Operação urbana Água Branca: mais prédios com mais garagens e mais carros?

Matéria publicada ontem no Estadão diz que a Prefeitura de São Paulo quer revisar a Operação Urbana Água Branca, “permitindo um adicional de 1,85 milhão de metros quadrados no perímetro de 540 hectares entre a Lapa e a Barra Funda.” O texto completo pode ser lido aqui: Prefeitura vai liberar mais 16,7 mil imóveis no eixo Lapa-Barra Funda

No mesmo dia, o jornal publicou uma análise minha sobre a questão, que reproduzo abaixo.

Mais prédios com mais garagens e mais carros?

É uma total distorção do instrumento a maneira como a Prefeitura tem tratado as operações urbanas, reduzindo-as única e exclusivamente à venda de potencial construtivo acima do zoneamento para custear obras viárias.

De acordo com o Estatuto da Cidade, as operações urbanas são instrumentos que têm como objetivo principal reestruturar regiões, promovendo a renovação de padrões urbanísticos, a produção de habitação de interesse social em áreas bem localizadas e a recuperação de espaços públicos, entre outros. Mas, pouco a pouco, esses objetivos foram totalmente deixados de lado em nome da simples produção de metros quadrados de área construída adicional, de acordo com a demanda do mercado.

Na Operação Urbana Água Branca, um plano urbanístico foi desenvolvido, mas nunca foi implementado. Agora, a Prefeitura anuncia que quer rever a lei para oferecer ao mercado o que ele demanda: mais metros quadrados de área.

A discussão não deve ser a de quantos metros quadrados serão permitidos, mas que cidade queremos construir. Mais prédios cercados de muros e isolados com mais garagens e mais carros? Se for, o caminho da Água Branca deve ser o mesmo das demais operações urbanas e os nossos problemas só vão se agravar.

Essa é uma das últimas regiões do centro expandido com áreas vazias e potencial de produção de cidade. E vamos, uma vez mais, desperdiçar essa oportunidade, reproduzindo o padrão excludente e insustentável.

Do Estadão: “Plano Diretor tenta conter êxodo do centro”

Prefeitura aposta em operações urbanas; segundo Fundação Seade, região perderá 26 mil moradores até 2020, enquanto periferia ganhará 850 mil
08 de junho de 2010

Tiago Dantas – O Estado de S. Paulo

Barra Funda. Ideia é ocupar margens da linha

Evitar a fuga de moradores do centro da capital para a periferia e municípios da Grande São Paulo é um dos principais objetivos do Plano Diretor Estratégico, que entra em discussão hoje na Câmara. A saída apontada pelo projeto é diminuir os deslocamentos entre casa e trabalho, dando condições para a criação de polos de emprego em outras zonas e oferecendo incentivos financeiros para imóveis no centro e ao longo da linha do trem.

A tarefa, porém, não é simples, uma vez que a tendência dos últimos 30 anos é o esvaziamento do centro. Desde 1980, cerca de 180 mil paulistanos deixaram o local. E a região deve perder mais 26 mil moradores em dez anos, segundo projeção da Fundação Seade, com base nos censos do IBGE. Bairros da periferia, por sua vez, podem tornar-se o lar de mais 850 mil pessoas até 2020. Além do centro, devem perder população bairros onde já ocorre verticalização, como Tatuapé, Lapa e Ipiranga.

Essa estimativa, porém, não leva em conta iniciativas da Prefeitura que possam reduzir esse êxodo. “Se quiser competir mundialmente, São Paulo tem de reverter essa tendência”, diz o secretário municipal de Desenvolvimento Urbano, Miguel Bucalem. “O Plano Diretor prevê áreas de intervenções urbanas. E isso vai se dar, principalmente, por meio das operações urbanas que foram lançadas”, afirma. Outra medida é a divisão da cidade em macroáreas, que definem, basicamente, onde novos prédios poderão ser erguidos, em que locais o adensamento deve ser controlado e quais áreas devem ser reurbanizadas.

Críticas. O projeto não é capaz de reverter o adensamento da periferia, na opinião da urbanista Raquel Rolnik. “Tatuapé e Lapa perderam população quando começaram a se verticalizar nos últimos dez anos”, afirma.

“É fundamental combater a ociosidade de prédios do centro”, diz o arquiteto, Nabil Bonduki, relator do Plano Diretor de 2002. Para ele, deve haver uma “mescla de atividades e classe sociais” dentro das cinco operações urbanas previstas.

