Em vários países do mundo diminuiu a quantidade de favelas, mas aumentou o número de favelados

Aconteceu hoje (26) a cerimônia de encerramento do Fórum Urbano Mundial. E como todo grande Fórum – participaram quase quinze mil pessoas – este foi uma espécie de feira onde houve espaço para tudo.

Ontem, por exemplo, aconteceram, exatamente no mesmo horário, dois eventos ligados à questão da Copa do Mundo e das Olimpíadas. Um deles foi presidido pela Anna Tibaijuka, que é a presidente geral da UN-Habitat (agência das Nações Unidas para os assentamentos humanos) e discutiu questões sobre esporte e inclusão social, mostrando a quantidade de investimentos na área esportiva e nas favelas. Ou seja, investimentos relacionados à existência da Copa do Mundo e das Olimpíadas como uma oportunidade para promover inclusão social através do esporte.

O outro evento também envolvia a questão da Copa do Mundo e das Olimpíadas, mas a discussão era sobre as comunidades que estão ameaçadas de remoção e a preocupação com os direitos humanos. Participaram pessoas de várias cidades que receberam copas do mundo. Estavam lá os sul-africanos, falando de suas preocupações, das coisas que estão acontecendo por lá, de promessas não cumpridas.

Enfim, duas posições totalmente diferentes no mesmo Fórum. E eu diria que esta foi a tônica do Fórum, que apresentou posições muito diferentes, que puderam se expressar, mas que não chegaram exatamente a uma conclusão, enfim, nem mesmo a algo que direcione a linha de atuação da UN-Habitat (Agência da ONU para os assentamentos humanos).

Há um dado muito interessante divulgado recentemente, que mostra que diminuiu em vários países, entre eles o próprio Brasil, o número de favelas. Essa conta foi feita a partir do número de habitantes que foram envolvidos em projetos de urbanização, de melhoria, etc. Então, podemos dizer que avançou muito, no Brasil e em outros países também, como a Índia, o saneamento, a estrutura urbana, o projeto de desenvolvimento das cidades.  Mas, ao mesmo tempo, os dados também mostram que aumentou o número de favelados, ou seja, aumentou o número de moradores nas favelas já existentes.

É exatamente nesta contradição que nós andamos. Há avanços, não há como negar, mas ao mesmo tempo os desafios são enormes e em escala gigantesca. A Ásia e a África agora estão passando por processos de urbanização muito intensos, e lá nós vamos assistir ao que já aconteceu na América Latina. Hoje, na América Latina como um todo, menos de 25% da população tem uma condição urbana totalmente precária.

E, certamente, Olimpíada e Copa do Mundo são grandes oportunidades para as cidades e é muito importante para nós e para o Brasil poder mostrar que dá para aproveitar essas oportunidades para melhorar nossas cidades.

Hoje há duas formas principais de enfrentar a questão da moradia no mundo, e elas estão no Fórum do Rio

O tema da moradia é uma das questões mais importantes que estão sendo debatidas no 5º Fórum Urbano Mundial, no Rio de Janeiro. E há duas linhas principais em relação a como enfrentar a questão da moradia, especialmente quando se trata da produção de casas.

Uma é semelhante à posição do governo brasileiro em relação à moradia, materializada no programa “Minha Casa Minha Vida”, que tem como meta construir um milhão de casas.  Essa linha aparece claramente na política apresentada por alguns países no Fórum como, por exemplo, Angola. Os angolanos lançaram um programa chamado “Meu Sonho Minha Casa”, cuja meta é construir um milhão de “fogos”, que é como se chamam as moradias no português de lá. Qualquer semelhança, portanto, não é mera coincidência.

Evidentemente, essa política se relaciona com as empresas brasileiras que atuam hoje em Angola. Mas não é apenas este país que traz esse tipo de abordagem em relação à moradia. Antes mesmo do Brasil, muitos outros, como México e Chile, também adotaram modelos semelhantes – baseados na construção em massa, combinando empresas privadas e subsídios públicos, para que essas moradias cheguem a camadas da população de renda mais baixa.

A outra linha, e há um debate muito forte em torno dela neste Fórum, são as instituições privadas que promovem fundos de investimento dirigidos diretamente para as comunidades pobres e administrados por cooperativas dessas comunidades. Como, por exemplo, um fundo de investimento patrocinado pelo Bill Gates, da Microsoft, criado para financiar moradores de favelas. Neste modelo, o dinheiro é emprestado diretamente para as comunidades pobres, e está muito forte na Ásia e na África. Há vários grupos aqui trazendo suas experiências nesse campo.

Transporte e imobilidade é um dos temas em debate no 5º Fórum Urbano Mundial

O mundo da política urbana e habitacional está reunido aqui no Rio de Janeiro e entre os muitos temas que serão debatidos está a questão do transporte e da imobilidade. Nós estamos andando hoje em cidades como o Rio e São Paulo a uma velocidade média de 19 km/h. É mais ou menos a velocidade das mulas, quando era esse o nosso transporte no século XVIII.

