A Cidade é Nossa com Raquel Rolnik #18: Novo marco regulatório do saneamento apresenta falsa solução

No modelo proposto, o inimigo são as empresas publicas estaduais de saneamento e a solução é a privatização. Em nenhum momento as experiencias — muito mal sucedidas — de privatização do saneamento no Brasil e no mundo são consideradas. Fora isso, nas condições atuais, isso só seria possível com aumento do preço das contas de água. Além do mais, temas centrais como a sustentabilidade econômica, o modelo do saneamento como grande investimento centralizado e as questões ambientais decorrentes destes modelos não são sequer consideradas.

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Sabesp: enxurrada de lucros, benefícios sociais no conta-gotas

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Rio Tietê (SP). Crédito: @mundoirys/Instagram

Na semana passada, após um comentário meu no Twitter sobre o lucro recorde da Sabesp de quase R$ 3 bilhões e a remuneração de seus acionistas, a companhia respondeu argumentando que esta era uma “ótima notícia para todos”, pois a maior parte deste recurso seria aplicada em melhorias de infraestrutura e serviços.

Infelizmente, essa afirmação não tem respaldo nas ações efetivas desta empresa de economia mista, com ações negociadas na bolsa de valores desde 1994.

Encarregada de quase todos os serviços de água e esgoto da metrópole paulistana, além de muitas outras cidades do Estado de São Paulo, a Sabesp é uma das grandes responsáveis pela poluição dos rios, na medida em que coleta o esgoto e neles despeja a maior parte, sem tratamento. Segundo a ONG SOS Mata Atlântica, 70% da poluição dos rios de São Paulo vêm destes esgotos não tratados.

Desde 1992, há 25 anos, portanto, a Companhia lançou um projeto de despoluição do Rio Tietê –  Projeto Tietê – com financiamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Na ocasião do lançamento do projeto, o então governador Luiz Antonio Fleury Filho prometeu que, em 2005, ele “beberia um copo de água do Tietê”. Quem fizer isso em 2017 sairá certamente contaminado. E nestes 25 anos, com lucros recordes ou modestos, os investidores estão bem satisfeitos com o desempenho da companhia, mas o prazo para despoluição já foi adiado inúmeras vezes, tendo gerado inclusive uma ação do Ministério Público contra a Sabesp.

A complexidade do projeto tem sido utilizada para justificar os atrasos sistemáticos. Mas há também um enorme debate sobre o modelo de captação/tratamento dos esgotos, que centraliza o tratamento em poucas – e imensas – estações. Isso faz com que, muitas vezes, o esgoto coletado nas residências tenha que percorrer 80 quilômetros entre coletores e interceptores para conseguir atingir a estação de tratamento, que, por sua vez, fica por anos subutilizada até que todos estes interceptores sejam implementados.

A menor mancha de poluição do rio, 71 quilômetros, foi apurada em 2014, justamente quando o despejo de esgoto foi menor em função da crise de abastecimento de água, que diminuiu forçosamente o consumo. No período seguinte, entre 2014 e 2015, o valor investido na despoluição do Tietê recuou 36%, o que contribuiu para o retrocesso nos índices de poluição, passando rapidamente daqueles 71 quilômetros mortos para os atuais 137 quilômetros.

Por sua vez, o lucro recorde da empresa vem depois de dois aumentos de tarifa e da eliminação da política de bônus para quem economizava no consumo, e é acompanhado de um novo aumento de desperdício de água em função de vazamentos nas redes da empresa.

A eficiência financeira da Sabesp, explicitada pelos números e prêmios recebidos por esta empresa, lamentavelmente não significa que o lucro recorde seja uma boa notícia…

Texto publicado originalmente no Portal Yahoo!

Falta água, mas também estratégias para enfrentar o problema

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Foto: Banco Mundial/Allison Kwesell

Ao celebrar o dia mundial da água esta semana, o planeta tem muito pouco a comemorar. Dois terços da humanidade vivem em regiões onde há escassez hídrica.

Parte desse problema tem a ver com os efeitos das mudanças climáticas, mas também com hábitos de consumo, como o enorme desperdício de água e com a transformação deste recurso natural em mercadoria e ativo financeiro com as implicações que isso traz para o acesso da população.

Assim como nós vivemos recentemente na região metropolitana de São Paulo, várias grandes cidades do mundo já enfrentam ou enfrentaram escassez de água.

A tentativa de enfrentamento mais comum desse problema tem sido, historicamente, a realização de grandes obras, implementadas para trazer água de mananciais distantes. A China hoje tem mais de 400 cidades que sofrem com escassez e em Beijing  está sendo realizada uma obra gigantesca de transposição de bilhões de metros cúbicos de água numa distância quase equivalente  àquela que separa o Oiapoque e o Chuí.

Esse tipo de solução ‘acaba a água aqui eu pego num outro rio ali’ é sempre caríssima, produz desperdício, porque também consome água e muita energia, e, eventualmente, transfere a escassez para outro lugar.

Mas também há exemplos de enfrentamento da escassez muito diferentes desse, como é o caso de Nova Iorque, nos Estados Unidos. Nos anos 90, a cidade, uma das maiores do mundo, já enfrentava um enorme problema hídrico. A estratégia adotada foi a recuperação e preservação dos mananciais que ainda estavam disponíveis, situados ao norte da cidade. A municipalidade comprou áreas em volta das nascentes e investiu para preservá-las, além de apoiar os moradores do entorno dos mananciais para viabilizar o repovoamento vegetal e sua observação futura. Campanhas também estimularam a redução do consumo.