2 RAZÕES PARA…
Prestar atenção no Plano Diretor

1. É o instrumento que define em que direção a cidade deve crescer, que bairros podem receber mais habitantes e prédios e quais são as áreas ambientais que devem ser preservadas

2.O Plano Diretor busca coordenar o crescimento da cidade com a capacidade de serviços – como a rede de transporte coletivo nos bairros, o que define linhas de ônibus

Fonte: Estadão.com.br

Entrevista ao iG: “Esvaziamento é fruto do aumento de prédios”

“Esvaziamento é fruto do aumento de prédios”

Especialista alerta para mudança no padrão tradicional dos bairros e impacto no trânsito

Matheus Pichonelli

Prédios e trânsito ao fundo no Butantã, onde construções serão limitadas pelo projeto

Raquel Rolnik, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP, afirma que o processo de esvaziamento de bairros como Lapa, Tatuapé e Santo Amaro, apontado pelos vereadores como motivo para incentivar a verticalização da região, está ligado justamente ao aumento de unidades imobiliárias lançadas nessas áreas nos últimos anos. O modelo de verticalização adotado em São Paulo, diz, “produz muita área construída e pouca densidade demográfica”.

“No Tatuapé isso é muito claro. Existem muitos apartamentos com grande área comum em grandes áreas exclusivas e menos gente vivendo no padrão tradicional do bairro, que eram os sobradinhos. O mesmo fenômeno se observa agora mais recentemente no caso da Lapa”, analisa.

De acordo com a especialista, isso acontece justamente porque o modelo de verticalização busca o “enobrecimento” do bairro e substitui uma população residente no bairro de classe média e classe média baixa por uma de renda muito mais alta.

Com a valorização das áreas, diz, muitas das pessoas que pagam aluguel acabam deixando o local porque não têm condições de arcar com os novos valores. “As casas acabam servindo para uso comercial e de serviços para atender a esse novo padrão de consumo”.

Impacto no tráfego

Outro fenômeno, segundo Rolnik, é que, como as famílias atraídas para esses empreendimentos não costumam usar transporte público, lançam mais veículos nas ruas e provocam impacto no tráfego e no meio ambiente. “É um modelo perverso de verticalização em que você poder subir mais o prédio se deixar mais espaço vazio no térreo. Isso só afasta os vizinhos, e é muito caro”.

Segundo ela, a partir de agora é necessário haver um acompanhamento detalhado sobre as mudanças que serão feitas no projeto até o dia da sua votação.

Fonte: iG São Paulo

O que as operações urbanas vão fazer por São Paulo?

Três novas operações urbanas serão lançadas pela prefeitura para adensar áreas pouco ocupadas e aquecer o mercado imobiliário. Essas áreas são: Lapa-Brás, Mooca-Vila Carioca, na zona leste, e Jacu, que acompanha o traçado da Avenida Jacu Pêssego, também na zona leste.

Para entender essas operações, precisamos dividi-las em duas. A primeira, que inclui as áreas Lapa-Brás e Mooca-Vila Carioca, parte da intenção de repovoar, reabilitar, transformar áreas que são lindeiras às ferrovias. Essas operações já faziam parte do Plano Diretor, tinham outros nomes, uma chamava-se Orla Ferroviária, a outra Diagonal Sul, e agora estão recebendo outras denominações. A ideia é que essas áreas, que estão ao longo das ferrovias e, sobretudo, em antigas regiões industriais, possam ser reutilizadas e que lançamentos residenciais, comerciais, e de serviços possam ocupar esse lugares.

A outra operação, ao longo da Avenida Jacu Pêssego, é totalmente diferente. Na prática, a avenida está se transformando no trecho leste do Rodoanel, porque ela liga todas aquelas rodovias que vão para o porto – que já estão conectadas através do Rodoanel com as demais rodovias do estado – com a Ayrton Senna e a Trabalhadores, enfim, que vão na direção do norte do Brasil. A ideia na Jacu Pêssego não é a mesma que nos outros locais. Lá o objetivo é estimular a instalação de indústrias, condomínios de logística, e outros tipos de empreendimentos, já que ela vai se transformar numa espécie de margem do Rodoanel.

Então são duas problemáticas diferentes. E na cidade de São Paulo nós já temos operações urbanas que estão em andamento, como a Faria Lima, a Água Espraiada, a Água Branca, perto da marginal do Tietê, a Vila Sônia, que está sendo anunciada, entre outras. A questão toda é o jeito como estão sendo feitas as operações urbanas em São Paulo. Elas estão, basicamente, lançando potencial construtivo acima do que o zoneamento permite. As construtoras e incorporadoras interessadas compram e, depois, com esse dinheiro, são feitas as obras de melhorias no local. E essa é uma discussão que preocupa vários urbanistas porque cada operação tem uma natureza diferente.

Além disso, cada área tem características próprias e pensar que tudo se transforma em venda de potencial construtivo é reduzir muito o que uma operação urbana é capaz de fazer. Resumindo: é muito importante reestimular de forma planejada a ocupação ao longo das ferrovias. Isso é muito positivo. E é muito positivo que haja novos empreendimentos e que as construtoras possam trabalhar lá, oferecendo mais moradia, comércio e serviço.

Agora, a grande discussão é: será que é através da venda de potencial construtivo que a gente vai conseguir isso? Essa é uma grande discussão.