FGTS mais uma vez vai salvar investimento imobiliário “micado” no Porto Maravilha

Por Helena Galiza* e Raquel Rolnik**

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Montagem com prédio da Caixa Almirante Barroso, com a fachada em obras (foto: HGaliza, jan 2018) e empreendimento Aqwa Corporate

O Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro publicou no jornal BancaRio, em novembro de 2017, que “o Conselho Diretor da Caixa Econômica Federal decidiu transferir os empregados e todos os setores do prédio da Avenida Almirante Barroso para o empreendimento Acqwa Corporate, pertencente à empresa internacional Tyshman Speyer”, localizado na área da Operação Urbana Consorciada Porto Maravilha. A matéria considera esta “mais uma transação nebulosa” da Caixa, decidida sem qualquer debate e baseada em estudos técnicos de acesso restrito até para os funcionários da área de logística da empresa.

O vice-presidente do sindicato, Paulo Matileti, cobrou do presidente da Caixa Gilberto Occhi a suspensão do processo de mudança para a região portuária. Segundo o sindicalista, “o presidente da Caixa recebeu o ofício, mas não fez qualquer menção quanto à possibilidade de reversão da transferência”. Matileti afirma, ainda, que a direção da Caixa alegou que investiu “mais de R$ 5 bilhões do FGTS nas obras do Porto Maravilha, da qual grandes empresas fazem parte, e a transferência da empresa faz parte deste projeto”.

O presidente da Caixa declarou também que “o prédio da Barroso está deteriorado e que uma reforma custaria mais caro do que a mudança para o novo imóvel”. O atual imóvel ocupado pela empresa localiza-se no coração do Rio, na esquina das Avenidas Rio Branco e Almirante Barroso. Foi projetado e construído nos anos 1960, especialmente para a Caixa. Em 2003, passou a lastrear o Fundo de Investimento Imobiliário Edifício Almirante Barroso, administrado pelo banco BTG Pactual Serviços Financeiros S.A., cujo único locatário é a própria Caixa.

 

A Tishman Speyer é uma incorporadora e administradora imobiliária  transnacional de empreendimentos de alto padrão em todo o mundo. Em seu website, o AQWA Corporate é descrito como um arrojado “complexo corporativo Classe A assinado por Foster+Partners e desenvolvido com a expertise global”. O imóvel está localizado à beira da Baía de Guanabara e, segundo a empresa, “estrategicamente posicionado no coração da maior área de intervenção urbana do país – o Porto Maravilha”. Enfatizando a vista da beleza da cidade, o site informa, ainda, que o prédio terá 21 andares e disporá de 74.231 m² de área (locável).

O site especializado em economia Relatório Reservado, em nota intitulada “Porto fantasma”, de julho do ano passado, cita os efeitos da crise econômica e as dificuldades enfrentadas pela Tishman Speyer para fechar um só contrato de locação do Aqwa Corporate. Comenta ainda que, nessa época, “o índice de imóveis comerciais vazios na região portuária do Rio beira os 89%”. Mais recentemente, outra nota, intitulada “Legado olímpico – Porto Maravilha”, informa que a “Tishman Speyer já baixou em 40% o valor da locação do Aqwa Corporate, no Porto Maravilha, no Rio. Ainda assim, cerca de 70% do prédio seguem vazios”.

A Caixa tornou-se a maior investidora do Porto Maravilha quando, em 2010, comprou todos os certificados de potencial adicional de construção (Cepacs) da Operação Urbana Porto Maravilha, usando R$ 8 bilhões do FGTS. Assumiu também a gestão dos fundos imobiliários criados especialmente para a operação, dentre os quais o Fundo de Investimento Imobiliário Porto Maravilha (FII PM), onde foram depositados todos os Cepacs. Na condição de proprietário desses títulos, o fundo passou a investir nas torres comerciais de alto padrão e associou-se aos empreendedores da região, que não mais precisaram comprar os certificados correspondentes àqueles empreendimentos.

Notícia do jornal Valor sobre o primeiro negócio desenvolvido pela parceria Caixa-Tishman Speyer menciona que o FII Porto Maravilha participou do projeto com o terreno e os Cepacs, enquanto a empresa estrangeira entrou com “o investimento total necessário para o projeto”. A Caixa, gestora do FGTS e do FII PM, assumiu esse tipo de associação também nos demais empreendimentos imobiliários da região.

 

Com a débâcle do Porto Maravilha, a Caixa, ou melhor, o FGTS – fundo público de propriedade dos trabalhadores –, tem amargado prejuízos. A decisão da estatal de alugar o edifício é, uma vez mais, a repetição da clássica “solução” brasileira: usar o fundo público, os recursos dos trabalhadores e trabalhadoras, para salvar investidores e incorporadoras transnacionais..

