Entre o negócio e o conforto de todos: que mobiliário urbano queremos?

Nos últimos dois meses os pontos de ônibus da cidade de São Paulo vêm sendo substituídos por novos modelos. São quatro tipos diferentes de abrigos que estão sendo instalados de acordo com o perfil da via e da região. Apesar de ser uma boa notícia, usuários têm se queixado da falta de informações sobre as linhas e itinerários, dos tamanhos reduzidos da cobertura em locais de grande aglomeração e também dos tetos de vidro, que para muita gente parece deixar o abrigo mais quente e abafado.

À imprensa, o consórcio Otima (formado por Odebrecht Transport, Rádio e TV Bandeirantes de Minas Gerais, APMR Investimentos e Participações e Kalítera Engenharia), vencedor da licitação junto à prefeitura , garante que todos os pontos receberão indicações sobre as linhas. Em vários pontos, inclusive, a empresa colou avisos informando que os abrigos estão “em implementação”. A população, por sua vez, tem usado a criatividade para driblar o problema. Um adesivo com os dizeres “Que ônibus passa aqui?” e um espaço para anotação das linhas pode ser visto em alguns pontos da cidade. A iniciativa foi criada por um pessoal de Porto Alegre e logo se espalhou. O arquivo está disponível pra download gratuito na internet.

Os novos abrigos são, na verdade, um grande negócio, já que têm espaço para anúncios publicitários que serão explorados pelo consórcio durante 25 anos. Estes serão os primeiros anúncios ao ar livre desde a aprovação da Lei Cidade Limpa, em 2007. Junto com os relógios digitais, estes serão os únicos anúncios permitidos na cidade.

Mas a discussão sobre este tema na Câmara Municipal e na imprensa girou em torno principalmente dos valores envolvidos, das condições da licitação e de outras questões diretamente ligadas ao negócio da publicidade no espaço público. Nos acalorados debates que aconteceram entre 2009 e 2011, com idas e vindas do texto que regula a questão, o tema do mobiliário em si ficou ausente… Onde estão, por exemplo, os banheiros públicos bons e limpos; os bancos confortáveis em nossos parques e praças; as lixeiras bem cuidadas e em quantidade suficiente; a iluminação voltada não para o leito carroçável, como ocorre hoje em grande parte da cidade, mas para as calçadas, que pedem postes mais baixos…?

O modelo de concessão do mobiliário para exploração de propaganda por empresas privadas talvez possa servir (a ver…) para enfrentar alguns temas, mas não necessariamente dá conta de todas as necessidades da cidade. Existe um debate, por tanto, que precisa ser feito. E as demandas da cidade para que ela se torne um lugar confortável – onde seja possível permanecer e não apenas passar – precisam ser atendidas independentemente de sua viabilidade comercial.

* Originalmente publicado no Yahoo!Blogs.

Mobiliário urbano: a paisagem, o conforto… e o negócio!

Quem já está cansado de ver abrigos de ônibus, lixeiras e relógios digitais caindo aos pedaços na cidade de São Paulo ainda vai ter que esperar para ver essa situação resolvida. Desde que a Lei Cidade Limpa entrou em vigor, em fevereiro de 2007, proibindo propagandas nas ruas da cidade, o governo vinculou a permissão de anúncios comerciais no espaço público à proposta de uma mega-concessão bilionária de mobiliário urbano na capital.

Através dessa concessão, a empresa vencedora da licitação deteria o poder de explorar comercialmente espaços em abrigos de ônibus, postes de sinalização de paradas de transporte, relógios digitais e lixeiras e, em contrapartida, investiria na produção, reforma e manutenção destes equipamentos.

O texto do projeto de lei que regula o assunto foi enviado à Câmara Municipal no início de 2009 e já foi colocado em votação no plenário três vezes, mas encontrou a resistência de parlamentares que desejam modificar a proposta original.

O negócio – de R$ 2,2 bilhões – provoca na Câmara dois grandes campos de disputa. De um lado, as pequenas empresas do setor sustentam que só algumas multinacionais – que já são detentoras desta tecnologia em outros países – têm condições de participar da licitação. Do outro lado, o mercado publicitário, impedido desde 2007 de explorar os outdoors, defende a separação das concessões, já que abrigos de ônibus interessam menos do que relógios digitais, por exemplo.

Pouca atenção tem sido dada, entretanto, a aspectos que vão além do “negócio”. Para começar, um debate em torno do mobiliário urbano, por incrível que pareça, não discute o modelo de mobília que precisamos – e queremos – em nossa casa/cidade.

Questões como o conforto dos usuários de ônibus nos abrigos e o impacto de postes de 4 metros de altura “sinalizando” pontos de parada de transporte na combalida paisagem paulistana, por exemplo, parecem assuntos menores.

É mais ou menos como se, um belo dia, na nossa casa, fôssemos obrigados a conviver com um espanador de pó instalado no rabo de um elefante só porque a mensagem publicitária que vai financiar a produção do espanador de pó precisa de um suporte do tamanho de um elefante…

Afinal de contas, qual é o mobiliário de que a cidade precisa? Não temos banheiros públicos, as lixeiras são precárias, insuficientes e pouco adaptadas a seu uso. Quantas vezes nos deparamos com lixeiras superlotadas onde não cabe aquela garrafinha que nos recusamos a jogar no chão? Quantas vezes temos que esperar o ônibus do lado de um poste semi-enterrado que sequer avisa quais linhas passam por ali?

Embora sejam irritantes os relógios digitais que marcam 34:56 horas e 86 graus de temperatura, acho bom que o projeto de mobiliário ainda não tenha sido aprovado. São Paulo, assim como outras cidades, precisa de um bom debate público sobre que mobiliário urbano merecemos ter.

Se este não é viável para o modelo do negócio da propaganda, vamos rever esta ideia sem sentido de que precisamos, necessariamente, de um “pacote completo” de mobiliário urbano centralizado, com concessão para um “dono”, para que possamos, finalmente, ter uma cidade confortável.

* Originalmente publicado no Yahoo! Colunistas.