No Dia Mundial da Arquitetura, cabe uma reflexão sobre como anda a profissão em nosso país. O Brasil tem hoje cerca de 130 mil arquitetos e urbanistas, provenientes de 350 escolas, que formam em torno de 10 mil novos profissionais por ano, segundo o CAU (Conselho de Arquitetura e Urbanismo). Mas, olhando para as cidades brasileiras, fica a pergunta: cadê esses profissionais?
Na arquitetura das edificações, predominam os “puxadinhos” ou os “edifícios-carimbo”, reproduzidos ad infinitum, independentemente do lugar e do clima onde estão inseridos. São, de um lado, casas e comércios construídos pelos próprios moradores. De outro, no setor privado e nos programas governamentais de habitação, são projetos elaborados não sob a lógica da qualidade arquitetônica, mas da garantia da rentabilidade do negócio frente aos valores subsidiados pelos programas e os limites de renda dos compradores. No fim, a presença de projetos de arquitetura nos edifícios acaba reduzida à dimensão de “grife” que agrega valor a produtos restritos e exclusivos.
E o urbanismo? Nossas cidades são extensões de iniciativas desconectadas, sem planos integrados prévios e normalmente reguladas a posteriori, ou seja, depois de ocupadas. Sem urbanismo, portanto, que se define como uma prefiguração de como a cidade vai crescer ou se renovar.
Há décadas, arquitetos e suas entidades representativas lutam por uma arquitetura entendida como bem comum e direito de todos. Sabemos, por exemplo, que a cidade autoproduzida de maneira precária apresenta muitos problemas, como habitações de péssima qualidade, má iluminação e pouca ventilação. Mas por que esses processos não podem contar com assistência técnica de arquitetos?
Já temos no Brasil não apenas todo o marco regulatório para implantar a assessoria técnica, como também a experiência concreta, de mais de 25 anos, de entidades que se organizaram para essa finalidade e que já demonstraram que processos de autogestão dos próprios moradores —tanto nos assentamentos populares como na construção de casas— são capazes de produzir um habitat de muito mais qualidade e com menor custo para moradores e governos.
Por outro lado, os governos têm renunciado a sua função de planejar e projetar as cidades. Sob a marca do “enxugamento da máquina”, no setor público, o que vemos hoje, cada vez mais, é o sucateamento dos órgãos e empresas responsáveis pela elaboração e execução de planos e projetos e sua completa incapacidade de atuação frente aos imensos desafios demandados por nossas cidades.
Além disso, ainda é pouco o comprometimento da maior parte das escolas com as reais necessidades das cidades. Neste ano, a FAU-USP está implantando um Programa de Residência em Planejamento e Gestão Urbana, em convênio com a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano. Isso faz parte do esforço da faculdade e da secretaria em assumir plenamente seu compromisso com uma arquitetura e urbanismo públicos.
Mudar o quadro melancólico de nossas cidades é possível: escolas e governos precisam se comprometer mais com a formação e integração de profissionais capazes de pensar a construção de cidades para todos.
*Coluna publicada originalmente no Caderno Cotidiano da Folha.