Em outras cidades, inclusive latino-americanas, como, por exemplo, em Buenos Aires, na Cidade do México, e em San José, na Costa Rica, a velocidade média não é lá essas coisas, mas é o dobro da nossa, 40 km/h. Isso faz com que, em média, no Rio de Janeiro e em São Paulo uma pessoa demore de 68 a 82 minutos entre a casa e o trabalho. Em Santiago e em Buenos Aires, são 30 minutos, uma situação bem melhor que a nossa.

Fórum Urbano Mundial ocupará a zona portuária do Rio de Janeiro na próxima semana

Entre os dias 22 e 26 de março, a cidade do Rio de Janeiro sediará a 5ª edição do Fórum Urbano Mundial (FUM), promovido pela agência das Nações Unidas para assentamentos humanos, a UN-Habitat. Foi na Conferência de Istambul, em 1996, que a UN Habitat passou a incorporar, para a formulação de sua estratégia de atuação internacional no campo da política urbana e habitacional, além dos governos nacionais, a interlocução com os diversos atores envolvidos no mundo urbano: governos locais e poderes legislativos, sociedade civil, movimentos sociais organizados, a academia e o setor privado.

Cerca de 19 mil pessoas de mais de 170 países se inscreveram para participar desta edição do Fórum, a primeira a ser realizada na América Latina, sob a coordenação de UN-Habitat, do Ministério das Cidades e da prefeitura do Rio de Janeiro. Mais da metade dos inscritos são latino-americanos (10.498), sendo 9 mil brasileiros. Em seguida vêm África (4.731), Ásia (1.772), Europa (1.103) e América do Norte (750). Na divisão por segmentos, 4.262 inscritos são da sociedade civil, 3.497 de governos locais, 3.045 da academia, 2.366 de governos nacionais, 1.553 do setor privado, além de outros.

Vários eventos paralelos ocorrem durante o Fórum – entre eles, a Assembleia de Governos Locais, de Parlamentares, de Gênero, da Juventude e, este ano, o Fórum Social Urbano, evento promovido pelos movimentos sociais. A programação do FUM é estruturada em espaços de diálogo com representantes dos distintos segmentos; mesas redondas temáticas, eventos de rede e eventos de treinamento/capacitação. O Fórum é um espaço para o qual convergem experiências concretas em diversos campos: na política urbana, ambiental, habitacional, na gestão. É também um lugar de articulação de redes, discussão, formulação e construção de plataformas.

O tema desta edição, proposto pelo Brasil, é “Direito à cidade: unindo o urbano dividido”. Para o Comitê Organizador Brasileiro, que formulou a proposta a partir do diálogo com uma rede de instituições sindicais, de pesquisa e de movimentos organizados em torno do tema, a questão central a ser debatida é: como promover o desenvolvimento urbano com justiça, equidade e de forma democrática, fazendo do direito à cidade a âncora de um novo paradigma de cidade?

A presente edição do Fórum acontece em um momento particular: a crise ambiental e a débâcle do sistema financeiro colocaram em cheque uma forma de produção e gestão das cidades profundamente impactada pela lógica da expansão ilimitada dos mercados e produção de bens e pela materialidade da cidade (seus espaços/suas edificações) como ativos financeiros, ambos inscritos em uma esfera global. Os limites deste modelo, antes de mais nada, revelaram-se na imensa massa de indivíduos e grupos inseridos precariamente em cidades cada vez maiores e mais vastas.

Revelaram-se também nos contra-efeitos de uma tecnologia urbana arrogante, que pretendeu transformar sítios naturais e geografias em paisagens integralmente dominadas, das quais as enchentes e congestionamentos são apenas algumas das expressões. Do ponto de vista do governo urbano, a ideia de sociedade governada por corporações foi tomando conta da gestão urbana a ponto de gerar um imaginário sócio-político no qual a própria cidade se transformaria em uma corporação, gerida de forma eficiente e competitiva. Até nos darmos conta de que a dimensão pública da cidade, sua razão e raiz, não subsistem a uma lógica ditada unicamente pelo desejo do lucro privado.

Discutir o futuro do mundo urbano a partir do Direito à Cidade pode oferecer um ponto de partida para a construção de um novo paradigma. A questão ambiental, assim como o tema do governo e das tecnologias urbanas ganham outros contornos se considerarmos o princípio de que o acesso aos bens culturais, econômicos, cívicos e ambientais que a cidade oferece deve ser para todos.

Sediar o Fórum Urbano Mundial no Brasil hoje tem também um sentido especial: o país vive uma euforia de crescimento econômico e de redefinição de seu papel na ordem mundial, enfrentando internamente o desafio de seu amadurecimento sócio-político. Para o país, redesenhar o futuro de suas cidades – hoje improvisadas, pujantes, caóticas e cruéis – é essencial para que esta trajetória de desenvolvimento não repita os erros e ilusões do modelo agonizante que não queremos – e não podemos mais! – perpetuar.