MCMV- Entidades não “distribui” casas para seus militantes! Conheça a polêmica levantada pelo MPF

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Foto: MTST

O Ministério Público Federal (MPF) decidiu intimar o Ministério das Cidades e a Caixa a reverem os critérios utilizados pelas cooperativas habitacionais que utilizam recursos do Minha Casa Minha Vida Entidades (MCMV-E) para distribuir unidades habitacionais. Segundo o texto inicial do MPF, ter como critério de pontuação para selecionar das famílias que receberão as casas construídas através dessa modalidade a participação em manifestações, atos e outras atividades de cunho formativo fere os princípios legais.

A afirmação acima é marcada por um enorme desconhecimento por parte do MPF (e não apenas dele!) a respeito da forma como cooperativas autogeridas produzem moradias no âmbito do programa MCMV- Entidades ou outros programas e políticas que apoiam a produção por autogestão, no Brasil e em outros locais do mundo.

Ao contrário dos programas habitacionais organizados diretamente pelo Estado, através de prefeituras, COHABs ou companhias estaduais que distribuem as casas ou apartamentos produzidos por construtoras com subsídios públicos para uma lista que registra a “demanda”, ou seja, quem se inscreveu  ou quem teve que ser retirado de sua casa pelo próprio governo, na construção por autogestão não existem conjuntos habitacionais produzidos antes que se organizam grupos para empreendê-lo.

Trocando em miúdos – nas cooperativas, primeiro se formam grupos que a partir de muito investimento em capacitação e organização, procuram um terreno, contratam arquitetos e engenheiros, desenvolvem um projeto de forma participativa com quem vai morar e, a partir daí, pleiteia os subsídios dos programas habitacionais para conseguir construir.

Desta forma, a participação em atividades de organização é fundamental. Por outro lado, por se tratar de um modelo distinto do modelo tradicional de “distribuição de casas pelo governo”‘ tem sempre enormes obstáculos para poder se viabilizar. Daí a necessidade  de pressão permanente e mobilização sobre os entes públicos encarregados da aprovação dos empreendimentos, sendo que na maior parte do tempo, os projetos apresentados acabam não saindo.

É  justamente esse trabalho intenso de organização e mobilização que diferencia posteriormente o destino dos projetos habitacionais produzidos pelas cooperativas ligadas a movimentos sociais daqueles onde as casas são distribuídas pelo governo. Nas cooperativas, por já entrarem organizados nos conjuntos e terem passado juntos por todas as etapas, da escolha do terreno ao projeto e a obra, o grupo tem plenas condições de realizar a gestão condominial e viver no projeto. Exatamente o contrário ocorre em grande parte dos conjuntos distribuídos pelo governo: em boa parte deles há enormes problemas de gestão, conflitos, repasses de casas e etc., justamente em função da adoção de um critério supostamente mais isonômico – o sorteio ou o reassentamento de áreas variadas de remoção, sem nenhuma preocupação com a manutenção de laços preexistentes, com os locais anteriores, as redes de sociabilidade, etc.

O MCMV-E, que apoia a produção por cooperativas autogestionárias, consome menos de 1% dos recursos do PMCMV. Apesar disso, tem lições importantes a dar para a política habitacional do país. Nesse sentido, deveria sim ser objeto de estudo e atenção, não para apontar que se trata de desvio da legalidade, e, ao assim fazer, interromper ou tornar ainda mais difícil o programa, mas, sim, para repensarmos a política habitacional do país.

Falei sobre o assunto na minha coluna na Rádio USP da semana passada. Ouça

o comentário completo aqui.

Em tempo: O que esperar do novo Ministério das Cidades 2

Segunda-feira publiquei em minha coluna no Portal Yahoo! um comentário sobre o Ministério das Cidades, analisando as expectativas que podemos ter para a área do desenvolvimento urbano com base nas primeiras declarações do novo ministro, o deputado Bruno Araújo (PSDB).

Ontem, com a notícia da primeira medida oficial tomada pelo ministro, a revogação de portarias publicadas pela presidenta Dilma Rousseff relacionadas à modalidade “entidades” do Programa Minha Casa Minha Vida, sob a justificativa de readequar o orçamento da União, percebemos que começa a se delinear de fato a política dessa gestão interina.

Para quem não conhece, o Minha Casa Minha Vida – Entidades obedece aos mesmos procedimentos da modalidade “Construtoras” do programa. Só que são associações e cooperativas de moradores – geralmente da área rural ou ligadas a movimentos sociais urbanos – que elaboram e aprovam os projetos, compram os terrenos e contratam construtoras para produzir os conjuntos (às vezes parte das obras é executada através de mutirões).

É importante destacar que essa modalidade é voltada exclusivamente para a faixa de renda 1 – ou seja, a parcela mais pobre da população – e que consome apenas 1% dos recursos totais destinados ao programa.

E como os integrantes das cooperativas são os próprios beneficiários das novas moradias, que não precisam lucrar com as obras, ao contrário das incorporadoras, muitas vezes se consegue, com os mesmos recursos, elaborar projetos de habitação maiores e de melhor qualidade.

Além disso, a modalidade Entidades consegue enfrentar com mais sucesso um dos problemas mais graves do programa, que é a gestão dos condomínios depois de prontos e entregues. Como os moradores já estão previamente organizados em cooperativas ou associações, a capacidade de realizar essa gestão é muito maior.

Como se pode perceber, o argumento de “readequação de custos” não faz o menor sentido, já que se trata de uma modalidade que consome apenas 1% do total dos recursos do programa. Além de falacioso em sua justificativa, esse ato prejudica a população mais pobre, já que o MCMV Entidades atende justamente famílias na faixa 1 de renda.

Não tendo grandes impactos nos cortes de gastos e muito menos correspondendo à anunciada diretriz do governo interino de focalizar suas ações na população mais pobre, qual é então a motivação para revogar as portarias da presidenta? Trata-se de postura puramente ideológica, apesar de o ministro ter declarado que se empenharia em desfazer “amarras ideológicas”.

Isso sinaliza que sua gestão não permitirá que subsista absolutamente nada que não seja 100% rentável para o mercado.