A torre da crise política… e a preservação das cidades

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Ilustrações de divulgação do empreendimento La Vue, em Salvador. Impacto na paisagem é diferente sob diferentes ângulos

As denúncias feitas pelo agora ex-ministro da Cultura Marcelo Calero sobre a pressão exercida pelo titular da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima, para que o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) aprovasse um empreendimento na orla da Barra, bairro nobre de Salvador (BA), e o suposto conluio do próprio presidente da República com essas pressões gerou uma nova crise, derrubou um ministro, ameaça o presidente e seus auxiliares próximos e, uma vez mais, questiona os limites das práticas do uso das posições de comando nas estruturas de Estado para obter vantagens e benefícios pessoais para os agentes políticos e empresários envolvidos.

Assim como em relação ao Caixa 2, o superfaturamento de obras, as relações perversas entre empreiteiras, partidos e governos, pressões desse tipo são velhas práticas do modo de governar brasileiro que, neste momento, têm dificuldade de passar despercebidas, ou naturalizadas, como tem sido há décadas.

Mas, para além do debate do uso do Estado para benefícios pessoais, partidários e empresariais, o caso da torre na orla de Salvador, levanta outras questões da maior importância que, infelizmente, não têm aparecido no debate.

A primeira delas se refere à forma como tem sido tratados em nossas políticas urbanas os temas da paisagem, da memória, da preservação versus os processos de transformação, que, muitas vezes, implicam também em destruição. Hoje, as regras que definem o que se pode fazer em cada terreno da cidade estão geralmente definidas nas leis de zoneamento e planos diretores.

Esses, na maior parte dos casos, pressupõem que – à exceção de áreas em que um ambientalismo, claramente antiurbano, define como de “preservação ambiental” – todas as demais estão destinadas a, num futuro próximo ou distante, se transformar em torres e/ou outros produtos imobiliários lançados pelo mercado. Ou seja, justamente as dimensões da paisagem, da memória, da especificidade histórica dos conjuntos construídos têm pouca ou nenhuma relevância.

Esses últimos, por outro lado, se entrincheiraram em um lugar específico da gestão do Estado sobre o território – os chamados “órgãos de patrimônio”, que por sua vez, se definem como “gestores” daqueles bens considerados significativos e, portanto, tombados e responsáveis por sua tutela para que não sejam destruídos e nem que intervenções a seu redor atrapalhem sua fruição.

Com isso, o “patrimônio histórico”, que deveria estar integralmente embebido nos critérios do que destruir e do que preservar nos processos de transformação da cidade, acaba se transformando numa espécie de instância recursal, onde os conflitos que não tiveram vez nem voz nas decisões sobre a cidade se manifestam. Assim tem sido no caso do Cais da Estelita, em Recife, assim como e do Teatro Oficina, em São Paulo.

Com um pequeno, mas bem significativo detalhe: ao contrário das regras de uso e ocupação do solo que envolvem o debate público e acabam virando lei – ainda que, insisto, normalmente capturadas pelos interesses do mercado imobiliário, que é quem mais organizadamente interfere nessas questões na cidade – nas regras de patrimônio histórico raramente as definições do que pode e o que não pode ser feito em volta de um bem tombado estão claras.

São poucos os bens ou sítios tombados que tem um regramento claro do que exatamente se pode fazer a seu redor. Geralmente, são as propostas dos empreendedores que, analisadas caso a caso através de pareceres técnicos do órgão, acabam sendo aprovadas ou vetadas. Isso abre evidentemente margem para muitas interpretações e discricionariedades. Essa discricionariedade dá margem a pressões políticas de todos os lados, de quem quer aprovar, assim como de quem quer vetar.

O caso da torre da orla da Barra, em Salvador, veio à tona agora, mas é preciso dizer que esse tipo de embate ocorre às dezenas pelo país. Inclusive, com os próprios técnicos discordando de pareceres de outros técnicos e muitas vezes, com a participação do Ministério Público nas controvérsias.

Não queremos com estas considerações de forma alguma minimizar a gravidade dos fatos: um ministro de Estado usar seu cargo para fazer outro ministro mudar um parecer para viabilizar um apartamento supostamente de sua propriedade. Mas o que queremos aqui é chamar a atenção para a extrema fragilidade e subdesenvolvimento de nossa política urbana, inclusive e talvez principalmente, nos aspectos relativos ao que pode ou não ser destruído diante da máquina de crescimento econômico e rendimento financeiro que conduz nossas cidades.

A torre da crise, para além de levantar questões de corrupção, mais uma vez, mais esconde do que revela as nuances por trás disso: qual é a margem de discricionariedade? Como se dão esses processos de aprovação ? Quem define o destino da cidade? Como os cidadãos podem participar mais dessas definições? Como as decisões sobre o futuro das cidades (em sua relação com sua história e memória) podem ser tomadas de maneira mais transparente?

Publicado originalmente no blog Raquel Rolnik, no portal Yahoo!

É possível uma paisagem urbana sem fios elétricos nas cidades do Brasil?

Reportagem publicada pela Folha de São Paulo, nesta sexta-feira, afirma que a Eletropaulo vai dar início a um esquema intensivo de podas de árvores na cidade para evitar apagões na rede elétrica na temporada de chuvas. Segundo o jornal, em janeiro deste ano várias regiões da cidade tiveram um número recorde de horas sem energia.