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Helena Galiza é Arquiteta, doutora em urbanismo, pesquisadora do Laboratório Ettern/Ippur/UFRJ. Trabalhou mais de trinta anos no governo federal (BNH, Iphan e Caixa Econômica Federal), com política urbana, habitação social e reabilitação de áreas centrais. Presta assessoria técnica voluntária a movimentos sociais de luta pela moradia nas áreas centraiscordi. Teve a operação Porto Maravilha como estudo de caso da tese doutorado (UFRJ, 2015). Lattes

** Raquel Rolnik é urbanista, professora de Planejamento Urbano da FAU USP e coordenadora do LabCidade. Livre-docente pela FAU USP e doutora pela New York University, foi coordenadora de urbanismo do Instituto Pólis, diretora de Planejamento Urbano da cidade de São Paulo, secretária de Programas Urbanos do Ministério das Cidades e relatora especial da ONU para o Direito à Moradia Adequada. É autora dos livros “O que é a Cidade”, “A Cidade e a Lei”, “Folha Explica São Paulo” e “Guerra dos Lugares”. Lattes

Mudanças no FGTS e no Minha Casa Minha Vida: e os mais pobres?

Foto: @felixfranklin/Instagram

Recentemente, a equipe do presidente em exercício Michel Temer anunciou duas medidas que envolvem diretamente o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS): a liberação do saque pelos trabalhadores para o pagamento de dívidas e a revisão dos limites de renda atendidos pelo programa Minha Casa Minha Vida (MCMV) por meio do fundo.

Por um lado, poder sacar os recursos do FGTS é bom para o trabalhador, que pode usá-lo como bem entender, inclusive comprando ou construindo sua própria casa, em vez de depender das unidades de péssima qualidade ofertadas historicamente pelos programas públicos. Mas, por outro, essas ações depenam os recursos do fundo, que ainda são a principal fonte de financiamento para habitação e saneamento no país.

Para entender a gravidade da questão, é necessário lembrar que a política habitacional no Brasil, desde a criação do já extinto Banco Nacional de Habitação (BNH), sempre foi baseada na produção de casas e apartamentos por meio dos recursos do FGTS, fundo público composto pelo recolhimento compulsório de 8% do salário dos trabalhadores com carteira assinada.

Assim, além de funcionar como uma espécie de poupança do trabalhador, o FGTS foi criado com a justificativa de financiar habitação social e saneamento. Como se trata de um dinheiro que o governo toma emprestado com juros muito baratos, pois o fundo remunera muito pouco o trabalhador – 3% ao ano, mais Taxa Referencial (TR), abaixo da inflação, e muito, muito abaixo dos juros cobrados pelos bancos –, o fundo pode viabilizar, em tese, o financiamento de produtos acessíveis para os mais pobres.

Mas, claro, a história de fato nunca foi bem assim. Os mais pobres, com rendimentos de até três salários mínimos, justamente aqueles que mais necessitam de habitação, quase nunca tiveram acesso às políticas de apoio para garantir seu direito à moradia. Isso porque o FGTS sempre visou preferencialmente à classe média, capaz de retornar os recursos do empréstimo para o fundo.

Além disso, cada vez mais, os recursos do fundo foram sendo usados para outros investimentos, participando do mercado financeiro em operações estruturadas, fundos imobiliários privados, compra de Certificados de Potencial Adicional de Construção (CEPACs) e outras atividades que nada têm a ver com necessidades de interesse público ou social. Ou seja, a história mostra que o que ocorreu foi uma espécie de captura do dinheiro do trabalhador, a baixo custo, para ser usado no mercado financeiro, garantindo altos rendimentos às grandes empresas envolvidas nas operações.

Em 2009, a criação do Minha Casa Minha Vida, apesar de todas as suas deficiências, incorporou pela primeira vez os mais pobres às políticas de financiamento habitacional, ao ampliar de forma significativa os subsídios públicos, mobilizando para isso recursos do orçamento do governo federal. Esse subsídio cobre praticamente 100% do valor dos imóveis destinados às pessoas de baixa renda ou sem renda alguma – a chamada “faixa 1” do programa. Para as outras faixas de renda, inclusive aquelas historicamente já atendidas por outras políticas públicas, o programa usa recursos do FGTS, e, quanto menor a renda, inclui também subsídios.

As mudanças anunciadas pelo governo, aliadas à paralisação da produção de unidades para a faixa 1 do programa, à imposição de um teto para os investimentos públicos, reajustável nos próximos 20 anos apenas com base na inflação, ao aumento para R$ 1,5 milhão do valor limite dos imóveis que podem ser financiados com recursos do FGTS, e também ao aumento do teto de renda familiar – agora de R$ 9 mil – para conseguir financiamento via Minha Casa Minha Vida, fazem com que tenhamos regredido décadas nas políticas públicas de habitação para a população mais pobre. É que, com essas alterações, a política pública passa novamente a privilegiar as famílias com maior renda, sem que o Estado tenha qualquer fonte de financiamento para viabilizar uma política habitacional para os mais pobres.

Todo esse cenário faz com que ações como a #PaulistaOcupada, ocupação liderada pelo MTST no entorno da sede da Presidência da República, na mais importante avenida de São Paulo, que reivindica uma política habitacional para as faixas de renda mais baixas, se multipliquem pelo Brasil, já que a perspectiva é que a situação habitacional no país, já bem ruim, piore ainda mais.