Outra estratégia muito eficaz que tem sido cada vez mais adotada é o reuso: a água que consumimos pode ser tratada, filtrada e despoluída para voltar a ser utilizada. Isso diminuiria muito a retirada desse recurso dos mananciais. O gargalo dessa solução é o saneamento básico. Enquanto não tivermos tratamento integral dos nossos esgotos, não poderemos reutilizar nossas águas em larga escala. No caso do Brasil, só 50% da população está ligada à rede de esgoto. Precisamos enfrentar esse enorme desafio.

Também no campo da coleta e tratamento é necessário  pensar em novos modelos, já que, assim como no caso da adução de água, atualmente a estratégia que usamos no país é também a realização de grandes obras, que levam o esgoto para passear por quilômetros até chegar em uma estação de tratamento, enfrentando enorme desperdício ao longo do caminho.

Falei sobre esse assunto na minha coluna na Rádio USP dessa quinta-feira (23). Ouçam a íntegra aqui.

Rio Tietê: pouco a comemorar

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Foto: @mkcesar/Instagram

Na última quinta-feira (22), foi comemorado o Dia do Rio Tietê. Na verdade, não temos muito o que comemorar, como ressaltei na minha coluna desta semana na Rádio USP.

O Tietê atravessa 62 cidades do estado e suas águas tiveram ou têm múltiplas funções, como por exemplo, alimentar represas para abastecimento de água e geração de energia elétrica  e servir como meio de transporte. Porém suas águas se encontram extremamente poluídas, principalmente (mas não exclusivamente) no trecho que atravessa a Região Metropolitana de São Paulo.

Em 1992, uma articulação da sociedade civil colheu mais de um milhão de assinaturas em prol da despoluição do rio. Quase 25 anos depois, cerca de R$ 3 bilhões foram gastos pelo Governo do Estado e ele continua imundo.

Mais de 70% da poluição do Tietê é causada por esgoto doméstico. Isso porque, apesar da maioria das casas estar ligada à rede de coleta, apenas um pequeno percentual do esgoto coletado é tratado. A própria Sabesp, que cobra por esse tratamento de todos os usuários,  despeja os dejetos in natura em rios e córregos em alguns trechos.

Ouça a íntegra do comentário aqui, no site do Jornal da USP. O programa Cidade para Todos vai ao ar ao vivo todas as quintas-feiras, às 8h30.

Limpar a Baía de Guanabara, sanear lagoas para jogos e instalar redes de esgoto são desafios do Rio 2016

Um dos principais desafios para a preparação da Olimpíada no Rio é o saneamento ambiental. Uma das razões é viabilizar os próprios jogos, já que uma parte das competições ocorrerá em lagoas, como a Rodrigo de Freitas e a de Jacarepaguá.

As competições precisam ocorrer em lagoas limpas e, à exceção da Rodrigo de Freitas, que já passou por várias intervenções e tem condições de ficar completamente despoluída em breve, nas demais será preciso intervir.

Mas não é só isso. Uma das principais sedes dos jogos, que é a região oeste, na Barra da Tijuca, não tem sistema de esgoto. A ocupação da região começou sem sistema de esgoto e os próprios condomínios faziam suas estações de tratamento, cada um a sua. Mas a urbanização da região foi adensando e surgiu uma briga nos anos 80, entre a população que estava lá e a Companhia de Saneamento do Estado do Rio de Janeiro (Cedae), para que um sistema público de esgoto fosse implementado.

Finalmente, nos anos 80, fez-se um projeto para construir um sistema de esgoto, que só começou a ser implantado em 2001 e atende hoje menos que 50% dos domicílios da Barra. Essa área precisa ser completamente saneada, o que beneficiará a população da região.

Também temos no Rio, no campo do saneamento ambiental, outro tema recorrente. Você com certeza já ouviu falar do projeto de despoluição da Baía de Guanabara… É um projeto que foi lançado em 95. Hoje, depois de vários investimentos, temos por volta de 30% de melhora, de acordo com os dados oficiais.

O que está previsto neste projeto? Para sanear a Baía de Guanabara, várias sub-bacias têm que ser trabalhadas, inclusive a própria Baixada Fluminense, que também não tem nada de sistema de tratamento de esgoto até hoje, e a Baixada de Jacarepaguá.

São vários subsistemas que precisam não só de um sistema de coleta, mas de estações elevatórias para que o esgoto possa ser lançado no emissário da Barra da Tijuca, construído mais recentemente, e nos outros emissários que atendem bairros já saneados.

De acordo com as previsões, com um investimento em torno de 2 bilhões de reais o Rio chegaria em 2016 com mais ou menos 50% a 60% de melhora em relação ao que temos hoje.

É um desafio complexo, de gestão difícil, pois envolve vários municípios da região metropolitana. O esgoto não é apenas uma questão municipal, é um problema regional, há uma companhia estadual no meio disso tudo e ainda uma grande dependência de recursos da União.

Desses 2 bilhões, pelo que entendi, 650 milhões já estão garantidos. Mas e o resto? Ainda temos um belo caminho pela frente para imaginarmos um Rio de Janeiro totalmente saneado antes dos jogos olímpicos.