A poda de árvores é importante e deve ser feita de forma cuidadosa para não lhes causar danos. No entanto, essa está longe de ser a saída definitiva para o problema. Como aponta a reportagem, tanto do ponto de vista técnico como estético, a solução urbanística mais correta e definitiva é o enterramento de toda a fiação. Cidades como Londres, Paris e Nova York têm quase toda sua rede elétrica no subterrâneo. A Grande São Paulo tem hoje enterrados apenas 5% de seus 30 mil quilômetros de fios e cabos.

Em 2005, a Câmara Municipal de São Paulo aprovou a Lei N º 14.023, que obriga concessionárias, empresas estatais e operadoras de serviço a enterrar todo o cabeamento (de rede elétrica, telefonia, televisão e afins) instalado no município. A regulamentação da lei, em vigor desde 2006, prevê o enterramento de 250 quilômetros de fios e cabos por ano. Se estivesse sendo cumprida, São Paulo já teria mais de mil quilômetros de fiação subterrânea.

Em âmbito nacional, o Programa Monumenta, do IPHAN (Instituo do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) promoveu o enterramento de fios e cabos em trechos de cidades históricas. A solução em cada local foi buscada caso a caso, através de parcerias que envolveram prefeituras, governos estaduais e o próprio IPHAN. Estranhamente, as concessionárias que entraram nessas parcerias só o fizeram através da utilização de mecanismos da Lei Rouanet, ou seja, recebendo isenção fiscal (dinheiro público) em troca do investimento.

Além disso, foi firmado um termo de compromisso entre o IPHAN e a Eletrobrás, no âmbito do PAC das Cidades Históricas, que nunca saiu do papel. Este termo prevê a participação das distribuidoras de energia elétrica no enterramento da rede em sítios históricos.

Sabe-se que os investimentos para enterrar a fiação são altos. Em São Paulo, a pequena parte que hoje está enterrada foi feita com recursos da prefeitura e também de empresas privadas. O fato é que essa questão já foi mal encaminhada desde o processo de privatização do sistema elétrico, que sequer considerou este tema.

As cidades que têm legislação sobre o tema, como São Paulo, precisam colocá-la em prática. Além disso, é necessário que haja uma negociação mais ampla, envolvendo governo federal, estados, municípios e, evidentemente, as concessionárias.

TCU autorizou licitação do trem-bala. Mas ele ficará pronto para 2014?

O leilão que define o consórcio construtor do trem de alta velocidade que vai ligar Rio de Janeiro, São Paulo e Campinas vai ocorrer até o final de novembro. A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) informou que, com a licitação acontecendo no final do ano, as obras poderão ser iniciadas até o final de 2011. O prazo para conclusão é de 5 anos. Muitos estão se perguntando se poderemos contar com esse meio de transporte para a Copa de 2014. Esqueçam. Talvez para as Olimpíadas de 2016 e olhe lá.

O Tribunal de Contas da União (TCU) havia suspendido o edital de licitação do trem-bala e passou um longo tempo fazendo uma análise técnica. Agora foi anunciado que o governo federal já pode fazer o edital de licitação para contratar a empresa que vai desenvolver o projeto-executivo, que pode ser diferente do projeto básico, e construir o trem contando com financiamento público.

Entre as decisões tomadas pelo TCU, estão a de que o financiamento público deverá corresponder a apenas 60% do custo total da obra – isso quer dizer que a empresa que apresentar a proposta terá que entrar com 40% -, e que o preço máximo da passagem será de R$ 200,00, valor que muitos acharam alto já que é muito próximo ao da ponte-aérea Rio-SP e, portanto, ficam dúvidas em relação à atratividade de um trem-bala com este custo.

Por outro lado, o TCU também definiu que só poderá vencer o edital quem apresentar o menor preço da passagem. Havia uma possibilidade de fazer um edital cujo critério básico fosse o maior aporte de capital. O fato é que estamos numa guerra entre os grandes fornecedores de trem-bala do mundo: os chineses, coreanos e japoneses, de um lado e, de outro, os europeus, principalmente a Alemanha e a França. E os chineses contavam com a possibilidade de aportar mais capital, coisa que os europeus não consideravam. Então, de certa maneira, esta decisão favorece as companhias europeias. De qualquer maneira, como eu já disse, não podemos contar com este trem-bala para a Copa.

De outro lado, eu já tinha comentado que uma das obras mais adiantadas era a do VLT (veículo leve sobre trilho) de Brasília, mas os atrasos já começaram. O governo do Distrito Federal não apresentou o projeto-executivo ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e isso devia ter sido feito, já que o plano-piloto de Brasília é inteiramente tombado. Resultado: o IPHAN suspendeu a obra. E isso significa atraso nas obras até que o governo do DF apresente o projeto e o IPHAN possa aprová-lo. O VLT fará a ligação do aeroporto com a avenida W3 norte-sul e com o sistema de metrô.

E em São Paulo a novela continua. Foi assinado um convênio entre o governo do estado e a prefeitura do município de São Paulo para contratar o projeto de um monotrilho, que está sendo chamado de linha 17 ouro do metrô, mas é um monotrilho que vai ligar a estação Jabaquara com o Morumbi, passando pelo aeroporto de Congonhas. Mas este projeto sequer existe. Ele ainda será contratado e, a partir daí é que poderão ter início as obras do monotrilho.

Eu já havia comentado aqui que me parece bastante complicado esse monotrilho já que trata-se de um trem suspenso no ar, passando por várias avenidas da capital, como a Washington Luis, a Chucre Zaidan e a Giovanni Gronchi. Enfim, me parece que São Paulo não precisa de um novo minhocão exatamente no momento em que se discute desmontar os já existentes.