Publicado originalmente no Portal Yahoo!

Farra da Copa: agora querem meter a mão no FGTS

Há duas semanas foi aprovado no senado o Projeto de Lei de Conversão (PLV) 29/11, cuja origem é a Medida Provisória nº 540/11. O PL, que dispõe sobre questões tributárias, terminou incluindo a autorização para o uso de recursos do FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço) em obras da Copa do Mundo de 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016. Mais uma vez estamos diante da possibilidade de uma farra justificada em nome desses megaeventos.

O PL está agora na mesa da presidenta Dilma Roussef para sanção. Jorge Hereda, presidente da Caixa Econômica (que gerencia o FGTS), é contrário à medida. Com razão. Os recursos do fundo são hoje utilizados para financiar programas habitacionais, como o Minha Casa, Minha Vida, além de obras de saneamento. Não faz o menor sentido usar estes recursos em operações urbanas consorciadas de obras de mobilidade e transporte,  infraestrutura aeroportuária, empreendimentos hoteleiros e comerciais, como define o PL.

Para quem nunca ouviu falar, as operações urbanas consorciadas de obras de mobilidade e transporte podem ser, por exemplo, a utilização de áreas lindeiras à linha de transporte urbano para grandes empreendimentos imobiliários realizados pela iniciativa privada, muitas vezes desrespeitando, inclusive, o próprio planejamento local.

Vale lembrar que os projetos de mobilidade já contam com recursos do governo federal através do PAC da Mobilidade. Os estádios já estão sendo construídos ou reformados pela iniciativa privada com recursos do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Essa aprovação do uso dos recursos de FGTS, na surdina, só pode ser para financiar obras não incluídas na Matriz de Responsabilidades da Copa, que é o único documento oficial que prevê obras ligadas à Copa nas cidades. O resto são rumores.

Já se calcula que, num curto a médio prazo, se os programas habitacionais e de saneamento continuarem no ritmo que estão hoje, os recursos do FGTS não serão suficientes para mantê-los, ou seja, será necessário buscar outras formas de financiamento. Mas o grande problema dessa medida, além de ter sido aprovada de maneira oportunista numa Lei que nada tem a ver com a Copa e as Olimpíadas, é permitir o uso de um crédito que é dos trabalhadores brasileiros, com juros muito baixos, para financiar a farra da Copa.

Mais sobre os projetos de mobilidade de São Paulo, Rio e Brasília para a Copa de 2014

Na semana passada falei sobre a aprovação de alguns dos projetos das cidades brasileiras para a Copa do Mundo de 2014. Hoje vou falar especificamente de São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília.

No caso específico de Brasília e São Paulo, os projetos de mobilidade para a Copa de 2014 foram apresentados à Caixa Econômica Federal para serem financiados com recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). O Rio de Janeiro, por sua vez, está apresentando um projeto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

No caso do Rio, falou-se muito, foram muitas as promessas de melhoria de mobilidade para a Copa, mas, realisticamente, e isso é positivo, o que de fato vai acontecer até lá é a implementação de corredores de ônibus, que estão sendo chamados de BRT – Bus Rapid Transit. Serão alguns corredores exclusivos e rápidos e o mais importante deles será o T5, que ligará o aeroporto Tom Jobim à Barra. Este investimento custará R$ 1 bilhão. Já aquela ideia de metrô para a Barra ainda é absolutamente nebolusa. De concreto, o que existe é o corredor de ônibus.

No caso de Brasília, a proposta apresentada foi a do chamado VLT – Veículo Leve sobre Trilhos. Não sei qual é exatamente a tecnologia que será usada em Brasília, mas várias cidades estão usando uma tecnologia que está sendo produzida em fábricas aqui mesmo no Brasil, no Estado de São Paulo e no Nordeste. O VLT parece um bonde e a ideia é que ele seja confortável e de alta performance. O que vem sendo usado no Brasil é uma espécie de ônibus que corre sobre trilhos. Em Brasília, o VLT fará a ligação do aeroporto ao final da Asa Sul, onde já existe uma estação de metrô que faz a ligação do centro de Brasília com Taguatinga. Então o VLT será um complemento do metrô.

Já em São Paulo, bateu-se o martelo na proposta de um monotrilho que fará a ligação do aeroporto de Congonhas com a linha norte-sul do metrô, na região do Jabaquara, que terá articulação com o estádio do Morumbi. Este projeto já está sendo desenvolvido e custa em torno de R$ 1bilhão. O monotrilho é um trenzinho de superfície e esta mesma opção foi adotada também na cidade de Manaus. O projeto de São Paulo inclui também a perimetral, que deverá melhorar a saída de automóveis e ônibus do estádio do Morumbi em direção à região central.

Ainda sobre o monotrilho, há uma discussão importante sobre o impacto que ele causará, já que se trata de uma espécie de minhocão de trem, um pouco mais estreito, mas de qualquer maneira uma interferência grande em uma região bastante adensada como é a que liga o aeroporto com o Morumbi.