integralmente implantada. O Plano Piloto, inclusive, é hoje tombado como patrimônio cultural da humanidade. Ele foi construído de uma maneira muito próxima à proposta inicial do Lúcio Costa, que tinha quatro escalas principais: um eixo monumental, onde estão os palácios e ministérios; a escala gregária, que é o lugar dos espaços comerciais, ali no cruzamento dos eixos, onde ficam a rodoviária e os centros comerciais; a escala residencial, que são as superquadras, nas asas do avião; e a escala bucólica, que são as enormes áreas verdes e jardins que permitem que Brasília seja permanentemente uma cidade onde o horizonte e o céu participam da paisagem.
Entretanto, já ocorreram várias mudanças em relação à ideia inicial. A ideia do Lúcio Costa era que, na medida em que o plano piloto ficasse muito ocupado, começariam a ser construídas as cidades satélites. Só que elas começaram a ser feitas antes mesmo da inauguração da capital, com o objetivo de remover as ocupações populares dos trabalhadores que foram construir a cidade e que não tinham onde morar. Como eles não conseguiram morar nos apartamentos e casas que foram construídos para os funcionários, acabaram montando favelas dentro do Plano Piloto. Para erradicar essas favelas, foram construídas as cidades satélites, as primeiras delas a 25 km do plano. E hoje, dos mais de 2 milhões de habitantes que moram em Brasília, apenas 400 mil vivem no plano piloto. A grande maioria vive ou nas cidades satélites, ou mais distante ainda, fora do Distrito Federal, nas chamadas cidades do entorno.