Será que a aprovação de um projeto de lei resolve o problema da gestão metropolitana?

Matéria publicada domingo, no portal do Estadão, afirma que o governo do Estado está empenhado em aprovar este ano, na Assembleia Legislativa, o projeto de lei que cria a região metropolitana de São Paulo. Segundo a matéria, oficialmente, a região metropolitana não existe, já que o decreto federal que a criou nos anos 1970 teria perdido o valor com a Constituição de 1988, que determinou que caberia aos Estados criar suas regiões administrativas.

Estando ou não em vigor o decreto de 1973, a questão fundamental que tem impedido a existência de uma região metropolitana não é a falta de um marco jurídico. A Constituição de 1988 reforçou a autonomia municipal e não enfrentou o tema das cidades que abarcam vários municípios, criando assim um grande problema político. E esse não é o caso apenas de São Paulo. Isso ocorre em pelo menos vinte cidades do país.

A questão, portanto, é politica: um modelo de gestão metropolitana criado no período autoritário fazia da região metropolitana uma criatura sob controle dos governos estaduais. Esse modelo se tornou absolutamente inviável com a conquista da autonomia municipal após 1988. Então qualquer tentativa de um governo estadual de criar um organismo de gestão metropolitana em que  ele tenha hegemonia vai esbarrar na resistência dos municípios que não querem perder sua autonomia.

Me parece, portanto, que esse debate não se resolve com a aprovação de um projeto de lei. Na verdade, o modelo federativo brasileiro desconhece as regiões e conjuntos de municípios que constituem uma cidade apenas. Trata-se de um modelo federativo muito subdesenvolvido em termos de mecanismos de articulação federativa horizontal, ou seja, de cooperação entre municípios e de cooperação entre municípios, governos estaduais e federal, para o enfreantamento da gestão das cidades.

Sem repensar esse modelo, que é todo baseado em relações verticais, dificilmente vamos conseguir ter uma gestão metropolitana, o que é absolutamente urgente.

Para ler a matéria do Estadão, clique aqui.

Os desafios da gestão metropolitana para os próximos governantes

Passado o primeiro turno das eleições, já temos governadores eleitos em vários estados, como São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Bahia e outros. Mas alguns temas fundamentais, como a gestão metropolitana, não apareceram no debate eleitoral e terão que ser encarados pelos novos (ou antigos) governantes.

O que é, afinal, a gestão metropolitana? Nas grandes cidades brasileiras encontramos situações nas quais uma cidade ocupa o território de vários municípios. É assim em São Paulo, que tem 39 municípios na sua região metropolitana; em Belo Horizonte, que tem 34; e também no Rio de Janeiro, em Curitiba, Porto Alegre, e várias outras cidades.

Lá pelos anos 1970, foi montada uma forma de administração da metrópole e tínhamos algumas empresas de desenvolvimento metropolitano e um órgão de planejamento. Eu diria que não foi feita muita coisa, mas havia algum nível de gestão metropolitana. A partir da redemocratização do país, o pouco que existia caiu totalmente por terra, já que os municípios ganharam muito mais autonomia.

De fato, antes, as metrópoles eram mesmo controladas pelos governos estaduais e, com a autonomia dos municípios, isso perdeu o sentido, O problema é que nada foi colocado no lugar. E hoje há temas muito complicados como, por exemplo, a mobilidade, que não podem ser tratados isoladamente por cada município.

E é isso que acontece. Cada município tem seus concessionários de ônibus, as linhas não são integradas, não há ligação entre os sistemas metroviários e o sistema de ônibus, entre outros problemas. E para temas como mobilidade e saneamento, por exemplo, é fundamental que haja algum nível de gestão metropolitana.

Das metrópoles brasileiras hoje, a única que deu algum passo na direção de retomar essa pauta foi a região metropolitana de Belo Horizonte, que criou recentemente uma agência de desenvolvimento, ligada ao governo do estado, a fim de tentar fazer um processo de discussão com os municípios, mas que, concretamente, em termos de ações e serviços, ainda não avançou muito.

Na região metropolitana do Recife teve início um processo de constituição de uma empresa metropolitana de transporte, que herdaria o trem da CBTU, transformado em metrô, que começaria a fazer essa gestão. Mas tampouco esse projeto foi pra frente. Aqui na região do ABC, em São Paulo, tentou-se montar um consórcio entre os vários municípios e isso acabou também não funcionando.

Acho que a maior dificuldade para que isso aconteça hoje é de natureza política, pois no modelo do passado, da época da ditadura militar, quem mandava na metrópole era o governo estadual. Na hora que os municípios ganharam autonomia, elegeram seus prefeitos e passaram a ter vida democrática intensa, essa ideia de que o governo estadual manda no município que faz parte de uma metrópole começou a ser completamente contestada.

Então, hoje, a grande dificuldade é conseguir montar uma gestão que consiga superar essas diferenças políticas. Muitas vezes os prefeitos são de um partido, o governador de outro, há muitos embates políticos e muitas dificuldades. Reina a mentalidade de que cada município no Brasil deve fazer carreira solo, fazer suas políticas como se os vizinhos não existissem.

E é preciso que se diga: as metrópoles não vão andar pra frente se não houver uma gestão metropolitana. Acho que isso é um dos grandes desafios dos novos governadores eleitos.  E, de fato, só com os municípios, sem a participação do estado e, eu diria mais, sem a participação do governo federal, muito dificilmente as regiões metropolitanas vão pra frente.

Ainda temos o segundo turno das eleições. Vamos ver se conseguimos pautar esse tema no debate presidencial que ainda está em andamento e entre os futuros governadores.